Genética do amor: para a ciência, match mais provável é entre os diferentes
Você já foi a um encontro que não deu em nada por falta de química? Vocês tinham interesses em comum, se deram bem e podem até ter gostado da aparência um do outro ou uma da outra, mas o date não foi adiante. Tudo bem, o amor tem dessas. E a ausência dele também. Mas, na próxima vez que isso acontecer e você estiver tentando entender por que não deu certo, lembre-se que a resposta pode estar no seu código genético.
Quando os Beatles lançaram o álbum "Abbey Road" com a música "Because", que diz "Love is old, love is new. Love is all, love is you" (Em português, "O amor é velho, o amor é novo. O amor é tudo, o amor é você"), dificilmente alguém imaginou que eles estivessem sendo tão literais. Sim, um dos possíveis culpados por nos apaixonarmos está dentro da gente e é tão antigo que garantiu a perpetuação da espécie como conhecemos hoje.
Por uma questão evolutiva, os genes que carregamos podem ser uma das variáveis desse intrincado cálculo da atração. Sobretudo a parte do genoma responsável pela defesa do corpo, o MHC ou HLA, que são siglas em inglês para o Complexo Principal de Histocompatibilidade.
Diversos estudos, da Suíça aos Estados Unidos, da Alemanha ao Brasil, indicam que essa região cromossômica referente ao repertório imune interfere na escolha —que acreditamos ser tão mágica e irracional— de um possível parceiro. Mesmo que o ditado diga que "os opostos se atraem", as evidências científicas retificam: são as pessoas geneticamente diferentes que se atraem.
A professora Maria da Graça Bicalho, diretora do Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que cada um de nós apresenta um MHC único e que essa variabilidade faz com que sejamos mais ou menos suscetíveis e resistentes a diferentes ameaças ao nosso sistema imunológico: "Ao longo da evolução das espécies, desenvolvemos mecanismos para garantir a diversidade nos genes MHC. Uma dessas estratégias está associada à reprodução, em especial a escolha de um parceiro com MHC diferente".
Gostou do cheiro? Pode ser que dê certo
A partir dessa teoria, o nariz é promovido ao angelical cargo de Cupido: "Cada um de nós tem uma identidade HLA tecidual que também se repercute em uma identidade HLA odorífera única. E isso influencia na escolha do parceiro", diz ela. Ou seja, essa marca genética das nossas células se manifesta no cheiro que exalamos e o olfato, através dos polêmicos feromônios, nos dá pistas sobre o futuro da paquera.
Nos anos 1990, já se sabia que camundongos fêmeas preferiam machos com o MHC diferente do delas. Mas em 1995, o biólogo suíço Claus Wedekind resolveu testar a teoria em seres humanos. O famoso experimento teria rendido um quadro digno de programa de televisão aberta aos domingos: Wedekind e seus colegas da Universidade de Lausanne pediram para que um grupo de homens usasse a mesma camiseta por alguns dias, sem desodorante nem perfume. Em seguida, deram as roupas para que mulheres cheirassem. Elas avaliaram melhor os homens que tinham o MHC mais distinto possível do delas.
Essa pesquisa serviu como modelo para muitas outras, inclusive uma feita com estudantes brasileiros na UFPR e liderada por Bicalho. A versão nacional substituiu a roupa suada por colares com sachês de algodão usados por uma semana e chegou a conclusões bastante próximas dos suíços. Quatro anos depois, a equipe de Maria da Graça usou um banco de dados sobre a população do sul do Brasil para analisar informações genéticas de casais estáveis e viu que, na maioria dessas duplas românticas, havia uma grande diferença de MHC.
Isso quer dizer que para encontrar alguém para passar o dia dos namorados devemos sair por aí cheirando cangotes? Pode ser mais divertido que trocar likes em apps de relacionamento —a menos que você esteja grávida ou que use pílula anticoncepcional. Nesses casos, o teste suíço mostrou que as mulheres preferem homens com MHC semelhantes aos próprios.
"É possível afirmar que sob a ótica biológica, aquela que compartilhamos com as demais espécies, buscamos parceiros com MHC diferentes dos nossos. Mas é preciso lembrar que esses fatores biológicos não são os únicos e também não são prevalentes em nossa espécie. A escolha do parceiro não fica restrita ao componente biológico e há outros valores preferenciais (sociais, culturais, éticos, econômicos...) que entram nessa equação, confundindo ou minimizando a escolha preferencial pelo parceiro MHC diferente", diz Bicalho a Universa.
No livro "A vida secreta da mente", o neurocientista argentino e referência no estudo das decisões Mariano Sigman cita o experimento de Wedekind para explicar por que sentimos o que sentimos: "Muitas das decisões emocionais e sociais são bem mais estereotipadas do que reconhecemos. Em geral, esse mecanismo (o MHC) está mascarado no mistério do inconsciente e, por isso, não percebemos o processo de deliberação. Mas ele está ali, no subterrâneo de uma maquinaria que talvez tenha se formado muito antes de estarmos aqui refletindo sobre essas questões".
