Topo

'This is Us' chega ao fim: como o luto da série se reflete nos fãs

Kevin, Kate e Randall, os "Big 3", no final de "This is Us" - Reprodução/Twitter
Kevin, Kate e Randall, os 'Big 3', no final de 'This is Us' Imagem: Reprodução/Twitter

Juliana Dantas

Colaboração para Universa

27/05/2022 12h04

Criada por Dan Folgeman, "This is Us" (que certamente impulsionou o mercado de lenços de papel no mundo todo) chegou ao fim. Não é exagero dizer que muitos espectadores certamente estão em luto - assim como essa que vos escreve. Em luto pelo término da série e em luto pelo conteúdo da série.

A psicóloga Gabriela Casellato é especialista na temática do luto, sócia-fundadora do Quatro Estações Instituto de Psicologia e também fã de "This is Us". Para ela, o sucesso se deve ao fato de que a produção aborda temas que tangenciam todos nós. "Experiências desejadas, temidas, já vividas... Experiências que a gente teme viver ou espera viver ao longo do nosso ciclo da vida", explica a Universa.

Você já tentou fazer o exercício de explicar a sinopse de "This is Us" para alguém que não sabe de que trata a história? Uma família comum dos Estados Unidos, atravessada por dores diversas, por rompimentos e mortes, mas também por alegrias e conquistas? Não, nunca parece o suficiente.

A trama, em que passado, presente e futuro se misturam, é tão comum - e tão extraordinária - quanto a vida. Não à toa, nos sensibilizamos tanto com as histórias que se parecem muito com as nossas quanto com aquelas que, nem de perto, se assemelham à nossa vivência.

*Atenção: o conteúdo abaixo pode conter spoilers

Por que estamos em luto?

Justin Hartley (à esq.), Chrissy Metz e Sterling K. Brown no último episódio de This Is Us - Divulgação/NBC - Divulgação/NBC
Justin Hartley (à esq.), Chrissy Metz e Sterling K. Brown no último episódio de This Is Us
Imagem: Divulgação/NBC

Há muitas definições de luto. Algumas mais técnicas, outras mais poéticas. Mas o luto, sobretudo, mora no vínculo. Nesse caso, no vínculo que criamos com a família Pearson, com o obstetra que fez o parto de Rebecca (Mandy Moore), com o chapéu do Dia de Ação de Graças, com os relacionamentos que vão e vêm.

O luto é a quebra do mundo como a gente conhecia. Para quem acompanhou a produção desde o começo, um mundo que teve início nas telas lá em 2016 e que acaba de acabar. Dividimos as lágrimas da partida com Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metz) e Randall (Sterling K. Brown).

O luto não tem regras, réguas, ordem, certo, errado ou mesmo fim; não superamos o luto, convivemos com ele. Nos despedimos dos personagens em capítulos inéditos, mas todos continuam fazendo parte da gente. Estamos em luto por uma das produções audiovisuais que mais bem falou sobre luto. E o que nos faz sentir tanto?

As relações familiares

Todo pai é um pouco Jack (Milo Ventimiglia), toda mãe é um pouco Rebecca — ou muito. Temos bastante dos "Big Three". E somos também a família de onde viemos e a que criamos. Aquelas pessoas que agregamos e aquelas que nos atravessam.

Essa alternância de papéis faz parte do desenvolvimento da série - e do nosso desenvolvimento ao longo da vida. Talvez por isso a gente tenha sido tão fisgado.

Idealizações de vida e morte

Uma das cargas emocionais mais fortes de todo o fio condutor da história passa pelos impactos dos modelos de personalidades com quem convivemos — e que nos inspiram, tanto positiva quanto negativamente. E mais: como viver sob a pressão de encontrar a própria história diante da romantização dessas figuras?

"O fato de Jack ser trazido de uma forma tão idealizada - e talvez essa idealização tendo sido ainda mais alimentada pela morte precoce dele -, sem dúvida alguma deixou alguns fantasmas para serem desenvolvidos pelos personagens dos filhos", diz Gabriela Casellato.

A psicóloga ressalta que há quem tenha pais com características positivas mais exacerbadas, enquanto outros têm figuras maternas e paternas cujo lado negativo é mais exacerbado - e um dos nossos principais trabalhos ao longo da vida é o de buscar uma relação mais equilibrada entre os inúmeros aspectos que compõem as pessoas de que gostamos.

