Falso médico é denunciado por golpe em mulheres: '2 anos pra pagar dívidas'
Lesada em R$ 80 mil pelo homem com quem manteve relacionamento entre 2019 e 2020, Marcela*, 32, procurou uma delegacia de polícia na cidade de Farroupilha (RS) logo após o fim do relacionamento, quando percebeu que havia caído no chamado "golpe do amor". Em seu relato, ela conta que Guilherme Selister, 27, se passou por médico e ex-militar —o que de fato era mentira, segundo inquérito— e disse que descobriu um coágulo no cérebro. Precisava de dinheiro para uma cirurgia neurológica de urgência e recorreu à então namorada, Marcela, para ajudá-lo.
Após ser indiciado pela polícia em março, Selister agora está na mira do Ministério Público, que ofereceu à Justiça uma denúncia contra ele por estelionato. Caso aceito o pedido do MP, será aberto um processo penal e, se considerado culpado, poderá pegar pena de um a cinco anos de prisão. A acusação diz que ele usava as redes sociais para encontrar vítimas, forjar um vínculo amoroso e, a partir disso, obter vantagens financeiras.
Procurado por Universa, o advogado de Selister, Marcos Peroto, disse apenas que a defesa se manifestará no processo.
"Quero que ele pague pelo mal que cometeu"
Marcela agora tenta reconstruir sua vida. "Levarei dois anos para pagar dívidas", conta. Acompanhamento psicológico, apoio de amigos próximos e, principalmente, da família a fizeram ter força.
"Espero que esse processo possa pará-lo e que ele pague pelos crimes que cometeu", diz Marcela. Segundo ela, Selister coleciona vítimas, com quem ela tem contato. Mesmo depois dos golpes, segundo as mulheres com quem ele se relacionou, ele ostentava uma vida de luxo em suas redes sociais.
"Quero que ele pague por todo o mal que cometeu não só para mim, mas também para tantas outras pessoas. Não é de hoje que ele comete crimes, mas por inúmeros motivos as mulheres não seguiram adiante nas denúncias, provavelmente por medo, de certa forma, vergonha, pelo julgamento dos outros."
Marcela tem a expectativa de conseguir o dinheiro que perdeu na relação de volta, mas afirma que esse é o menor prejuízo. "Nem se compara ao dano emocional e psicológico", diz. "Hoje estou colando os pedacinhos. Sigo focando na ideia de viver um dia de cada vez, focada em mim."
Passo importante para essa reconstrução, diz ela, é ver o Judiciário agindo e levando a sério sua denúncia. No começo, quando registrou a denúncia, ela não tinha advogado, se inteirou sobre o crime estelionato e estudou o Código Penal por conta própria. "Toda semana eu ligava para delegacia. Depois, quando chegou para o MP, sempre buscava saber como o caso estava evoluindo", detalha.
Para ela, o importante é dar visibilidade para esse tipo de crime e, assim, incentivar mulheres que passem pelo mesmo a denunciar. "Fico muito feliz quando vejo outras vítimas contando suas histórias e na torcida que elas consigam seguir em busca de Justiça".
O que é estelionato amoroso?
O golpe relatado por Marcela é considerado, no Brasil, estelionato amoroso, ou sentimental. Não está presente no Código Penal, onde consta apenas o crime de estelionato, quando a pessoa tenta obter uma vantagem sobre a outra por meio de fraude, de mentira e induzindo o outro a erro. Mas já faz parte da jurisprudência brasileira. Em 2015, em uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a vítima alegava ter contraído uma dívida de R$ 101,5 mil para ajudar o companheiro.
"Embora a aceitação de ajuda financeira não possa ser considerada conduta ilícita, o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé, traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar", afirmou o juiz Luciano dos Santos Mendes na sentença.
Como denunciar
A orientação é de que a mulher que possa estar sendo vítima de estelionato sentimental vá a uma delegacia registrar um boletim de ocorrência por estelionato, com o máximo de informações em relação ao agressor que possuir.
Depois, ela deve reunir todos os documentos que possui como prova: mensagens de WhatsApp, e-mail, boletos de pagamento, comprovantes de transferência, de extrato do cartão de crédito. Com isso em mãos, a sugestão é procurar um advogado ou a Defensoria Pública, para que se abra um processo judicial adequado ao caso e para que a mulher possa ser ressarcida.
*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.
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