Na contramão da estatística, elas foram promovidas após licença-maternidade
Jéssica, Daniely, Fabiana e Hérica foram surpreendidas por promoções quando retornaram ao trabalho após suas licenças-maternidade. Uma coincidência um tanto incomum, visto que metade das mulheres são desligadas das empresas em até um ano e meio após terem bebês, segundo o último levantamento da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Isso ocorre em um país onde a mão de obra feminina representa 54,5% da força de trabalho, como aponta pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada em 2021.
Os números do IBGE consideram o ano de 2019, antes da pandemia da covid-19. Segundo o instituto, dessa força de trabalho, 67,2% não têm filhos. As profissionais promovidas integram um grupo seleto, que destaca suas competências, mas também aponta um compromisso com a inclusão por parte dos empregadores, em uma política administrativa que deveria ser padrão.
Reconhecimento pelo desempenho
Jéssica Fernandes, mãe de Guilherme, 2 anos, e Isabela, 7, hoje é gerente de Grupo de Talent Acquisition & Employer Branding, da área de Pessoas & Cultura da Scania. Ela ingressou na empresa em 2005, como estagiária do laboratório químico. Ficou um ano na função e, em seguida, foi aprovada no processo seletivo para técnico de recursos humanos. Chegou a ser promovida novamente, mas a maior surpresa ainda estava por vir.
Em 2020, no retorno do afastamento para cuidar do filho recém-nascido, Jéssica recebeu a notícia de que assumiria um cargo de consultora interna da Scania, posição na qual ficou até este mês, quando recebeu nova oportunidade e assumiu uma gerência.
"Sempre tive feedbacks e conversas muito transparentes com a minha liderança sobre a minha performance e expectativas de carreira, me deixando confortável para viver a maternidade de forma tranquila e saudável. Me senti muito valorizada pela empresa. Mesmo após um longo período de licença, fui lembrada e reconhecida pelo meu desempenho", disse ela a Universa.
Apoio dos colegas e da equipe
Para Fabiana Higa, gerente de Produtos do Banco Original, o afastamento pós-parto gerou um temor, mas o sentimento foi superado com o acolhimento da equipe. Ela aponta que tem grandes parceiros de trabalho, que a fazem se sentir respeitada, além dos superiores que a apoiaram e trouxeram transmitiram tranquilidade.
"Já são nove anos trabalhando aqui. Voltar e ser promovida foi uma grata surpresa, mesmo. No meio de tantas incertezas e mudanças que ocorrem, recebi essa boa notícia, de um novo desafio. É reconhecimento profissional", explicou.
Já Hérica Rodrigues, coordenadora financeira do Centro de Serviços Compartilhados das Lojas Leader, entrou no grupo em 2018 e tratou de agregar mais demandas dentro da equipe, de acordo com as necessidades e projetos. Logo foi promovida a analista pleno e, em seguida, a analista sênior.
Ao contrário de muitas empresas, onde a pressão por resultados e compromisso com o trabalho chega a obrigar mulheres a adiarem a maternidade, a Leader, segundo Hérica, deixou claro mesmo durante sua ausência que sentia sua falta na equipe, mas sempre respeitando o seu momento.
Foram cinco meses e 21 dias de licença-maternidade, até a surpresa que teve no retorno às atividades. "Realmente eu não esperava pela promoção. Achava que seria alocada em outra demanda, já que uma amiga de trabalho estava desempenhando minha antiga atividade e estava se saindo bem. Quando eu cheguei, fui conversar com os gestores e esperava somente uma conversa para alinhamento. Fizeram algumas brincadeiras e, por fim, anunciaram a promoção para a coordenação", disse.
Quando descobriu a gravidez, Daniely Ferreira vinha em uma crescente na organização e acumulava quase 15 anos de casa. A gestação veio cheia de interrogações e angústias quanto ao futuro profissional. Mas, após os sete meses de licença-maternidade, a mãe de Manoela, de 10 meses, recebeu a feliz notícia de que era a nova Diretora Administrativo-Financeira da Apsen Farmacêutica.
Feliz pelo reconhecimento, ela quer impulsionar, também, discussões sobre como acolher mães como ela na empresa."Agora também quero abraçar questões de diversidade e inclusão, principalmente das mulheres assumindo posições de liderança e sendo valorizadas no retorno da sua licença-maternidade, um momento em que elas estão bem fragilizadas", ressaltou.
