Ela viralizou com bonecas negras: 'As brancas se encontra em qualquer loja'
Quando a estudante Yara Leone da Silva, 32, publicou uma foto da sua mãe entre bonecas negras, ela não imaginava o alcance que a publicação teria. Em um dia, mais de 20 mil perfis curtiram a foto da aposentada Armicinha Leone da Silva, 65, sentada entre suas confecções em um encontro sobre economia solidária em Vitória na quarta-feira (15).
A publicação viralizou também por causa de um comentário de um conhecido da família, por WhatsApp, quando Armicinha viu a exposição das bonecas: "Todas pretas, tadinha! E as brancas?".
"Ele falou como se todas as brancas tivessem sido compradas e as pretas estavam lá, como se ninguém quisesse comprá-las", conta. A resposta da mulher de 65 anos viralizou: "As bonecas brancas você encontra em qualquer loja".
"Sempre recebi comentários como este do meu conhecido, mas parei de me incomodar porque nem compensa uma investida para tentar explicar a importância delas. Quem comenta essas coisas não têm um pingo de conhecimento do valor deste trabalho. Desta vez, eu decidi não ficar calada."
Armicinha faz parte da direção da associação de moradores do Setor Ásia da Cidade Continental, na Serra, município capixaba, ela faz parte da vice-presidência e eu sempre e tem uma loja em Vitória, onde mora. Ela começou a fazer bonecas para a própria filha. Em 2006, decidiu fazer o brinquedo de pano para doar para crianças que passavam por tratamento de câncer no hospital público da cidade.
"Comecei a fazer de tecido com algodão e, em todo Natal, eu levava para hospital para alegrar as crianças e suas mães — é um tratamento muito dolorido para todos", contou. "Mas eu não tinha coragem, naquela época, de oferecer a boneca preta para eles porque não sabia como seria a aceitação."
A aposentada continuou com o trabalho voluntário no hospital por mais de dez anos. Somente em 2019, quando inaugurou sua própria loja, passou a expor as bonecas negras.
"O pai da minha filha é branco e, quando ela era pequena e brincava com os primos e as bonecas, ela sempre dizia que ela era diferente, que apenas a palma da mão dela era igual a eles. Isso mexia muito comigo. Mas, naquela época, há 20 anos, nem tinha informação para passar a gente não sabia como discutir isso. Minha filha gostava muito de Barbie, então passei a pintar as bonecas com tinta de cabelo", relata.
A linha de produção de "Barbies negras" se estendia a meninas da vizinhança, ela conta. "A gente deixava o cabelo delas mais crespos, pintava a pele, tudo usando a imaginação."
Essa é uma memória que Yara, sua filha, também carrega. "Eu tive bonecas pretas graças a ela. Era muito difícil achar uma boneca preta nos anos 1990, mas a gente comprava as bonecas e tingia para elas ficarem pretas igualzinha a mim", lembra a filha.
"Eu me sentia diferente, mas eu me senti feliz porque eu tinha uma que parecia comigo. Demorei para entender a importância daquela ação que a minha mãe fazia por mim."
E é por causa da sinceridade da ação de sua mãe, diz Yara, que a publicação viralizou. "Não tinha pensado na dimensão que isso iria tomar. Não é a primeira vez que eu publico algo sobre ela ou sobre racismo. Mas aquela foto dela feliz e animada com um comentário bobo daqueles fez a coisa tomar essa proporção."
"Este é um jeito de a minha mãe, que trabalhou desde cedo na roça e em casas fazendo trabalho doméstico, resgatar e trazer essa infância que ela não teve. Quantas bonecas pretas você viu na infância? Imagina a minha mãe, que foi para a escola nos anos 1970", se questiona.
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