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'Escondiam comida': brasileiras ensinam a não cair em ciladas como Au Pair

Tainã Santana, 28 anos, viveu na Virgínia e na Califórnia, nos EUA - Arquivo pessoal
Tainã Santana, 28 anos, viveu na Virgínia e na Califórnia, nos EUA Imagem: Arquivo pessoal

Priscila Carvalho

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro

09/06/2022 04h00

Já pensou em ter a oportunidade de viajar para outros países, conhecer novas culturas e desfrutar de uma experiência internacional enquanto ganha dinheiro? O intercâmbio para ser uma Au Pair (conhecida aqui no Brasil como babá) pode ser uma boa alternativa para quem busca aprender outro idioma e trabalhar no exterior. É um programa cultural e remunerado, no qual a participante pode morar em um outro país pelo período mínimo de um ano.

Por ser uma modalidade de baixo custo, é muito buscada por estudantes de 18 até 30 anos. A ideia é morar na casa de uma família anfitriã (ou "host family", em inglês) e cuidar das crianças recebendo um salário por isso. Mas, por mais atrativo que seja o programa, a realidade é que muitas brasileiras acabam tendo experiências frustrantes e até traumáticas.

É o caso da produtora de conteúdo e ex-Au Pair Marina Mattos, 28 anos, que já tem somadas ao longo de cinco anos três experiências em três países diferentes, como Holanda, Alemanha e Estados Unidos. Hoje, ela compartilha em suas redes sociais histórias dos bastidores como forma de ajudar e alertar futuras intercambistas.

"Descobri o programa pela minha mãe porque ela foi Au Pair aos 18, me interessei e comecei a pesquisar. O investimento para pagar a documentação e uma agência são bem baixos, então vi uma oportunidade de aprender inglês, mas o que ninguém conta é que nem sempre será uma boa família que vai te acolher. Por isso ajudo muitas pessoas a entender mais sobre isso e se precaver", diz.

Marina - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marina Mattos, 28 anos, tem experiências como Au Pair na Holanda, na Alemanha e nos Estados Unidos
Imagem: Arquivo pessoal

Assim como Marina, Tainã Santana, 28 anos, também descobriu o programa com o objetivo de fazer um intercâmbio e vivenciar novas culturas. Ela chegou ao estado da Virgínia (EUA) em fevereiro de 2019 e depois mudou-se para a Califórnia, onde permaneceu até o meio do ano passado, antes de retornar ao Brasil.

Mas, com uma história bem parecida, não teve uma boa experiência na primeira vez. "Fui para os Estados Unidos, queria esse intercâmbio cultural, mas logo na minha primeira experiência tive muita história ruim com a família que me hospedou", conta a jovem, que chegou a ouvir que não podia comer porque não havia pagado pela refeição.

Cuidado com a 'família perigo'

Marina conta que, aos 23 anos, sua primeira estadia foi muito ruim. Ela ressalta que, antes de conseguir uma host family, a intercambista precisa tomar cuidado com a "família perigo", que são as que desrespeitam as regras e o bom senso.

Na Holanda, a experiência virou até caso de polícia. "Eles queriam tirar vantagem e me fazer trabalhar muito mais. Eram muitos problemas, mas o pior foi quando eu descobri que eles escondiam comida para que eu não visse, e isso é ilegal no programa. É obrigação da família oferecer um quarto para dormir, além de comida. Mas eles faziam tudo errado e era abusivo. Teve um dia que resolvi ir embora, e eles ligaram para a polícia para me denunciar."

Tainã - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tainã: 'Quando cheguei a família era muito legal, mas no dia a dia fui percebendo que eles abusavam de mim'
Imagem: Arquivo pessoal

A produtora de conteúdo alerta ainda sobre os abusos que acabam acontecendo com muitas Au Pairs, e a falsa propaganda de que você é "pago para morar na Europa", quando, na verdade, trabalha para poder ganhar um salário mensal.

Tainã, que também teve uma relação abusiva com sua primeira host family, nos Estados Unidos, ressalta o "lado B" da profissão. "Foi bem traumatizante, mas eu só percebi depois que eu saí de lá. Quando cheguei a família era muito legal, mas no dia a dia fui percebendo que eles abusavam de mim."

