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Elas perderam vaga por gravidez: 'RH alegou que envolvia risco à empresa'

Nathália foi procurada por uma empresa que depois desistiu de contratá-la - Arquivo pessoal
Nathália foi procurada por uma empresa que depois desistiu de contratá-la Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para Universa, de São Paulo

08/06/2022 04h00

Embora a lei brasileira proíba, muitas mulheres ainda sofrem preconceito por estarem grávidas (ou planejando gravidez) no mercado de trabalho. Foi o que aconteceu com Nathália Cirne e Ligia Leite, cujas histórias viralizaram no LinkedIn. Elas passaram por processos seletivos, foram aprovadas, mas o anúncio da gestação fez com que as empresas voltassem atrás da decisão sem muitas explicações.

Nathália tem 33 anos, é gestora empresarial e está grávida de 20 semanas. Ela já havia planejado ficar sem vínculo empregatício durante o período da gravidez para poder aproveitar o momento de uma forma mais leve. Mas mudou de ideia depois de receber uma proposta de trabalho CLT.

"Há algumas semanas postei uma foto grávida no LinkedIn e um conhecido meu, diretor de RH de uma multinacional, comentou e me parabenizou pela gravidez. Depois me contatou, dizendo que queria que eu me candidatasse para uma vaga aberta em marketing na empresa onde ele trabalha. Perguntou minha última remuneração e qual era minha pretensão. Disse que não conseguia chegar no valor desejado, mas marcou a entrevista com CEO."

Mesmo não precisando, durante a entrevista com o CEO, ela reforçou que estava gestante. Como resposta, ouviu que a gravidez não seria um problema, que só precisaria deixar tudo ajeitado para o período que fosse ficar de licença maternidade.

"Ao final, fui questionada se poderia começar na mesma semana, acertando meu início para dois dias depois, na quarta-feira, através apenas de um acordo verbal".

No dia seguinte, como tinha algumas dúvidas sobre a vaga, ela ligou para o diretor de RH. Em resposta, ele surpreendentemente informou que não sabia da gravidez e tentou reduzir a remuneração já acertada.

"Usou a gravidez para alegar que era um risco para empresa, que não permitia troca em caso de performance não esperada. A remuneração acertada para essa vaga na entrevista era de R$ 13.500, mas nessa segunda conversa ele me ofereceu R$ 10 mil, sendo que o valor líquido daria R$ 8.000."

mensagem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mensagem que Nathália Cirne recebeu sobre gravidez
Imagem: Arquivo pessoal

Depois disso, a gestora procurou o CEO da empresa para dizer que não estaria presente na data acertada, por não estar de acordo com o salário proposto. "De maneira ainda mais ofensiva, recebi uma mensagem me propondo uma troca de regime CLT por uma contratação PJ. Respondi que seria inviável e nunca mais me responderam", disse Natália.

"Graças a Deus pude recusar a vaga. Eu já esperava ter esse tipo de problema, mas fiquei assustada por ter acontecido comigo e me senti muito frustrada."

A história se repete

Ligia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Após Ligia contar que estava grávida, empresa afirmou que vaga havia sido congelada.
Imagem: Arquivo pessoal

A publicitária Ligia Leite, 33 anos, está grávida de 7 meses. Quando foi desligada de uma empresa no final de outubro do ano passado, já tinha vontade de ter um filho. Por isso, ao mesmo tempo em que buscava por uma nova oportunidade de emprego, também tentava engravidar.

"Em novembro participei de alguns processos seletivos e uma grande empresa no setor do agronegócio me chamou para participar do processo. Meu chefe seria um homem e a responsável do RH é uma mulher, parente do dono, então pensei que se eu engravidasse, eles entenderiam."

Durante a entrevista, o gestor falou que gostou dela e a orientou para falar com o RH da empresa. "Conversei com a mulher e acertamos tudo com relação ao salário e a função que iria exercer. Em uma semana, no final de novembro, o processo acabou, ficou acertado que eu ia assinar os documentos."

No dia 3 de dezembro de 2021, ela descobriu a gravidez. Três dias depois, confirmaram o início na empresa para 3 de janeiro de 2022. Em 7 de dezembro, Ligia ligou para contar que estava grávida.

"Fiquei em um impasse, não sabia se falava ou se esperava três meses. Quando conversamos a responsável ficou impactada com a informação, mas me parabenizou. Não disse nada sobre o trabalho. Na sequência, liguei para o homem que seria meu gestor para contar a novidade. Ele também me parabenizou e disse que era para ficar tranquila pelo meu emprego, que seria mantido."

