Licença menstrual na Espanha: estigma ou benefício? Feministas divergem
O governo espanhol aprovou, no último dia 17 de maio, um projeto de lei para criar uma autorização remunerada para que mulheres faltem ao trabalho durante a menstruação por causa de dores severas causadas durante o ciclo. Chamada popularmente de licença menstrual, teria que ser validada por um médico, ainda com duração indefinida.
O texto ainda precisa ser aprovado pelo parlamento do país, onde o grupo pró-governo é minoria, antes de entrar em vigor. Mas já virou uma das pautas principais de discussão entre os espanhóis.
Desde a apresentação da proposta, a polêmica sobre o tema se instaurou nas ruas da capital, Madri. Virou conversa, e discussão, de bar. Grupos de mulheres que se reúnem para umas "cañas" (cerveja) não falam de outra coisa: será a licença menstrual a conquista de um direito ou uma nova forma de estigmatizar as mulheres no ambiente laboral?
"Há ênfase na patologização do feminino", diz pesquisadora espanhola
Nem mesmo o feminismo pôde construir uma resposta única à questão. Por mais que, à primeira vista, possa se tratar de uma medida progressista, a cofundadora del grupo Kóre de Estudios de Género da Universidad Carlos III de Madrid, Carmen González Marín, diz que entende a boa vontade de amenizar o sofrimento das pessoas que tem uma menstruação dolorosa, mas acredita que a proposta é uma solução paliativa.
"Na verdade, acho que pode ter efeitos imediatos negativos. O primeiro, que se mencionou bastante na discussão aqui na Espanha, é que volta a dar muito ênfase a uma espécie de patologização do feminino, algo com que o feminismo tem lutado contra. Nesse sentido, seria uma espécie de regressão", opina.
Para Marín, outro problema do lei é que ela "discrimina, entre as próprias mulheres, aquelas que são, por exemplo, autônomas, que não tem obviamente a possibilidade de tomar alguns dias livres porque perdem seu ganha pão", analisa.
A especialista afirma que a proposta é emblemática no sentido de problematizar questões por causa do gênero. "Há tem pessoas que sofrem problemas cíclicos, como as enxaquecas, mas a licença enxaqueca não existe como um conceito. Voltar a patologizar algo que não deveria ser patológico, com o objetivo de dar visibilidade a algo que é um tabu, poderia ser contraproducente", sentencia.
"Medida favorece saúde das mulheres", opina ativista
Por outro lado, a vice-presidenta do Movimento Democrático de Mulheres do país, Ana Mata del Real, junto a seu coletivo festejou a proposta de lei, já que para ela se trataria de uma porta de entrada para educar sobre as diferenças entre corpos masculinos e femininos.
"Nós acreditamos que (a licença) é algo muito bom para as mulheres porque, na Espanha, por exemplo, a faculdade de medicina dedica apenas uma hora do seu currículo para estudar a menstruação. Imagine só o tamanho da discriminação de gênero que temos na medicina", provoca. E completa: "Que exista um reconhecimento ou o início de qualquer medida que favoreça a saúde das mulheres nos parece positivo, sim".
A primeira versão do projeto de lei, divulgada pela mídia, indicava que a licença seria de três dias e que poderia ser estendida em até cinco caso os sintomas fossem mais agudos.
"Quando uma mulher não pode ir ao trabalho ou realizar qualquer outra atividade porque a sua menstruação é tão dolorosa que ela fica impossibilitada, é ótimo que exista a possibilidade de uma baixa laboral'', diz Real.
Sobre a chance de estigmatização, ela diz que esta será a mesma já enfrentada por mulheres em idade reprodutiva quando são questionadas sobre seus planos de ser mãe em uma entrevista de trabalho. "A nenhum homem pergunta-se se ele pretende ter filhos", pontua.
"Por outro lado, também quando somos mulheres na menopausa, já somos velhas e tampouco nos contratam. A estigmatização das mulheres se dá sempre pelo simples fato de ser mulher", opina ela.
Licença menstrual já é realidade em outros países
Caso o projeto seja aprovado no Parlamento, a Espanha se tornará o primeiro país da Europa e o quarto a nível mundial, em ter uma legislação deste tipo. A licença menstrual já existe no Japão, Indonésia e Zâmbia. A Medida faz parte da reforma da Lei do Aborto do país.
"Somos o primeiro país da Europa a regular uma incapacidade temporária paga integralmente pelo Estado por menstruações dolorosas e incapacitantes", disse a ministra da Igualdade, Irene Montero.
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