Ator trans que dubla Elliot Page: 'Chorei horrores quando ganhei o papel'
A terceira temporada da série "The Umbrella Academy" estreou na Netflix nesta quarta-feira (22). No enredo, o protagonista, vivido pelo ator canadense Elliot Page, passa por transição de gênero - história semelhante a que aconteceu na vida pessoal do ator. A versão brasileira acompanha a trama com uma importante alteração no elenco da dublagem: o personagem passa a ter a voz de um ator trans, o dublador brasileiro Marun Reis, 34.
Em entrevista a Universa, Marun contou que chorou ao saber que foi selecionado para viver o papel — por gostar da série mas, principalmente, por admirar e acompanhar a carreira de Elliot há muito tempo. "Elliot é um cara que representa tanta coisa para além da profissão dele. A forma como ele se entendeu, a movimentação que faz em prol da comunidade. Me espelho nele e tento, em alguma medida, fazer algo como ele faz, combatendo preconceito com informação."
"É incrível ser a voz desse cara que é a voz de tanta gente. Foi mágico, chorei horrores quando soube que ganhei o papel", diz o dublador.
A dublagem começou em abril, de forma remota no estúdio que Marun montou em sua casa, em São Paulo. Ele recebeu o convite para participar do teste em fevereiro deste ano, quando o estúdio carioca Som de Vera Cruz, responsável pela dublagem da série da Netflix no Brasil, entrou em contato.
"Fui fazer o teste e quase caí para trás quando vi que era o personagem do Elliot. Demorou quase um mês e o estúdio me ligou de novo, pedindo um novo teste, porque era um papel grande e eu não tinha tanta experiência com dublagem. Para mim, já era uma honra participar da seleção. Fiz um segundo teste com a diretora e passei."
Dublagem começou com 'pontinhas'
Marun nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Clementina. Formado em Letras, começou a trabalhar com tradução para dublagem em 2006.
Em 2011, quando se mudou para a capital paulista, começou a fazer teatro na Escola Macunaíma para seguir um sonho antigo, de ser ator. A dublagem começou em sua trajetória de forma tímida na vida do ator — o primeiro personagem foi um pato, em um desenho animado.
"Comecei a trabalhar com dublagem em 2015. Eu encarava mais como um hobby, fazia uma pontinha ou outra", conta. O primeiro personagem de destaque veio com o jogo "League of Legends" , em que ele faz o personagem Nunu.
Em 2020, com a pandemia, Marun montou um estúdio em casa e começou a perder algumas travas que tinha com a dublagem. O que ajudou também neste processo de desenvolvimento foi a sua transição de gênero, que começou naquele ano — assim como a de Elliot Page.
"Fui me sentindo melhor comigo e fui me desenvolvendo", conta. "Claro que tem uma questão de prática, de entendimento da profissão e de técnica. Mas, além disso, o entendimento de si mesmo ajuda, contribuiu para meu avanço em todas as áreas que atuo."
Além de dublador, Marun integra duas companhias de teatro, a Cia Dom Caixote e a Bendita Trupe, e trabalha com ativismo LGBTQIA +.
Inclusão e representatividade no mercado da dublagem
Marun enxerga que, aos poucos, o mercado da dublagem está mudando para ser mais diverso. Trabalhando na área há 16 anos, primeiro como tradutor e agora, como dublador, ele lembra que a primeira vez que se discutiu publicamente o tema da representatividade foi com o lançamento de "Pantera Negra", em 2018. Com um celebrado elenco quase integralmente de atrizes e atores negros, a versão brasileira do filme da Marvel não tinha um dublador negro.
"Na época, um amigo ativista do movimento negro veio me perguntar como funcionava a escalação e eu contei que era mais pelo perfil da voz do que pelo físico. Então ele me perguntou: ' mas por que não tinha nenhum negro na dublagem?'. E a gente sabe que é porque tem toda uma trajetória, de espaço, de como uma pessoa começa dublar: tem que ser ator, ter uma formação específica, ter acesso. Foi o ponto que me abriu os olhos para isso."
Com esse movimento, ele conta que as plataformas de streaming começaram a exigir dos estúdios brasileiros representatividade no elenco.
"Essa mudança me deixa muito feliz. Tem menos a ver com voz e mais a ver com o espaço. A partir do momento que a gente dá esse passo, essa pessoa tem capacidade de escolher o que ela quer fazer."
Marun conta que já recebeu um ou outro comentário, quando fala sobre o tema, que a dublagem não teria cor ou gênero. Ele rebate: "Os privilégios neste país têm cor e tem gênero, sim. Tem algo errado num espaço que é todo branco, sem pessoas LGBTQIA+".
Em maio, Marun publicou uma carta para Elliot Page em seu Instagram, quando divulgou que faria a dublagem de seu personagem.
Ele conta que ainda não conheceu o ídolo. "Quem sabe um dia, né?"
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