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Aborto no Uruguai: 'Eu só queria estudar, e a lei do aborto me salvou'

Caroline Coelho

Colaboração para Universa, em Montevidéu

23/06/2022 04h00

Aborto no Uruguai - UOL - UOL
A educadora C. Z., 23
Imagem: UOL

"Fiz um aborto em Montevidéu há pouco mais de um mês em um lugar com ginecologistas preparados para isso. Quando eu descobri que estava grávida, liguei no número de atendimento às mulheres divulgado pela prefeitura e me pediram que eu fosse até o local. Recebi um papel com o telefone para o qual deveria ligar para fazer o agendamento com a equipe de profissionais que trabalham especificamente com as interrupções de gravidez e marquei um horário.

Consegui uma consulta para uma semana depois, mas eu já estava ansiosa e perguntei se poderia ser antes. Fiquei aliviada quando adiantaram uns dias - eu queria resolver essa questão o mais rápido possível. Liguei em uma quinta-feira e me ofereceram um horário para segunda. Fui atendida pela substituta da médica que trabalha com esses casos. Eu estava muito nervosa e com náuseas fortes, não conseguia comer.

Ela me disse que ia me explicar todo o processo depois, mas queria saber antes se eu estava segura da minha decisão. Essa primeira consulta foi mais burocrática, para preencher todos os formulários. No mesmo dia fui atendida por uma assistente social e por uma psicóloga que me perguntaram se eu estava acompanhada, se eu já tinha pensado bem, se meu parceiro concordava... Então fui para casa cumprir os cinco dias de reflexão obrigatórios por lei.

Para mim esses cincos dias passaram como se fossem dez. Por um lado, eu já me sentia mais tranquila porque estava bem consciente de todo o processo. Eu sabia o que eu queria, já estava decidida, sabia o que ia acontecer. Esse período para mim foram como dias perdidos, eu só queria que tudo passasse logo.

Quando retornei, conversei com a ginecologista, que foi incrível comigo, me explicou tudo em detalhes, inclusive fez um esquema com tudo o que poderia acontecer, com as possibilidades de qualquer problema durante o processo, e o que eu poderia fazer em cada caso. Depois ela me pediu para agendar uma consulta junto com a pessoa que me acompanharia ao tomar os comprimidos, porque é nesse momento que te explicam todos os riscos. Minha mãe foi comigo.

'Eu estava pensando em várias coisas, menos em ser mãe'

Descobri que estava grávida em uma quarta-feira. Eu estava com a menstruação atrasada, já estava sentindo que havia algo diferente, resolvi fazer o teste e avisei a minha mãe. Liguei para ela e falei 'mãe, vou fazer um teste de gravidez e te aviso para ficar atenta porque eu tenho quase certeza de que estou grávida'.

Quando vi o resultado positivo, eu chorei tanto, tanto, tanto... Eu já sabia, estava desconfiada, e, dias antes, inclusive, já tinha falado com o meu parceiro sobre isso. Ele disse que estaria de acordo com a minha decisão.

Quando contei para a minha mãe, ela me perguntou o que eu queria fazer. Ela me teve com 19 anos e me entendia. Naquela época, era impensável poder abortar assim de forma segura. Além do apoio da minha mãe, pude contar com o meu parceiro, com as médicas e com as minhas amigas.

Eu nunca tinha pensado em ser mãe, mas também não tinha pensado em não ser mãe. Na realidade eu não tinha pensado sobre esse assunto ainda. Eu estava pensando em várias coisas, menos em ser mãe.

Eu sou educadora, trabalho com educação social há dois anos. Eu tinha adiado um pouco os estudos pela pandemia e tudo aconteceu dias antes de começar meu curso em educação social. Eu só queria começar a estudar e quando vi aquele exame positivo fiquei muito mal. A lei me salvou.

Esses dias de reflexão geraram muita ansiedade e angústia. Sei que há outras mulheres que ainda não estão decididas e não sabem muito bem o que fazer, e nesses casos é bom ter um período para pensar. Mas nós somos diferentes e a questão do tempo poderia ser mais específica para cada caso.

O processo com o remédio é mais prático e democrático, mas é um momento pesado, é muito forte. Eles nos dão dois medicamentos, a Mifepristona e o Misoprostol, que vêm em um kit chamado Mariprist.

No dia da interrupção da gravidez, eu estava em casa, com a minha mãe, sangrei muito e senti muitas dores. Precisei faltar ao trabalho neste e nos dois dias seguintes porque não estava bem, mas tive dificuldade para conseguir um atestado, e isso sim pareceu uma falha. No hospital disseram que só poderiam me dar um atestado por alguma causa incluída na lista do BPS [previdência social do Uruguai], e essas dores que eu sentia não estavam contempladas.

Nas consultas após o procedimento, uma das primeiras coisas que eles indicam são os métodos anticoncepcionais. Ninguém nos obriga a usar nada, mas explicam as possibilidades com comprimidos, DIU e outros métodos, mas todos são muito caros.

Eu senti muito porque trabalho em um colégio católico e não poderia contar nada, e ao mesmo tempo eu não queria mentir porque não estava fazendo nada de errado. Apesar disso, depois que tudo passou, vi que muitas mulheres não têm o apoio que eu tive e percebi o quanto eu sou privilegiada."

CZ, 23 anos, educadora em Montevidéu, Uruguai (ela pediu para não ser identificada)