Mas a ideia de que o olfato possa ser um guia para o coração é alvo de críticas. Muitos cientistas contestam a existência dos feromônios, como é o caso do otorrinolaringologista e pesquisador em olfato da Universidade da Pensilvânia Richard Doty, que defende que nossos odores são determinados pelas bactérias.
"A ideia de que existem esses genes mágicos que estão de alguma forma associados a cheiros que permeiam o ambiente e ditam nossa atração pelas pessoas é um disparate. Se os feromônios humanos realmente provocassem os tipos de comportamentos que vemos em outros mamíferos, os metrôs de Nova York estariam em constante estado de caos com pessoas pulando umas sobre as outras", disse à revista americana Wired.
'Amor é pensamento'
O amor não é simples nem do ponto de vista sociocultural, nem científico. Então é de se esperar que sua relação com a genética vá além do MHC. Até onde se sabe, outros atores importantes são os neurotransmissores, os mensageiros químicos do corpo.
Dependendo da expressão dos genes receptores da ocitocina, por exemplo, conhecida como o hormônio do amor, uma pessoa pode ser mais ou menos empática, e ser propensa ou não a ter relacionamentos longos.
Uma pesquisa conduzida pelo departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford observou diferentes genes de recepção neuroquímica, e percebeu que essa substância em específico tem um papel fundamental no amor romântico, porque está associada à maneira como nos apegamos e sentimos empatia uns pelos outros.
Já os genes da dopamina, proteína ligada às emoções e ao prazer, podem interferir no quanto nos envolvemos com as pessoas ao nosso redor e com o tamanho do nosso círculo social. Eles notaram que a serotonina, esse famoso neurotransmissor da felicidade, indica o quão obsessivos podemos ser em relação ao amor.
Partindo da mesma lógica de que a genética mexe com diversos traços de personalidade relevantes para a forma como nos relacionamos, há quem tenha investigado o que nossos genes podem dizer sobre o comportamento sexual.
O grupo liderado pela neurocientista Bianca Acevedo, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, por exemplo, também examinou a interferência genética na recepção de determinados neurotransmissores. Eles constaram que genes ligados à ocitocina e ao hormônio vasopressina poderiam dar indícios sobre o comprometimento romântico dos indivíduos, bem como a frequência e a satisfação da vida sexual deles.
A fórmula do amor
Para a antropóloga evolutiva Anna Machin, que fez parte do estudo de Oxford sobre os neurotransmissores, e é autora do livro "Why we love" (em tradução livre, Por que amamos), o amor é uma reação química cerebral coberta por diversas camadas de cultura. Em entrevista à universidade inglesa, ela respondeu qual é, afinal, a essência desse sentimento:
A neuroquímica é o que está por trás do amor em todas as culturas, enquanto as abordagens culturais do amor podem mudar e existem diferenças culturais dependendo dos sistemas políticos, lugar, legados da poesia romântica das sociedades, etc. Existem até sociedades que rejeitam conceitos culturais de romance, mas a neuroquímica permanece. A homossexualidade é um exemplo de como um processo neuroquímico acontece apesar da pressão cultural contra ela em muitas sociedades, porque os processos biológicos são as raízes do nosso comportamento.
Anna Machin, antropóloga evolutiva
Pagando bem, o match vem
No ano passado, a série de ficção científica "The One" estreou na Netflix tendo como premissa uma realidade em que os casais não se formam mais pela (às vezes) boa e velha paquera, mas por testes de compatibilidade de DNA. Nem é preciso dizer que as consequências da formação de casais perfeitos em laboratório assumem contornos de suspense. Mas o caos ficcional não parece ter desestimulado companhias que, na vida real, vendem testes genéticos para casais.
São os casos das empresas canadenses DNA Romance e Instant Chemistry. Com o slogan de "Namoro online baseado em ciência", a primeira é voltada para pessoas solteiras e une marcadores genéticos a testes psicológicos de personalidade. A segunda atua em três frentes, neuro, bio e psico compatibilidade, para reduzir conflitos, manter a chama do relacionamento acesa e, nas palavras deles, "ajudar os casais a atingirem seus objetivos". O kit completo da Instant Chemistry custa US$ 259, pouco mais de R$1.200.
Antes de abrir a carteira e testar sua saliva em busca de alguém "geneticamente ideal", vale lembrar que os próprios cientistas reconhecem que precisamos de mais experimentos sobre o assunto. Afinal, o DNA pode ser um caminho, mas não é um destino. E o amor, em toda a sua beleza e complexidade, está bem longe de ser uma sentença.
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