No dia 8 de dezembro, a empresa cobrou o envio dos documentos, sem falar nada sobre a gravidez. Dois dias depois, informaram que a vaga havia sido congelada. "Uma semana depois, vi a mesma vaga, que seria minha, aberta no LinkedIn, e na sequência contrataram outra pessoa."

"Depois do resultado, chorei muito. Além de insegura, senti que pegaram a minha competência profissional e colocaram na maternidade. Meu marido tentou me consolar falando que o mercado funciona dessa maneira, mas acho um absurdo, porque a mulher, vivendo esse momento delicado e um dos mais importantes da vida, não tem o apoio profissional."

Felizmente, no caso da Ligia, as coisas caminharam para um final feliz. Ela passou em outro processo seletivo, mesmo estando grávida. "Perguntei se eles aceitavam grávidas, e responderam que gestante era muito mais produtiva. Enquanto as empresas não entenderem isso, vai continuar esse sistema doentio. Comecei nessa agência grávida no dia 3 de janeiro."

"Vai ser pai? Parabéns!"

As duas mulheres ainda contam que seus maridos não tiveram qualquer problema depois que comentaram nas empresas onde trabalham que seriam pais. Somente foram parabenizados.

"Meu marido, quando contou que seria pai, ninguém perguntou o que ele ia fazer. Depois que fiz 30 anos, as empresas já começaram a perguntar se eu era casada e se pensava se queria ter filhos. Nunca me incomodei em responder e nunca tive medo de responder, porque a maternidade nunca pode ser uma vergonha. Quando não perguntavam, eu nem falava, porque mal ou bem a gente acha que pode ser um ponto negativo no currículo", diz Ligia.

Nada mudou também para o parceiro da Natália depois que ele contou que seria pai. Mas quando ela disse que ficaria um ano sem trabalho, ouviu muitos comentários preconceituosos.

"As pessoas jogam no lixo meus 15 anos profissionais e falam que estou sendo sustentada por meu marido, porque ele é médico. Eu me preparei economicamente para ter dinheiro nesse tempo sem trabalho", diz Natália.

"Eu tenho medo de como vai ser o meu retorno ao mercado de trabalho, porque não é só a grávida que sofre descriminação, a mãe também, por mais que explique que as responsabilidades com meu filho serão divididas como meu marido. Ainda é conflitante."

O que diz a lei

De acordo com Thamíris Molitor, advogada, autora do livro "Proteção à maternidade pelo direito do trabalho: uma crítica à forma jurídica", e doutoranda de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo), apesar de ser comum, perguntar se a pessoa está grávida ou pretende engravidar não é assunto de ambiente de trabalho.

"No âmbito da proteção à mulher, existe a lei 9.029/95, que prevê como crime a exigência de teste de gravidez para contratação. O fato de que não foi a empresa que solicitou o envio dos testes de gravidez do caso da Natália e da Ligia, não significa que não foram discriminatórios."

Dentro das regras da CLT, dois artigos protegem as mulheres. O texto afirma que "é vedado recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível."

Analisando o caso da Natália, Thamíris notou uma desvalorização dela quando tentaram baixar o salário, quase como se ela tivesse alguma culpa pela maternidade, como se fosse algo que deveria ser pago por ela, e não pelo empregador.

"Baixar o salário em razão da gravidez, por si só, já é algo que demandaria uma indenização pelo dano moral sofrido. Além disso, se ela fosse contratada como PJ, ficaria como única responsável pelo recolhimento da previdência social, que é quem pagaria o salário maternidade. Você joga no empregado a responsabilidade de cuidar desse tipo de burocracia, que deveria ser cuidado pela empresa."

Já no caso da Ligia, ela realmente não tinha obrigação legal de comunicar o empregador seu estado de gravidez. Poderia falar depois, mas por boa fé, fez o comunicado e perdeu a vaga por discriminação.

Por estarem vivendo momentos delicados e terem consciência de que um processo legal contra as empresas demora, Natália e Ligia resolveram não levar seus casos para serem julgados.

"O mercado de trabalho trata as mulheres de uma forma muito cruel. A pessoa já está em um momento difícil, depois com um bebê... Enfrentar um processo não é fácil nem garantido, porque precisa convencer o juiz, reunir provas. Dependendo da área de trabalho onde a pessoa está inserida, ela tem medo de abrir qualquer processo e não ser mais contratada", completa Thamíris.