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Saul Klein: empresária foi quem mais lucrou com crimes sexuais, diz polícia

Camila Brandalise e Pedro Lopes

De Universa, em São Paulo, Campos do Jordão e São Sebastião (SP)

23/05/2022 04h00

Ao cruzar a portinhola e subir o primeiro lance de escadas, encontra-se uma grade, que barra o acesso ao segundo andar. Pelo interfone, um funcionário avisa que ali funciona um escritório de contabilidade desde a década de 1980. O endereço, em um bairro da zona leste de São Paulo, é o mesmo registrado no CNPJ da Avlis, empresa de organização de eventos de Marta Aparecida Gomes da Silva, considerada peça-chave no processo que investiga o empresário Saul Klein por crimes sexuais contra 14 mulheres.

O funcionário informa que a empresa já prestou serviços para a Avlis no passado, mas, há anos, não tem mais contato com os donos. "Lendo as notícias, soube que eles estão sendo investigados. Mas não sabemos mais deles", diz o homem que atendeu Universa e preferiu não se identificar.

Essa foi a tentativa mais recente da reportagem de localizar Marta, na última terça-feira, dia 17 de maio. Ela nunca depôs à polícia desde as primeiras denúncias envolvendo Klein, em setembro de 2020, mesmo após ser intimada diversas vezes. Em 28 de abril, a polícia finalizou o inquérito depois de um ano de investigações e pediu a prisão de Marta pelos crimes de organização criminosa, tráfico de pessoas, coautoria em estupros cometidos por Klein, falsificação de documento público e submeter alguém a condições análogas à escravidão.

Também foi pedida a prisão de Klein, como mandante de todo o esquema, e de outras sete pessoas, além do bloqueio de bens de empresas ligadas a Marta e à sua família.

Os pedidos, no entanto, foram recusados pela Justiça, que determinou apenas o bloqueio dos bens da Avlis. Segundo o juiz Fabio Calheiros do Nascimento, da 2ª Vara Criminal de Barueri, a atuação da Avlis na prática dos crimes "está bem explicitada nos autos". De acordo com Klein, foi Marta, por meio da empresa, que organizava festas e contratava mulheres para os eventos que ele realizou entre 2006 a 2019.

Ele alega também que não sabia que ela praticava crimes, como aliciamento, ao prestar os serviços. Vítimas confirmaram que Marta era quem chefiava o esquema e que, após serem aliciadas, eram abusadas sexualmente por Klein. O empresário nega as acusações.

Agora, porém, na nova fase do caso, a Justiça devolveu o inquérito às autoridades policiais para que retomem a investigação e escutem Marta, seguindo pedido feito pelo Ministério Público.

Universa tenta contato com a empresária desde dezembro de 2020, quando as primeiras notícias sobre o caso foram publicadas. Em maio, a reportagem foi até endereços residenciais e empresariais dela para tentar encontrá-la, sem sucesso. Ela também não foi localizada por telefone nem respondeu às mensagens enviadas por WhatsApp.

Procurado, seu advogado, Paulo da Cunha Bueno, afirmou apenas que ela "só vai se manifestar nos autos", ou seja, só falará com as autoridades no decorrer do processo. Não houve nenhuma manifestação dela ou de Bueno para rebater as acusações.

Polícia não a localizou, mas rotina no litoral de SP seguia a mesma

Depois da publicação do documentário "Saul Klein e o Império do Abuso", produzido por Universa e MOV.doc, a reportagem recebeu informações de que Marta não estava desaparecida, como dizia a polícia, que afirmava não conseguir encontrá-la. As informações davam conta que a empresária mantinha sua rotina em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, onde é dona de um casarão histórico tombado no centro da cidade, avaliado em R$ 800 mil. Lá, ela frequentava religiosamente academias de crossfit e mantinha contato com um vasto círculo social.

Às pessoas com as quais convivia na cidade, falava de seus projetos de imóveis em praias da região. Também comentava, com orgulho, sobre a construção de um hotel contêiner em Campos do Jordão, a cerca de 300 km do litoral, que ia de vento em popa, no mesmo período em que já aparecia nas denúncias de vítimas, testemunhas e suspeitos envolvidos com o caso Saul Klein.

Universa procurou a polícia para saber por que diziam não encontrá-la, mas na Delegacia Seccional, responsável por lhe entregar as intimações, ninguém poderia passar informações. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública se limitou a dizer que "o caso é investigado sob sigilo judicial".

A reportagem esteve na cidade depois do pedido de prisão da empresária e não a localizou. Marta já não estava mais vivendo sua rotina de vida social e academia da mesma forma que antes.

Patrimônio foi "adquirido de forma duvidosa", diz inquérito

No indiciamento, a polícia cita um condomínio construído por Marta e pelo marido na praia de Maresias, no município de São Sebastião, também visitado por Universa. O empreendimento conta com 21 apartamentos, e os disponíveis para venda têm valor médio de R$ 900 mil. Há piscina, academia e pista de skate no lugar, localizado a 600 metros da orla.