Segundo ela, as crianças não tinham educação, a xingavam, diziam que iam falar para o pai que ela havia batido neles, quando nada disso era verdade. "Era um problema de comunicação muito grande, não pelo idioma, mas sim para entender as expectativas deles, mas a gente nunca conversava. Virou uma sequência de coisas que me desgastavam todos os dias. Eu ia pro quarto e só chorava e pensava por que isso acontecia comigo. Até que eles me deram um rematch e eu tive de procurar outra família."

Medo do 'rematch'

O que muitas intercambistas temem quando vão partir para o programa é o "rematch", que ocorre quando a Au Pair ou a host family não estão mais de acordo com a experiência e querem desfazer o "match" —assim, uma das partes pode optar por procurar uma nova família ou uma nova Au Pair.

Além disso, existe um certo receio de não conseguir achar uma nova família e correr o risco de ter de voltar para o Brasil. Então, é preciso sempre muita atenção quando for aplicar para o programa.

"A parte mais difícil é quando elas acham que têm o controle sobre você, e muitas pessoas não sabem sobre os seus direitos. Então, precisa pesquisar muito para evitar problemas. Existem as famílias boas e as razoáveis, mas existem muito mais famílias ruins, e eu via muito. O rematch é muito mais comum do que imaginamos", assegura Tainã.

Boas experiências

Apesar das experiências negativas, Marina afirma que viveu com outras famílias que a ajudaram. "Já tive uma host family em Amsterdã, onde cuidei de duas crianças, que me levava de férias com eles. Fui para Ibiza, Londres e outros lugares, sempre com eles pagando tudo."

Ela conta que também teve bons momentos no último Au Pair nos Estados Unidos. "Mantenho um laço afetivo muito forte com as crianças. Agora, eu falo que tenho casa em vários lugares, e isso é a parte boa do programa, as amizades e o carinho."

Já Tainã destaca que a vantagem foi a conexão que criou com as crianças e com pessoas que conheceu durante os mais de dois anos em que morou em território americano.

Como ser Au Pair?

O programa de intercâmbio existe em vários países do mundo. Um dos mais populares é nos Estados Unidos, mas também pode ser encontrado na Europa (Alemanha, Holanda, Luxemburgo, França, Noruega, Itália e Bélgica). Geralmente, essa modalidade tem duração de um ano, podendo ser estendida para até dois. Vale lembrar que cada território tem suas regras, como idade mínima, tempo de visto, salário e cursos que devem ser feitos ao longo da estadia.

É preciso verificar também em quais países o programa não é regulamentado para as brasileiras e, de forma alguma, tentar embarcar ilegalmente. Há agências no Brasil que oferecem esse tipo de serviço e o programa sai por pouco mais de R$ 3.000. Também no site aupairworld.com é possível encontrar famílias em vários locais e começar o processo ainda no Brasil.

Além disso, a jovem precisa atender alguns requisitos, como ser uma pessoa responsável, já ter tido alguma experiência com crianças, nível intermediário de inglês ou do idioma do país. Em alguns casos, pode ser exigido que a Au Pair tenha carteira de motorista e ensino médio completo.

Dicas para não cair em uma cilada

  • Entender as regras e os seus direitos no programa, já que cada país tem um jeito e uma norma, e isso pode ser verificado por meio dos sites dos consulados;
  • Não escolha a família pelo "feeling" (sentimento), e sim, pelo perfil. Procure sobre ela, faça uma pesquisa sobre suas experiências;
  • Antes de aceitar a host family, questione sobre sua carga horária, seus dias de folga e suas férias;
  • Saiba como são as regras da casa, e como é a educação dos filhos;
  • Tenha um plano de emergência ou saída, então prepare-se financeiramente para caso você precise ir embora da casa, e também contatos de emergência, como amigos, táxi, polícia e o consulado;
  • Se for buscar uma agência, veja suas recomendações antes de pagar qualquer coisa;
  • Converse com meninas que já foram Au Pairs e pegue várias dicas;
  • Faça amigos no local para que você troque experiências, e com pessoas que já tenham feito o programa de intercâmbio.