Alesp nega cassação de deputado que disse que colocaria cabresto em colega
O Conselho de Ética da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) decidiu nesta terça-feira (7), por cinco votos a quatro, pelo arquivamento do pedido de cassação do deputado estadual Wellington Moura (Republicanos), feito pela também deputada Monica Seixas (PSOL), ameaçada pelo colega no dia 17 de maio dizendo que calaria sua boca com um cabresto.
Na ocasião, Seixas estava no microfone do plenário quando teve sua fala interrompida por Moura: "Vou colocar um cabresto na sua boca", disse o deputado. Monica retrucou: "Você não vai calar minha boca". E ele respondeu: "Vou sim". O cabresto é um arreio de corda ou couro que serve para prender ou controlar a marcha do animal.
O objeto foi usado contra escravos para que não pudessem falar, comer ou beber, e a alegação da deputada é que Moura cometeu injúria racial, que é crime. Seixas protocolou uma representação criminal contra ele na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância).
O documento pede que Moura seja investigado por "por animalizar a deputada assim como os escravocratas num período já condenado da história do Brasil". A advogada Renata Cezar, que assina a representação, também afirma que "houve ofensa à dignidade e decoro da deputada Monica Seixas em sua forma mais vil e cruel, que é utilizando uma ferramenta que pessoas negras escravizadas eram submetidas para que se calassem e servissem ao escravocrata".
Em nota enviada ao UOL, o deputado declarou que o uso do termo "'cabresto' foi no sentido do dicionário, em que a palavra segue sendo algo que controla".
"Somos chamadas de loucas, dizem que não conhecemos regimento, mandam cortar microfone, pedem para tirar do parlamento uma parlamentar eleita. Quando reclamado, diz que vai usar um cabresto na boca da parlamentar", afirmou Seixas na sessão desta terça.
"Dizer que vai colocar cabresto na sua boca é impedir que eu exerça o papel para o qual fui eleita. Faz referência a uma tática usada na escravidão para impedir que negros falassem, comesse e bebessem. Fui violentada [em plenário] e saio daqui punida, porque existe corporativismo", disse a deputada.
Parlamentares contra a abertura do processo de cassação alegaram que Moura "não quis ofender" Seixas, que a fala não foi racista e que ela está usando o caso para se promover. "Deputada Monica tumultua sessões", afirmou Douglas Garcia, do Republicanos, mesmo partido de Moura.
A deputada Marina Helou (Rede) pontuou que o caso é mais um episódio de violência política de gênero e foi favorável à abertura do processo. "Estamos banalizando a falta de respeito e tornando esse lugar insalubre. Intimidação, falas machistas e dedos em riste são violência política de gênero", disse Helou, relembrando o caso do deputado Fernando Cury (União Brasil), que apalpou os seios da deputada Isa Penna (PCdoB) em plenário e teve como punição um afastamento de seis meses.
Outros pedidos de cassação negados
O Conselho de Ética também negou, por oito votos a um, outros pedidos de cassação de mandatos. Um deles feito também por Seixas contra o deputado Gilmaci Santos (Republicanos), que a chamou de "louca". A queixa é de ele colocou o dedo em riste, na direção de seu nariz, como tentativa de calar a deputada.
Em 2021, Seixas precisou se ausentar da Alesp para tratar de um quadro de depressão —a Universa, ela contou que, desde então, "'louca' e 'vai tomar seu Gardenal' é o mínimo que eu escuto todas as vezes que entro no Plenário".
Outro pedido para abertura de processo de cassação colocado em pauta foi feito pela deputada Valeria Bolsonaro (PL) contra o deputado José Américo (PT) por quebra de decoro. Ela o acusa de ter sido misógino e de tê-la ofendido durante uma discussão em plenário. O conselho entendeu, porém, que não havia indícios de ofensas contra a deputada, e o caso foi arquivado por oito votos a um.
Violência política de gênero é crime
A prática da violência política de gênero se tornou crime em abril —desde então, "assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor" pode levar a pena de um a quatro anos de prisão.
"A misoginia, a transfobia e o racismo são estruturais em nossa sociedade e isso não é diferente nas casas legislativas: as formas mais sutis e cotidianas dessas violências são aceitas porque parecem inofensivas", fala Hannah Maruci Aflalo, professora de Ciência Política da da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e codiretora do projeto Tenda das Candidatas.
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