A reportagem foi até o local e conversou com o síndico, que mora lá, cuida da portaria e atende pessoas interessadas em alugar ou comprar imóveis. Após a visita em dois apartamentos, um de dois e outro de três quartos, disse que, se houvesse interesse em alugá-los, ele passaria o número para o proprietário, Roberto —o marido de Marta se chama Aldacir Roberto Lopes Pereira Júnior—, que entraria em contato. Apesar da troca de telefones, Roberto nunca ligou.

O marido, segundo a denúncia, seria um dos motoristas do esquema de Saul Klein e responsável pela falsificação de documentos. Ele também é indiciado pelo envolvimento no caso.

Ao se referir a Marta no inquérito, a delegada Priscila Camargo afirma que "era ela quem mais lucrava com todos os serviços sexuais prestados pelas meninas", referindo-se aos bens em nome dela e do marido.

"Todo esse patrimônio, muito provavelmente, foi adquirido de forma duvidosa, já que, como mencionado acima, a renda bruta de ambos não ultrapassa R$ 35 mil", afirma Camargo.

A delegada diz, ainda, que a abertura de empresas pelas filhas dela e pelo marido em janeiro de 2022, ligadas ao setor imobiliário, "muito provavelmente se deu em razão da necessidade de dilapidação de patrimônio constituído com recursos financeiros angariados da organização criminosa". Ou seja, lavagem de dinheiro.


Em meio a denúncias, hotel é construído em Campos do Jordão

Em São Sebastião, pessoas do núcleo de Marta afirmaram à reportagem que ela estaria em Campos do Jordão, onde também teria casa. Mas ao chegar no endereço indicado, ligado a empresas registradas em nome das filhas e do marido dela, Universa encontrou um terreno de 3.000 m², que cresce a olhos vistos à medida que o carro cruza a entrada.

Uma placa sinaliza a construção de uma pousada contêiner, a mesma que Marta havia dito que estava construindo. Rodeada por árvores e sem outros prédios que prejudiquem a visão do horizonte, parece o lugar ideal para um hotel com uma privilegiada vista da região. Cerca de dez trabalhadores estavam no local, em que já havia prédios erguidos, com tijolos à vista, esperando por acabamento.

Não foi difícil localizar o engenheiro responsável. Solícito, contou que Marta havia passado por lá dois dias antes para fiscalizar o andamento da obra, mas que não estava mais na cidade.

Essas empresas não entraram no pedido de bloqueio de bens solicitado pela Justiça.

Justiça cita risco de Marta e marido deixarem o país

A Justiça, apesar de atestar os indícios do envolvimento do casal com o esquema, rejeitou a prisão preventiva de ambos, assim como a de Saul Klein, com o argumento de que é necessário elucidar algumas questões em aberto na investigação.

"Ainda que estivessem presentes indícios de autoria e materialidade dos crimes que levaram ao indiciamento deles, a respeito do que não entro no mérito nesta ocasião, o alongamento do inquérito policial, sem prazo determinado para a conclusão, torna inviável a custódia cautelar [prisão preventiva]. E as diligências certamente deverão ser realizadas porque o Ministério Público as requereu", afirma o juiz Fabio Calheiros do Nascimento.

Em relação a Marta e o marido especificamente, ele diz que a detenção de seus passaportes é explicada pois, "em tese, também teriam condição financeira apta a lhes permitir deixar o país e escapar à aplicação da lei penal".

"É a somatória de fatores, aparente dificuldade de contato com eles por parte da autoridade policial, ausência de endereço certo até o presente momento, e patrimônio considerável, a permitir que se imagine também uma excelente condição financeira, que faz com que a medida cautelar acima seja fixada. Não é o patrimônio, por si só, que fundamenta isso", afirma o juiz, que deu prazo de dez dias para eles se manifestarem, pois não localizou nos autos do processo a procuração do advogado que eles teriam nomeado para a defesa.

De volta à fase de investigação, caso não tem prazo para terminar

Segundo a Justiça, ainda há suspeitas para serem esclarecidas. Por isso, o caso volta agora para a investigação policial. Serão ouvidas testemunhas e vítimas novamente para falar sobre pontos específicos da denúncia, apontados pelo Ministério Público como questões que precisam de mais esclarecimentos.

Da primeira vez em que a investigação esteve com a polícia, o inquérito levou 18 meses para ser concluído. Agora, não há prazo para que seja finalizado.

Klein já foi indiciado pela polícia pelos crimes de organização criminosa, trabalho análogo à escravidão, tráfico de pessoas, estupro, estupro de vulnerável, casa de prostituição, favorecimento à prostituição e falsificação de documento público. Marta é apontada como "cabeça" de todo o esquema comandado por ele.