Mães de UTI neonatal: 'Meu bebê teve uma parada cardíaca de uma hora'
Quando se engravida, espera-se por até 42 semanas a chegada de um bebê. E ir para casa sem ele, e ainda deixá-lo em uma UTI neonatal, é mais que frustrante: é desesperador para as mães que veem a ansiedade dessa chegada virar uma luta por sobrevivência. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a mortalidade neonatal era responsável por até 70% das mortes das crianças em 2011.
Desde paradas cardíacas, passando por infecções em seus filhos, até longos dias sentadas em uma cadeira de hospital, as mães da UTI criam um vínculo que as ajuda a enfrentar esse momento tão difícil. Universa conversou com 4 mulheres que viveram essa experiência. Elas contam detalhes do que seus bebês passaram e como o poder da amizade de outras mulheres que passavam pela mesma situação foi importante nesse momento.
'A maior frustração é ter alta após o parto e não levar sua filha com você'
"Minha gestação da Antonella foi tranquila, mas ela resolveu chegar mais cedo, com 31 semanas. Meu parto foi normal, mas minha filha chegou ao mundo com 1.580 quilos e, por causa do baixo peso, precisou ir para a UTI.
Como sou enfermeira, e o problema era só esse, fiquei tranquila. Mas quando ela chegou lá, tive a notícia de que ela tinha nascido com uma meningite adquirida no canal do parto. Como mãe, fiquei desesperada. Ela ficou 28 dias internada, recebi alta, mas meu coração ficou no hospital.
A maior frustração é ter alta após o parto e não levar sua filha com você. Eu ia visitá-la um dia sim e outro não, porque morava a 150 km do hospital.
Quando você é mãe e está vivendo essa situação, as pessoas te olham como se fosse uma coitada. Mas entre nós, mães de UTI, isso é diferente. Nos vemos como mulheres fortes e acabamos criando um vínculo muito grande.
Trocávamos mensagens por WhatsApp e essa conexão acabou sendo uma grande rede de apoio. Quando eu não podia estar lá, pedia para elas verem a Antonella para mim, tirar fotos escondido... Elas ajudaram muito na minha parte psicológica e até hoje temos contato. Tem mães, inclusive, que seguem na UTI - eu tive alta em novembro.
Hoje a Antonella tem 7 meses e faz acompanhamento com um pediatra de alto risco devido à parte motora e desenvolvimento geral, que podem ter sequelas por causa do tempo que passou na UTI e com meningite", Marcia Regina da Cruz, 37 anos, enfermeira, Terra Roxa (PR). Mãe da Antonella, de sete meses.
'Meus gêmeos ficaram 153 dias na UTI'
"Eu já tinha um filho de dois anos e meio quando eu e meu marido decidimos engravidar mais uma vez. Fiquei grávida bem rápido e, para nossa surpresa, eram gêmeos - algo comum na minha família.
Fiquei um pouco assustada sobre o que eu faria com três crianças em casa, mas estava muito feliz. Não tive muitas intercorrências na gravidez, só uma questão com a placenta mais baixa, mas estava tudo bem
Quando cheguei a 27 semanas, fiz um ultrassom morfológico e um exame em 3D. Na realização desse segundo exame, o médico identificou que a menina, do casal estava com uma restrição de crescimento muito séria. Saí da clínica direto para o hospital e já não fui mais para casa. O médico queria fazer o possível para segurar a gestação mais tempo e começou a administrar uma medicação para que os pulmões das crianças se desenvolvessem mais rápido. Eu fazia ultrassom de seis em seis horas e sabia que eles nasceriam em breve.
Quando o médico falou que meu útero já não era o melhor lugar para o desenvolvimento dos meus filhos, meu mundo caiu. Sou psicóloga da saúde e já trabalhei com mães de UTI neonatal. Todas aquelas lembranças ruins voltaram com tudo, mas aos poucos fui conseguindo pensar nas histórias felizes.
Fui transferida de hospital, justamente para o qual eu já trabalhei, e meus bebês nasceram. Aí começa a parte mais difícil. Você espera segurá-los, tirar foto... Mas foi uma correria. Eles eram muito pequenos — o Matheus nasceu com 1 quilo e a Luisa com apenas 600 gramas —, perdiam calor rápido, foram correndo para a incubadora. Fiquei horas sem vê-los. Aí começou uma batalha de 153 dias na UTI neonatal.
