Após morar na 'cracolândia', ela ajuda usuários de drogas: 'Muitos como eu'
"Quando eu era usuária de drogas, frequentei a Cracolândia. Hoje, passo por lá quando vou para minha igreja, vejo essas pessoas e fico muito triste. Meu coração fica apertado porque lá tem um monte de Biancas."
A história da influenciadora, coach e escritora paulistana Bianca Pagliarin, de 41 anos, lembra a da personagem Larissa, vivida por Grazi Massafera na novela Verdades Secretas (2015). Bianca teve uma carreira de sucesso como modelo, mas, por causa do vício nas drogas, gastou todo o dinheiro que tinha guardado e passou por quatro internações compulsórias.
Com ajuda médica e apoio da família, ela parou de usar drogas, se formou em comunicação, casou e teve um filho. Hoje, auxilia pessoas com transtornos semelhantes aos que ela sofreu: depressão, ansiedade e vícios.
"Por muito tempo, fiquei com medo de contar minha história e ser julgada. Mesmo depois de vencer o vício em crack ainda era confusa, insegura, com ansiedade social e distúrbios alimentares. Foi então que decidi que poderia ajudar pessoas. Criei coragem e mudei minha história. Percebi que poderia ajudar muitas pessoas", explica Bianca
A seguir, ela conta sua história:
"Na Cracolândia tem um monte de Biancas"
"Passei temporadas na Cracolândia. É muito triste aquela região. Não era daquele jeito, é progressivo, claro, e foi aumentando o número de viciados. Aquilo lá virou esse inferno horroroso.
Eu passo por lá quando vou para minha igreja, vejo essas pessoas e fico muito triste. Meu coração fica apertado porque lá tem um monte de Biancas. Tem pessoas que queriam ter uma família, que tinham sonhos... Eu conheci lá mães, médicos. E muitas pessoas boas que a droga levou tudo o que tinham.
Outro dia passando ali com o meu filho, que tem cinco anos, ele me perguntou 'mamãe, por que essas pessoas fazem isso?',. Ele ficou triste de ver. Falei: 'elas não queriam ficar assim e, se elas tivessem chance e oportunidade, poderiam sair disso. E João Mateus, tem mais: a mamãe era assim'.
Ele me olhou chocado, daí parei o carro, conversei com ele, falei que tive problema com droga, que é um vício, a pessoa pensa que é bom, mas destrói tudo, a vida dela, os sonhos dela, chorei, mas falei que tinha sido salva pela minha mãe.
Infância conturbada
Sou filha de um pastor e uma professora. Cresci em uma família de classe média. Na infância, sofria preconceito por estar acima do peso. Quando eu era criança, meus colegas faziam chacotas sobre o meu peso. Desenvolvi sentimentos de autoaversão, rejeição, falta de autoestima, e não me sentia mais amada, aceita e valorizada.
Nessa época, comecei a sentir os primeiros sintomas de ansiedade. Aos 6 anos, já não queria fazer as atividades de uma criança normal. Culpa, raiva, medo e rejeição eram constantes. Foi quando descobri uma válvula de escape: a comida e a compulsão alimentar. Na época, psicólogo era um luxo, minha família não buscou nenhuma ajuda médica.
Essa insegurança e insatisfação com meu corpo pareciam um vazio, como se não me adequasse. Sem perceber, eu sentia um alívio quando comia. Se o problema, a tiração de sarro das crianças, era porque eu era gordinha, só piorou, porque eu não parava de comer. Eu chegava da escola e ficava ansiosa para comer.
Eu tinha consciência que estava acima do peso, não conseguia pensar em um jeito de mudar. Só comecei a emagrecer por volta dos 12, 13 anos. Nesse período, comecei a trabalhar com meu pai, que tinha uma agência de comunicação, e voltava a pé para minha casa. Em um mês nessa rotina emagreci muito e comecei a ir na academia com a minha mãe. Em um desses dias, uma olheira da Ford me elogiou e perguntou por que eu não fazia um book, e eu respondi que era porque eu teria que emagrecer. Ela me disse que era só emagrecer.
Depois comecei a ler revistas de moda para olhar dicas de alimentação. Conversei com meus pais para ir em uma agência de modelos e eles deixaram ir. Chegando lá me pesaram e disseram que precisava emagrecer 20 quilos. Fiquei arrasada, porque pensava que jamais ia acontecer.
Eu nunca gostei de tirar fotos quando era criança. Então, nessa época, eu não queria ser modelo. Queria ser magra, ser aceita e ter uma validação de que era bonita. A partir disso, passei a fazer dietas das revistas e em três meses emagreci 20 quilos. Voltei na agência, fiz o book e entrei para a Ford Models."
Carreira de modelo
"Como toda modelo, eu fazia muito teste, recebia muito não e também realizava bons trabalhos, com a Colcci e C&A.
