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Andréia Sadi: 'Gosto de ter previsão na vida, perdi isso com a maternidade'

Denise Meira do Amaral

Colaboração para Universa, de São Paulo

04/06/2022 04h00

De cabelos presos e com seus característicos olhos marcados, Andréia Sadi, de 35 anos, surge maquiada já pela manhã na conversa em vídeo com Universa, em seu apartamento na Lagoa, no Rio. Se ainda não fosse mãe dos gêmeos Pedro e João, de um 1 ano, a produção até poderia ter sido feita para a ocasião, mas ela é apenas resultado da exaustão materna. A jornalista chegou em casa à 1h após participar do "Papo de Segunda", do GNT, e foi para a cama de maquiagem e tudo. "Minha dermatologista vai me matar. Mas estava tão cansada que desmaiei", conta a nova âncora do "Estúdio i", da GloboNews.

Além da função mãe, Sadi se prepara para este novo desafio: assumir o programa que Maria Beltrão comandou por mais de 13 anos, famoso por trazer comentários aprofundados de maneira descontraída sobre os mais diversos assuntos. Ela adianta que o "Estúdio i", com estreia marcada para segunda-feira (6), vai ter muito celular na mão —uma das marcas registradas de Sadi— e uma interação ainda maior com o público.

Andréia Sadi no estúdio da GloboNews  - Crédito: Fábio Rocha/ Globo - Crédito: Fábio Rocha/ Globo
A jornalista no estúdio da GloboNews
Imagem: Crédito: Fábio Rocha/ Globo

Nascida em São Paulo e com passagem de dez anos por Brasília, Sadi mora no Rio com o também jornalista André Rizek, desde março de 2020. De ascendência árabe, ela revela que convive com o machismo há muito tempo. "A política é um universo extremamente machista. Mas em qualquer lugar que uma mulher vá, tem sempre um homem para interromper", desabafa.

Com mais de 500 mil seguidores no Instagram e mais de 1 milhão no Twitter, ela causa repercussão quando expõe sua opinião, como quando criticou a fala do ministro Adolfo Sachsida, que disse em 2015 que mulheres recebem salários menores porque engravidam, cuidam dos filhos e vão mais ao médico —viralizou após assumir o ministério de Minas e Energia. "Como mulher, sempre que uma discussão esbarre nos nossos direitos e avanços vou me posicionar."

Após ser mãe, ela aceitou o caos como parte de sua nova condição. "Sempre fui muito ansiosa, mas a maternidade me fez perder o controle. Não depende de você. O bebê vai dormir, comer a hora que ele quiser." Cuidar de gêmeos, numa pandemia, sem sua família e amigos, foi um momento de muita vulnerabilidade para a jornalista: "Claro que [a maternidade] é maravilhosa mas também é uma barra. Falo pro André que meu corpo não me pertence há dois anos. No meu caso, eram dois mamando ao mesmo tempo e eu só pensava: 'Será que um dia vou voltar a ser eu?'".

UNIVERSA - Como está sua expectativa em apresentar um programa tão consolidado, ao vivo, e com o peso de substituir a Maria Beltrão?
ANDRÉIA SADI - Costumo dizer que a vida é ao vivo, né? É mais fácil de explicar a informação quando você está natural e a melhor forma disso é estar ao vivo. Gravando, um chip no cérebro fica dizendo que você pode errar. Ao vivo estou sempre a postos. Também já estou acostumada a ficar horas no ar, venho da cobertura política, de eleição, de impeachment. Agora, a apresentação será um desafio, é uma função no telejornal que nunca fiz, conduzir um programa com diversos assuntos. Essa é a nova adrenalina. Mas o mundo da TV é minha segunda casa, e minha equipe é minha segunda família.

Andreia Sadi e Maria Beltrão - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Andreia Sadi e Maria Beltrão
Imagem: Reprodução Instagram

Pode adiantar o que vai ter de característica sua no programa? Muito celular na mão?
Quando comecei, em 2015, já usava o celular na mão. Era a melhor forma de checar a informação. No começo era estranho, meus amigos mais experientes de Brasília falavam para eu não usar, mas depois virou normal. E vou levar isso pro "Estúdio i". Por exemplo, a gente pode falar no ar que o ministro ainda não se pronunciou, mas ele pode estar assistindo e responder. E vou ler no ar. Gosto muito da interação com o público, funciona como um termômetro pra mim.