"Quanto mais a gente tem essa visão realista e humanizada das pessoas que a gente ama, mais possível é se relacionar com elas - tanto em vida quanto em morte", diz.

Miguel, o injustiçado

Jon Huertas na pele de Miguel em This Is Us (Divulgação/NBC) - Reprodução / Internet - Reprodução / Internet
Jon Huertas na pele de Miguel em This Is Us (Divulgação/NBC)
Imagem: Reprodução / Internet

O persoangem Miguel (Jon Huertas) mereceu um episódio só dele — e, aqui neste texot, ganha um espaço próprio também. O relacionamento de Miguel e Rebecca foi julgado dentro e fora da trama. Muitos espectadores torceram o nariz quando viram que a viúva de Jack havia se casado com o melhor amigo de seu falecido marido.

É que a olho nu, é um movimento que pode causar estranheza. Mas, assim como o amor, o luto "foge a dicionários e a regulamentos vários", como escreveu Drummond em "As sem-razões do amor".

A psicóloga Gabriela Casellato salienta que é muito comum que, em uma experiência de perda traumática, as vítimas primárias busquem identificação umas nas outras. Ela traça um paralelo com a tragédia do atentado de 11 de setembro de 2001, no World Trade Center, em Nova York.

"Houve muitos casos de viúvas que se casaram com colegas bombeiros dos maridos falecidos", relembra. "Na época isso foi absolutamente criticado pela sociedade e até colocado na mídia com certo destaque, com um certo julgamento."

O que acontece, no entanto, é que quem fica ainda é parte daquele que se foi. Miguel não via Rebecca apesar de Jack, mas por causa dele. E, assim, Rebecca olhava para o ele também.

"Essa aproximação que muitas vezes pode resultar em um envolvimento de outra natureza, de uma amizade para um relacionamento romântico, vem muitas vezes dessa experiência: a de vivenciar uma dor, de ter no outro a projeção do objeto perdido, uma continuidade de alguma forma de algo que você perdeu e que pode seguir na presença do outro".

É mais um jeito de manter Jack vivo, ativo na rotina, ativo nas ações, ativo na paixão de todos os dias. Um jeito não de buscar o apagamento da dor, mas de transformá-la em ainda mais amor.

Terapia coletiva

"A arte é sempre uma possibilidade de expressar temas relacionados à natureza humana", afirma Gabriela Casellato. Ela explicita que "This is Us" nos convida a refletir sobre a importância dos nossos vínculos para o nosso desenvolvimento: daquilo que vivemos no passado, daquilo que herdamos, e também sobre a possibilidade que a gente tem de transformar e fazer da nossa história algo diferente.

"Essa é a beleza da série: essa construção que é feita trazendo a mistura entre o que eu vivo no presente, que tem a ver com o passado e vai se refletir no futuro", completa.

A dualidade do luto

Cena do penúltimo episódio de "This Is Us" - Reprodução/NBC - Reprodução/NBC
Cena do penúltimo episódio de "This Is Us"
Imagem: Reprodução/NBC

Talvez ninguém próximo a você tenha morrido. Mas o luto não dá as caras só nessa situação: ele aparece em separações, em perdas de emprego, em mudanças de país, em quando uma pandemia surge e muda toda a nossa rotina. Recalibramos as rotas, abandonamos alguns medos e criamos outros, refazemos as nossas perspectivas.

Mas, apesar da dor e do vazio que latejam em situações assim, o mundo continua girando. Esse sentimento se traduz muito fortemente na figura de Randall, nos dois últimos capítulos da produção. Por duas vezes, no episódio 17 da 6º temporada, ele fala sobre a dicotomia da existência. De um lado alguém amado morrendo; do outro, alguém amado gestando uma vida.

No episódio 18, sentado na escada da cabana, Randall conversa com as filhas e questiona o sentido de como a vida segue, impassível. "Os pássaros continuam a cantar. Percebi que estou com fome. Há cinco minutos, pensei no trabalho. Amanhã, tomarei banho. É tudo tão sem sentido."

O luto é isso: uma parte de nós olha para a perda; outra, olha para a restauração. Uma mãe que se vai, um neto que vem — vínculos que se partem, vínculos que se criam.

E assim seguimos, oscilantes, pendulares, humanos: com a certeza de que o sol vai raiar amanhã de novo em Pittsburgh, em Memphis e no Vietnã, de que William renascerá de Deja e de que o rabo será colocado no burro numa tarde comum de um sábado de preguiça.