Nesse tempo, fiz várias amizades com as mães que também estavam com seus filhos lá. Com umas mais fortes do que com outras, claro. E algumas eu mantenho até hoje. Esse laço é muito importante nesse momento porque a gente se entende, procura se acalmar junto, dá forças e até sofre junto. Vivi situações em que uma delas perdeu o bebê, por exemplo. É ruim para todo mundo. A gente conversava, tirava dúvidas, às vezes uma estava passando por uma situação difícil, ou recebeu uma notícia ruim, e tentávamos nos fortalecer.
Apesar do quadro da minha filha ao nascer ter sido mais grave e ela chegar a ter diversas infecções, Luisa teve alta da UTI com quatro meses. Já o irmão teve um problema no desenvolvimento da laringe e saiu um mês depois.
Eu estava lá todos os dias, e como era de outra cidade, aluguei uma quitinete para ficar mais perto do hospital, mas também não queria ficar distante do meu filho mais velho, que na época tinha dois anos e meio.
Quando estamos na UTI neonatal parece que ainda vivemos uma gestação. A gente se mantém naquela espera: você cuida, mas não pode levar para casa. E isso foi muito triste. Tinha medo de chegar no dia seguinte e não encontrar mais minha filha, que muitas vezes ficou em estado grave. Foi um período difícil, mas saí de lá transformada", Elaine Paraizo Santos, 33 anos, psicóloga, Caçapava (SP). Mãe da Luísa e do Matheus.
'Meu bebê teve uma parada cardíaca de uma hora e dez minutos'
"Tive pré-eclâmpsia e precisei ficar internada por 20 dias, a partir da 32ª semana. Theo nasceu com 34 e precisei fazer uma cesárea porque ele já estava em sofrimento. Meu filho chegou ao mundo com 1,990 kg e foi para a UTI para ganhar mais peso. Por lá, acabou ficando por 76 dias.
A presença de outras mães lá, inclusive com orações, foi essencial para que mantivéssemos a fé. Até hoje tenho contato com algumas, entre elas, tem, inclusive, quem perdeu o bebê nesse período.
No terceiro dia de internação, Theo teve uma parada cardíaca de uma hora e dez minutos, precisou levar 16 choques de reanimação. Foi uma luta. Nesse dia, quando eu cheguei perto da UTI, vi duas enfermeiras com ele e não entendi nada. Quando me aproximei mais, ele estava preto, de tanto procurarem onde colocar os acessos. Eu e meu marido estávamos juntos e ao perceber ele naquele estado, pedi ajuda e começaram a reanimação.
Não sei se eu não estivesse lá, ele ainda estaria vivo hoje. Insistimos muito para que elas não parassem de tentar, por isso ficamos nessa luta por mais de uma hora.
Chegar em casa e não vê-lo no berço era a pior sensação do mundo. Eu ficava no hospital das sete da manhã às dez da noite todos os dias, não o deixei sozinho em nenhum momento, mas é uma sensação muito difícil e que nenhuma mãe deveria passar, ainda mais ao saber que seu filho é o que está em estado mais grave na UTI.
Hoje, ele está ótimo e até já vai para a escolinha", Tatiane Roque de Oliveira, 38 anos, professora, mãe de Theo, hoje com um ano, Ribeirão Pires (SP)
'Na UTI, neonatal todo dia é uma barreira, é muito complicado'
"Fui mãe de UTI neonatal duas vezes. Em 2020, o Miguel nasceu com 650 gramas e faleceu de pneumonia no 13º dia. Fiquei muito mal com tudo isso, mas em apenas três meses estava grávida novamente.
A psicóloga chegou a me chamar de afobada e dizer que eu não passei pelo luto corretamente. Quando engravidei da Ana Vitória, descobri que eu tenho trombofilia. Tive pressão alta, diabetes gestacional, mas com 28 semanas e cinco dias, a minha filha nasceu. Os médicos me avisaram que ela não estava recebendo a quantidade de nutrientes necessária na minha barriga. Foram quatro meses na UTI.
Entre as mães, se forma uma amizade. Vi amigas perderem filho, terem alta... Minha filha mesmo chegou a pesar 900 gramas e eu não consegui amamentá-la por causa de suas intercorrências de saúde. Como mãe, vê-la ali é desesperador.
Quando estava acontecendo alguma intercorrência com o filho de alguma das outras mães, não podíamos entrar na ala da UTI e ficávamos todas sem notícias. Todo dia é uma barreira, é muito complicado. Duas amigas chegaram a perder o filho: um com hidrocefalia e o outro engasgado, do nada.
Hoje minha filha tem algumas intercorrências devido a sua prematuridade, ela ainda é um pouco molinha, mas estamos lutando", Nathalia Gutierrez, 36 anos, dona de casa, mãe de Ana Vitória, de 1 anos e 4 meses, São Paulo (SP)
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