Rede de apoio é fundamental dentro e fora da empresa
Hérica também pode contar com uma rede de apoio da família e divide os cuidados de Miguel com o marido e uma tia. A empresa também está com modelo de trabalho híbrido, o que ajuda na amamentação, já que o bebê, de 6 meses, ainda está em aleitamento materno exclusivo. "Eu extraio leite e congelo para os dias que preciso me ausentar. Fora isso, quando estou em casa, faço pausas para atendê-lo conforme demanda. A empresa nos deixa bem à vontade nesse sentido de pausas necessárias", explica.
Hérica pretende manter o ritmo de trabalho, aproveitar o novo desafio com uma equipe bem maior e contribuir para o desenvolvimento dos colaboradores, assim como ocorreu com ela.
O apoio da família também faz diferença ma rotina de Jéssica. Os pais são aposentados e ficaram com o filho mais novo para ela e o marido poderem trabalhar. Jéssica também contou com a estrutura da firma. "O lactário da empresa foi bem importante no meu retorno da licença-maternidade. Ia lá no horário do almoço, tirava o leite e guardava em uma geladeira do local. Segui assim por dois meses."
Empresas inclusivas
As promoções de Hérica, Fabiana, Daniely e Jéssica apontam outra coincidência: as quatro trabalham para empresas que valorizam a mão de obra feminina com oportunidade e acolhimento.
Carine Roos, CEO e fundadora da Newa (consultoria de Diversidade & Inclusão para as empresas), revela a Universa que algumas empresas já começaram a construir ambientes psicologicamente seguros para que mães tenham vez e voz dentro das organizações.
Segundo ela, alguns caminhos para a inclusão, além da escuta, são necessários para que se supra as necessidades da mulher. É importante pensar no desenvolvimento de processos que sustentem um acolhimento, como jornadas mais flexíveis de trabalho, além de licença-maternidade estendida, pensar na licença-paternidade com extensão do benefício aos pais, auxílio-creche e fazer combinados claros entre gestores e as mães.
"São ações simples, mas que ajudam a atrair e reter talentos, fazendo uma diferença bastante significativa na vida profissional dessas mães, que passam a se sentir mais seguras para trabalhar sabendo que contam com uma rede de apoio. Excluir 67 milhões de brasileiras do mercado de trabalho não é só desumano, é ineficiente. Além de equidade de gênero ser um direito humano, estamos falando de potencial de inovação, poder de compra, retenção de talentos que são pessoas-chaves para a organização", argumentou.
O caminho para a igualdade de gênero ainda é longo e passa pela construção de uma cultura organizacional que tenha como princípios o diálogo e a escuta sensível das necessidades de suas pessoas colaboradoras, acrescenta Carine Roos. A especialista alerta que até a empresas com uma cultura de inclusão ainda podem pecar olhando apenas para a diversidade (ter mais mulheres em cargos de média e alta liderança) e precisam entender as necessidades específicas que essas mulheres possuem, como ter uma sala para aleitamento materno, por exemplo.
Contrate grávidas
A Bloom Care, maior clínica digital de saúde feminina e familiar do país, lançou no ano passado a campanha "Contrate Grávidas". O objetivo da iniciativa é chamar toda a sociedade, em especial gestores e lideranças, para refletir sobre uma das maiores barreiras existentes para as mulheres que querem ingressar no mercado de trabalho: a gravidez.
Juliana de Faria, Chief Engagement Officer da Bloom Care, explica que uma em cada três mulheres planeja pausar ou abandonar sua carreira devido à sobrecarga de tarefas que a pandemia trouxe. O dado é de um estudo da McKinsey, firma global de consultoria de gestão que atende empresas líderes, governos, organizações não governamentais e sem fins lucrativos.
"Já em um mapeamento da Deloitte, quase 60% disseram que planejam trocar de emprego tendo em vista a falta de apoio de seus atuais empregadores para o equilíbrio saudável entre vida familiar e profissional. É pensando nesse cenário e em estimular cada vez mais esse debate que lançamos a campanha #ContrateGrávidas", disse.
O trabalho, ressalta Juliana, cria parcerias com instituições como Great Place To Work, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Bernard Van Leer Foundation e Instituto Ethos. As empresas são convidadas a sinalizar que as vagas também podem ser preenchidas pelas gestantes. A alteração no anúncio de vagas tem o propósito de trazer mais segurança para essas mulheres e impulsionar o desenvolvimento profissional das mulheres mães.
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