Você já disse em entrevistas que muitos te achavam brava no início da carreira, mas que era uma forma de se impor em um universo tão masculino como o da política. Esse machismo melhorou?
A política é um ambiente muito masculino e machista. Quando cheguei, em 2010, era outra Brasília. O que mudou de lá para cá é que agora a gente fala sobre isso. Tem que falar, expor, tem que explicar por que aquilo é machismo. Hoje ainda temos uma sociedade em desconstrução. Em qualquer lugar que uma mulher vá, tem sempre um homem interrompendo. Não é só no jornalismo, acontece até na minha família. O machismo está aí e a gente está aqui para desconstruí-lo o tempo todo. E isso não é uma luta da mulher. A gente tem que incluí-los. Hoje as pessoas ao menos ficam mais constrangidas.

Essa minha fama de séria vem desse componente que você falou, mas vem também porque a informação que eu lido é séria. Estou falando sobre o país, é uma grande responsabilidade

Na gravação do "Papo de Segunda" tinha uma brincadeira em que você tinha de dizer sim ou não para coisas que não conseguiria viver sem. Uma das perguntas foi se era possível ficar sem xingar o governo. Falei pro Fábio [Porchat]: "Não entendi essa pergunta", porque nunca xinguei nenhum governo, qualquer que seja. Nem mesmo em casa. Posso fazer uma crítica, mas xingar, não. Sou profissional. Os jornalistas informam, reportam, alguns dão sua opinião, mas você não está fazendo um jornalismo contra o governo A, B, C ou D. Quando uma pessoa fala em xingar, pra mim parece uma partida de jogo de futebol. E não é assim.

Você tem mais de 1 milhão de seguidores no Twitter. Recentemente, se posicionou contra um vídeo do novo ministro de Minas e Energia, em que dizia que as mulheres recebem salários menores porque engravidam. Quando uma pauta é motivo para se engajar em uma discussão?
Como mulher, sempre que temos uma discussão que esbarre nos nossos direitos e avanços, vou me posicionar. É uma causa que me pega e mais ainda depois que virei mãe. Quando ouvi, fiquei lembrando da minha experiência, de como foi importante ter esse momento de me organizar, porque a mulher fica muito vulnerável. Ainda mais grávida de gêmeos, numa pandemia, sem rede de apoio. Mas eu tinha a estabilidade de ter um trabalho. Porque a maternidade te abala de um jeito! Eu tive um momento muito difícil no pós-parto de entender o que estava acontecendo comigo como mulher, como pessoa, como profissional. Quando ele falou aquilo, me pegou em um lugar muito especial. Esse tipo de texto, quase um desabafo, é o que mais tem repercussão. As pessoas se identificam. A maternidade é linda e maravilhosa mas é uma barra. Tem uma romantização... Falo pro André que meu corpo não me pertence há dois anos. Eram dois mamando ao mesmo tempo e eu pensava: "Será que um dia vou voltar a ser eu?"

Eu não sou uma personagem, não quero que achem que eu sou uma supermulher.

Quando você voltou ao trabalho sentiu a culpa materna, mesmo sabendo que seus bebês estariam bem cuidados?
Voltei depois de 6 meses e 20 dias. Tive uma culpa no lugar da cobrança. Na semana que voltei, fiz uma viagem a Brasília e passei uma noite fora. Esse dia não foi sofrido, porque estava vindo de dois anos enclausurada por causa da pandemia. Quando saí de casa, pensei: "Nossa, consigo comer sentada. Vou comer uma refeição até o final". Minhas amigas me perguntaram como foi e eu dizia: "Foi maravilhoso. Eu dormi". Carrego a culpa nesse lugar da cobrança, de criar um momento com eles no dia a dia. Porque meu trabalho exige não só estar lá, mas o dia todo. Hoje estou desde as 6h apurando e meu dia acaba só depois das 21h. Então que horas fico com os meninos? Tento dar as refeições. Se fico no jornal à tarde, de manhã estou em casa.