Depois que emagreci, fui dos 69 para os 45 quilos, fiquei obsessiva por dietas e tinha medo de engordar. Por isso contava calorias. Comecei a passar mal por não comer e desenvolvi anorexia nervosa.
Nessa fase, eu não tinha muitos amigos. Com o tempo, comecei a tentar fazer amizades com as modelos. Via que as minhas colegas fumavam muito, ouvia o papo que fumar emagrecia e cortava o apetite. Então, para ser aceita e não engordar, comecei a fumar escondido por volta dos 15 anos. Para minha mãe não perceber, pedi para ela não me acompanhar mais até a agência.
Passei a frequentar baladas e festas com 15 anos. Cada vez mais nesse mundo, ia me afastando de ideias para o meu futuro. Comecei a beber, o que me fazia eu me sentir mais à vontade, porque eu era muito tímida e travada para fazer amizade. Foi questão de tempo até aparecer a maconha.
Quando fumava maconha, me arrependia, porque tive uma educação cristã, mas logo fazia de novo. Não tinha a menor possibilidade de contar o que estava acontecendo para os meus pais porque morria de medo deles não aprovarem ou proibirem de eu ir nas festas."
Vício em drogas
"Comecei a ir em raves junto com a turminha que fiz na agência. Nestas festas, passei a usar drogas químicas e ácido, ficava muito doida e com medo de não voltar. Passava o efeito, fazia de novo. Nessa época, o motivador das drogas, não era mais para eu ser aceita, e sim o vício.
Aos 17 anos, estava tão fora dos meus princípios e viciada, que desenvolvi uma espécie de dermatite com bolhas e feridas na minha testa. Fiquei com vergonha, por isso parei de fazer testes. Em uma madrugada, meio em transe, peguei uma faca e passei na testa.
Aos poucos, fui voltando e percebi o que estava fazendo. Chamei meus pais, eles me levaram em médicos, e eu decidi que não queria mais sair de casa.
Em poucos meses, abandonei a carreira de modelo, fiquei deprimida e me enclausurei no quarto por cerca de um ano e meio. Comecei a assaltar a geladeira de madrugada e rapidamente engordei. Fui de 50 para 90 quilos. Chorava muito. Deprimida, cobria os espelhos e continuava usando maconha.
Após esse período, entrei no cursinho e nos primeiros dias já me juntei com a turma do bar e experimentei cocaína. Desde a primeira vez que usei, gostei e rapidamente comecei a buscar com o traficante. Depois me envolvi com um cara que tinha crack, e estava tão chapada de cocaína e álcool, que usei sem pensar na consequência. Por quase três anos, usei cocaína, anfetamina e crack.
Andei por lugares tenebrosos, gastei todo o dinheiro que tinha guardado, vendi coisas de casa, mentia demais. Até que fui descoberta e fugi de casa. O vício era muito mais forte que eu e me dominava. Eu vivia para usar e usava para viver. Passei a frequentar a Cracolândia e favelas na busca pela droga.
Por quatro vezes, minha mãe descobriu meu paradeiro e me levava sedada para uma clínica de recuperação. Na primeira internação, permaneci seis meses; na segunda, quatro; na terceira fiquei sessenta dias. Eu sentia um vazio muito grande e sentia um alívio muito grande quando voltava a usar drogas.
Na última das quatro internações compulsórias, algo que mexeu muito comigo foi um confronto que tive com a minha mãe. Nesse encontro, ela contou o ponto de vista dela da minha história, me chocou com as coisas que disse, sobre os prejuízos que tinha causado. Pediu para eu não roubar mais a paz dela. Nesse momento, uma chave virou, e percebi que, se continuasse, ia morrer."
Recuperação e mudança de rotina
"Por quase três anos, após sair da clínica, tive um único sonho, acordar um dia sem a fissura de usar crack. Era meu primeiro pensamento desde a hora de acordar até dormir, isso mesmo depois da abstinência ter passado. Para não usar, repetia para mim mesma: "vontade dá, vontade passa".
Aos poucos superei o vício, comecei a trabalhar com meu pai na área da comunicação e rádio. Antes dos 30 anos, consegui me formar em comunicação.
Me casei com o João em 2015 e, mesmo depois de receber um diagnóstico de infertilidade, em 2016, tive meu filho de forma natural. Ainda sentia algumas inseguranças, por isso procurei mais ajuda. Fiz cursos de coaching e comecei a trabalhar com isso, porque combinava muito com a minha vontade de ajudar pessoas.
Depois de fazer pós-graduação em neurociência e comportamento, percebi o quanto poderia ajudar, depois de 18 anos limpa, e quis dar sentido em tudo o que estava vivendo. Comecei um grupo na igreja onde frequento para fazer um trabalho cujo objetivo é ajudar usuários de drogas.
Com o coaching, eu ajudo outras pessoas para que possam escrever suas próprias histórias. No geral, elas têm baixa autoestima, se autosabotam. Fiz escolhas erradas, mas fico feliz por dar sentido ao que vivi."
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