'Descobri um tumor no cérebro às vésperas do meu casamento'
A escritora Daiene Berdoldi, 38 anos, estava com tudo pronto para o casamento com o homem que amava, mas um diagnóstico de câncer cerebral veio como uma bomba em sua vida. A veterinária acabou de lançar o livro "Por trás da cicatriz", pela Editora Ação Set, no qual narra sua trajetória, partindo do auge profissional aos 36 anos, prestes a realizar um sonho, até a turbulenta descoberta do tumor nos primeiros dias de 2020. Ela contou a Universa como conseguiu chegar ao seu final feliz.
"A primeira coisa que me perguntam é se antes de descobrir o câncer, eu sentia dores de cabeça. As dores de cabeça que sentia eram dores normais, que qualquer pessoa geralmente sente. Nada que me fizesse pensar em ir ao médico. Qualquer analgésico resolvia aquele incômodo de uma noite mal dormida ou de uns drinques a mais na noite anterior. Só que passei a ter frequentemente algumas visões estranhas, de sobreposições de imagens. Sou espírita e achei que havia criado uma nova habilidade, até que um certo dia me deparei com uma planilha de excel 'voando' ao lado da cabeça do meu marido (que na época ainda era meu noivo), e eu conseguia mexer na planilha.
Na verdade, já eram convulsões visuais parciais que eu colocava na 'caixa do estresse' por estar vivendo um momento profissional intenso. Porém, no final de 2019, passei em um farol vermelho, e senti que aquilo não estava mais sob meu controle. Em meados de novembro de 2019, decidi marcar um neurologista, que pediu exames, mas sem muito pudor já adiantou que, se fosse para dizer o que eu tinha naquele exato momento, seria um tumor cerebral. Confesso que não acreditei no médico, mas agendei os exames e fui perdendo meu brilho até a data do resultado da ressonância magnética com contraste.
Nunca tinha tido a sensação de que algo tão complexo e terrível pudesse estar acontecendo comigo, no auge da minha vida pessoal e profissional, com 36 anos, feliz com os preparativos do meu casamento com o homem da minha vida. Fiz o exame no dia 27 de dezembro de 2019, e a previsão de entrega do resultado era para o dia 4 de janeiro de 2020. No dia 3, amanheci com uma angústia no peito e uma inquietude que me fez ligar para o laboratório e confirmar o que foi mais que surpreendente, a palavra certa era 'devastadora'.
'Simplesmente travei'
A facilidade em ler um resultado como esse e sua gravidade está atrelada ao fato de ser médica veterinária. Procurei não pesquisar nada no intervalo entre a consulta e o resultado do exame, pois ainda tinha um fio de esperança de que seria apenas estresse. Mas quando, nas minhas mãos, eu consegui ver de fato uma imagem de um tumor, que recobria meu cérebro em 25%, e o laudo que confirmava tudo aquilo, simplesmente travei. Fiquei uns 10 minutos dentro do carro sem ação. Ali, sozinha, com lâminas de um exame que definiam que num futuro próximo minha vida seria, no mínimo, turbulenta. E que, na melhor das hipóteses, eu poderia sobreviver àquilo tudo.
Ao levar meus exames para o primeiro oncologista no dia 7 de janeiro de 2020, o mesmo já deixou claro que necessitaria de cirurgia e, após a biópsia coletada no procedimento cirúrgico, é que poderiam dar um prognóstico. Saber que havia uma alternativa já me deixava mais confiante, mas sabia que as chances de ter sequelas, de morrer, ou até mesmo de surtar com aquilo eram tão reais quanto as lâminas da ressonância. Só pedia para que Deus me desse mais chance, e que se ele me ouvisse, que me deixasse inteira, sem sequelas. Caso contrário, que me levasse.
Só pensava no peso que seria para meu noivo e meus familiares decidirem o que seria melhor para uma pessoa com sequelas ainda desconhecidas. Cheguei a falar para ele que deixaria uma procuração, para me colocar numa clínica, caso isso acontecesse. Ele, como sempre me encorajando, só dizia que tudo ficaria bem, que papai do céu não me tiraria dele depois de tantos anos para me encontrar.
'Desconvidamos 200 pessoas e cancelamos a lua de mel'
A primeira equipe médica disse que eu teria de cancelar todos os meus compromissos, que raspariam todo meu cabelo, e que não teria que pensar em casamento. Por orientação médica, desconvidamos 200 pessoas, cancelamos lua de mel, e tudo o que já estava pronto para acontecer em 14 de março de 2020. Nos preparativos dos exames pré-operatórios, já senti que o neurocirurgião não queria me operar. Dizia que meu caso poderia esperá-lo voltar de viagem, e que me operaria em meados de março.
Em uma das consultas, escutei que o que me mataria seria a minha ansiedade, e não o tumor. Lamentável ouvir isso de uma pessoa que diz curar seres humanos. Mas, como sempre, Deus estava presente, e com uma dessas devolutivas em uma das consultas, decidimos entrar em contato com uma amiga que indicou um médico que tinha muito sucesso nos tratamentos cirúrgicos que fez. Eu o procurei, no dia seguinte ele me internou e dois dias depois me operou.
Foi uma cirurgia de 7 horas e meia, e tudo correu melhor do que o esperado. Foram apenas quatro dias de hospital, pois minha vontade viver era maior do que meu diagnóstico. No dia seguinte à cirurgia já estava de pé, pronta para enfrentar as outras etapas do tratamento. Meu médico disse: 'esse relatório que me pediu em inglês é para cancelar sua lua de mel, certo?' Eu disse que sim... Ele então olhou e comentou: 'viajar para tão longe não pode, mas casar pode!' E assim, na minha alta, liberou meu casamento! Demorei um dia e meio para contar ao meu noivo sobre a liberação.
Ficava pensando se seria bom ou não para ele. Casar com uma mulher com câncer cerebral? Meu noivo disse: 'só não me caso com você se você não quiser. Caso com você de peruca, careca, na cadeira de rodas. Para mim nada disso interessa. Só me interessa ser feliz com você!'
Com oito dias de operada, pontos na cabeça e todo mundo olhando para mim, estava no cartório resolvendo as últimas burocracias para o casamento. Casamos na mesma data, eu com dois pontos infeccionados, mas muito feliz.
Hoje, quando olho para trás, vejo que fui muito mais forte do que imaginara ser. Tive de aprender a lidar com sentimentos e frustações nunca antes vividos. Quando me olho no espelho, vejo a felicidade que senti quando abri meus olhos voltando da cirurgia. Gostaria de ter razão e dizer ao médico que, sim, estou curada! Me sinto curada, me sinto plena.
Mas a realidade não é tão simples. Sou uma paciente oncológica, em fase de controle semestral de exames, e após pelo menos cinco anos sem sinais negativos da doença é que poderei ouvir algo semelhante à palavra 'cura'. Só pelo fato de não ter tido sequelas, de viver minha vida normalmente como era antes, já me sinto curada."
Daiene Berdoldi, 38 anos, veterinária e escritora
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