Você sentiu uma espécie de luto após a maternidade? Uma sensação de que a pessoa que você foi nunca mais vai existir?
Tive a impressão de que isso aconteceria. E aconteceu em alguns segmentos da Andréia. Mas não em todos. A Andréia jornalista, não. Eu fiquei até melhor na apuração, parece que ganhei energia. Mas em outros aspectos, por exemplo, pessoas com as quais a opinião me afetava, hoje falo: "Gente, como pude?". Eu fico preocupada agora é se meus filhos estão doentes. Se eles estão comendo e dormindo bem, está tudo ótimo. Tem essa coisa de você se reposicionar às pessoas e importâncias. Tenho outros interesses. Afinal, se mantenho viva duas crianças, o resto é simples.

Andréia Sadi e família  - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Andréia Sadi com o marido, André Rizek e os filhos
Imagem: Reprodução Instagram

Qualquer pessoa para existir precisa de alguém que cuide dela, principalmente na primeira infância. Esse trabalho é feito majoritariamente por mulheres e, apesar de tão fundamental, é invisibilizado. Por quê?
Acho que tudo passa por falta de políticas públicas. Você tem poucas mulheres na política. E quando discutimos temas que são importantíssimos como os que nos interessam, são tratados como plano B. Só que pra gente é urgente. A pauta da pobreza menstrual, por exemplo. A bancada feminina me falava que precisava explicar para os deputados o que era. Eles nem sabiam. Se poucas estão lá, quem decide por nós?

Precisamos dar mais voz e espaço para as mulheres no poder, assim como nas empresas e em qualquer lugar. Quanto mais diversidade, melhor a sociedade fica.

Como está sua rotina como mãe de gêmeos?
Sempre fui muito ansiosa, mas a maternidade me fez perder o controle. Não depende de você. O bebê vai dormir a hora que ele quiser. E sempre gostei de ter o mínimo de controle da minha vida. Esse controle me dá previsibilidade. Eu sou a pessoa que se fizerem uma festa surpresa pra mim vou ficar desesperada. Quero saber quem vai, o que vai ter de comer. Quando o André leva os meninos pra passear, ele sai sem as fraldas. Sou totalmente diferente. Agora, brinco que tenho um caos com método. Tento prever aquilo que está ao meu alcance. Tenho que manter um certo controle dessas agendas que me pertencem. Ir para o estúdio das 13h às 16h, é maravilhoso para quem quer um tipo de previsão na vida. Porque todo o resto não sei o que vai acontecer.

Andréia Sadi - Crédito: Fábio Rocha/ Globo - Crédito: Fábio Rocha/ Globo
Andréia Sadi
Imagem: Crédito: Fábio Rocha/ Globo

Você gostava de correr antes de ser mãe. Fazia acupuntura e análise. O que tem feito para manter a sanidade?
Consigo fazer análise duas vezes por mês, online. Meu analista é o mesmo de Brasília, porque não vou explicar minha vida toda de novo, sem condições. Faço há 15 anos e me ajuda a colocar as coisas no lugar. A corrida segue sendo minha paixão, mas sou muito pragmática. Hoje não quero ter dor e como fico carregando os meninos, tenho feito mais musculação e condicionamento físico. Eles não param. Então o exercício me ajuda nesse sentido. Eu e o André não somos de sair, de beber, não temos outra válvula de escape. A minha é o esporte.

Depois te ter filhos, você passou a olhar o mundo mais colorido? Ficou mais otimista?
Acho que a gente tem essa preocupação em educar os filhos para um mundo melhor. Essa responsabilidade é, antes de tudo, da nossa geração e das seguintes. Até eles herdarem esse planeta, tudo depende da gente. Todo o debate em torno de preconceitos, meio ambiente, deixar essa educação como legado. Sou otimista de que a gente pode fazer isso para eles. Já sabemos o que deu certo e o que não deu com as gerações anteriores. Agora cabe a nós mudar.