Panmela Castro usa sua arte como processo de cura para vítimas de violência
É direto de Washington, capital dos Estados Unidos, que Panmela Castro atende a videochamada de Universa. Naquela semana de maio, a artista participou da abertura do Vital Voices Global Headquarters for Women's Leadership, sede da instituição localizada a poucos minutos da Casa Branca e da praça Black Lives Matters que pretende se consolidar como ponto de encontro para a organização de líderes mulheres. Foi ali, na presença de Hillary Clinton, ex-secretária do Estado americano, que Panmela inaugurou uma sala da organização que foi batizada com seu nome.
A história que tornou a artista uma liderança no direito das mulheres começou a partir da violência de gênero que ela própria sofreu, há quase 20 anos, quando foi espancada e mantida em cárcere privado durante uma semana, conseguindo se desvencilhar da situação apenas com a ajuda de sua mãe, que a resgatou.
Em uma época que ainda não existia a Lei Maria da Penha, sancionada somente dois anos depois, Panmela contou com o apoio da família para realizar a denúncia. Com o agressor, porém, com quem vivia há mais de dois anos, nada aconteceu. "Minha mãe me fez ir em todos os meus trabalhos para falar que eu havia sido espancada, me disse que eu não poderia ter vergonha de contar o que aconteceu", explica. "Fui perdendo a vergonha de tanto contar, até perceber que era bom falar para que minha história pudesse estimular outras mulheres."
Nascida e criada no subúrbio do Rio de Janeiro, Panmela sempre foi considerada uma artista dentro do círculo familiar. Sem nenhuma referência em casa, começou, desde pequena, a explorar os materiais de pintura e desenho que encontrava pelo caminho. Foi por incentivo de sua mãe, também, que ela começou a estudar pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Minha mãe é uma pessoa muito sonhadora, mas foi podada em todos os seus sonhos", conta. "E ela sempre acreditou e foi investindo em mim. Fiz desenho, balé, inglês, curso de modelo."
A artista, que hoje é representada pela galeria Luisa Strina, uma das mais importantes no mercado de arte, com individuais recentes em São Paulo e no Rio de Janeiro, se consolidou no meio a partir do ativismo político. À frente de projetos como "Grafiteiras pela Lei Maria da Penha", que tinham o grafite como instrumento para difusão de informação, ela passou ao menos dez anos da carreira dedicada unicamente ao assunto.
Em 2010, ainda, após ser homenageada pelo Vital Voices Global Leadership Awards, decidiu criar a Rede Nami. O projeto de conscientização contra violência de gênero por meio da arte surgiu com a ideia de difundir a lei e hoje concentra seu foco na formação de novas lideranças e no acolhimento a outras mulheres.
Eu passei minha vida toda produzindo arte, mas não tinha uma causa, e depois da enfrentar violência doméstica, o que transformou minha vida, encontrei algo a que me dedicar
Só recentemente, no entanto, a artista diz ter se permitido desenvolver outras pesquisas que não estivessem totalmente voltadas para a militância.
Mesmo assim, sua obra, que é essencialmente autobiográfica, continua a explorar os corpos marginalizados. De tanto ser abordada por mulheres vítimas de violência, que queriam compartilhar com ela suas histórias, Panmela desenvolveu a série "Retratos Relatos", na qual, a partir dos depoimentos, desenvolve um retrato de cada participante —a ideia, ao ouvir histórias que talvez nunca tenham sido compartilhadas, é transformar a própria pintura em um processo de cura.
Falar de si por meio do outro, inclusive, tem sido uma constante em sua trajetória. Nas pinturas da série "Vigílias", por exemplo, a artista transforma encontros que ocorrem noite adentro em seu ateliê, com amigos de diferentes círculos, em pinturas. Em um trabalho onde vida e obra se misturam, a pichação que Panmela realiza em uma de suas peças traduz muito bem a luta diária pela sobrevivência dentro de um sistema opressivo: "Ostentar é estar viva", ela escreve.
Isto porque, em paralelo ao reconhecimento como artista, Panmela ainda inclui na rotina não só o acompanhamento de outras mulheres à delegacia, como ela própria continua se vendo às voltas com novos processos. Em 2007, denunciou o ex-namorado que passou a persegui-la e, este ano, foi vítima de stealthing, prática que consiste na retirada do preservativo sem o consentimento. "Se eu não denunciar, quem irá fazer?", diz. "É uma coisa tão naturalizada o poder do homem de decidir dentro de uma relação que precisamos romper esse ciclo."
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