No Pantanal, mulheres negras se unem pra combater racismo e exaltar cultura
Educação sempre foi um tema essencial na casa de Ana Paula Pinho, 38, durante sua infância. Filha de um pedreiro e de uma dona de casa, viu todo tipo de violações de direitos humanos ao longo da vida, na cidade de Cáceres, região pantaneira de Mato Grosso. As desigualdades presenciadas e o apoio dos pais para que estudasse fizeram a professora embarcar na luta contra os abismos sociais. Atualmente, ela integra o Coletivo Mulheres Negras de Cáceres, entidade que atua como um espaço de articulação de mulheres negras da periferia, de áreas rurais e quilombolas. O grupo promove encontros, palestras, encontros, audiências públicas, sempre colocando a mulher negra em evidência.
Esse é um dos exemplos de projetos que foram contemplados pelo edital Enfrentando o Racismo a Partir da Base, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que lança nesta terça-feira (24) a edição de 2022. O edital apoiará o fortalecimento institucional de organizações, coletivos e movimentos da sociedade civil que atuam pelo enfrentamento ao racismo em suas diferentes manifestações e que são lideradas por pessoas negras —a exemplo do grupo mato-grossense. Serão apoiadas até 20 organizações que receberão até R$ 50 mil para viabilizar estrutura material e condições básicas de trabalho.
Cáceres, município que fica cerca de 220 km da capital Cuiabá e que faz fronteira com a Bolívia, está às margens do rio Paraguai. A educadora aponta que, como a maioria dos municípios brasileiros, é assolado pela violência que tira das crianças e adolescentes o sonho de ter um futuro com dignidade. Por isso, Ana Paula vê na educação a resolução para essas questões sociais e leva a preocupação para o grupo de mulheres que, juntas, discutem como é possível mudar essa realidade a partir de trabalhos com jovens.
A inspiração vem da família: Ana Paula conta que viu o esforço dos pais para possibilitar seu acesso ao conhecimento foi fundamental em sua vida, que mudou totalmente graças à educação.
"Gosto de ressaltar sempre o esforço deles. Meus pais deixavam de comer, mas os nossos materiais escolares estavam sempre disponíveis para irmos à escola. Fome eu nunca passei, mas sei que meus pais, sim, para poder nos alimentar", diz Ana Paula a Universa. A professora se juntou ao coletivo justamente para passar a mensagem da resiliência e da força das mulheres negras para frente.
"O grupo criado devido à movimentação em torno desse debate que já havia na cidade e que, de maneira direta ou indireta, eu já fazia parte. Veio a juntar mulheres que têm o ideal antirracista na veia, pois sabemos ou sentimos muito bem o que é o racismo."
Projetos de valorização da cultura pantaneira
A Universa, a presidente do coletivo, Sara Cristina da Silva, explicou que a entidade desenvolve projetos e ações voltados para a luta antirracista e feminista. Tudo é focado em empoderar as mulheres pantaneiras, valorizando a identidade, cultura e ancestralidade, principalmente por meio de rodas de conversa. O trabalho também tem ligação com a causa LGBTQIA+, sustentabilidade e educação.
"Também temos projetos como concursos de poesia e de produção de comidas típicas feitas por mulheres negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas e pantaneiras —esse último resultou em um ebook", contou.
O coletivo, acrescenta a gestora, oferece curso anual chamado Identidades Pantaneiras, voltado principalmente para mulheres e meninas. Atualmente, lançaram o projeto Alimento e o Sagrado, conectando ancestralidade, religiosidade e cultura alimentar em Cáceres.
"Estamos desenvolvendo estudos, fomentando o cultivo de hortas comunitárias e outras ações de combate à insegurança alimentar e valorização da nossa cultura com foco também na incidência política através de proposição na Câmara de Vereadores para combate à fome no nosso município", disse.
Edital possibilitou criação da entidade
Segundo Sara, o edital Enfrentando o Racismo foi essencial para a estruturação da entidade, pois possibilitou a constituição legal do grupo como associação, com CNPJ e conta bancária, além de prever remuneração de pessoal para prestação de serviços essenciais como secretaria executiva, contador e mídias sociais. Também entra na conta a aquisição de materiais e equipamentos como computador e celular.
"Deu firmeza ao nosso trabalho, condições para desenvolvermos nossos projetos e ações e, sem dúvida, fortaleceu a resistência antirracista no oeste de Mato Grosso. Esse tipo de edital é raro, mas muito importante para a sobrevivência de organizações como o nosso coletivo, que trabalham na base do voluntariado e com muito amor à causa", destacou.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação independente, sem fins lucrativos, com a proposta de construir mecanismos sustentáveis para canalizar recursos e impulsionar atividades de pessoas e organizações não governamentais voltadas à defesa dos direitos no país. Para se inscrever no edital deste ano, clique aqui.
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