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Dia Mundial do Vitiligo: 'Tive medo da doença, hoje tenho orgulho'

Bruna Sanches sempre teve medo de ter vitiligo, mas descobriu que tinha a doença aos 18 e começou uma jornada para tratamentos antes da aceitação - Bruna Sanches/UOL
Bruna Sanches sempre teve medo de ter vitiligo, mas descobriu que tinha a doença aos 18 e começou uma jornada para tratamentos antes da aceitação
Imagem: Bruna Sanches/UOL

Bruna Sanches em depoimento a Rafaela Polo

De Universa, São Paulo

25/06/2022 04h00

A designer Bruna Sanches, 35 anos, sempre teve medo de ter vitiligo. Quando criança, conhecia um senhor com a doença e as manchas em suas mãos a assustavam. Imagina o susto dela quando, aos 18 anos, foi diagnosticada com a mesma condição na pele. Depois de muitos tratamentos dolorosos e depressão profunda, ela aprendeu a enxergar a doença como algo belo e usa as redes sociais para inspirar pessoas.

Hoje (25) é comemorado o Dia Mundial do Vitiligo. Para marcar a data, Bruna contou toda a sua jornada com a doença para Universa.

"Tudo começou com uma manchinha"

Vitiligo - Bruna Sanches/UOL - Bruna Sanches/UOL
Bruna descobriu que tinha vitiligo aos 18 anos
Imagem: Bruna Sanches/UOL

"Quando eu tinha sete anos, morava em frente a uma mercearia onde eu ia comprar ovos para minha mãe. O dono desse lugar tinha vitiligo na mão e, pra mim, era algo muito assustador. Foi meu primeiro contato com a doença e desde sempre tive medo dela, mesmo sem ter nenhum indício de que a desenvolveria.

Passaram-se anos e um dia, já adulta, acordei para trabalhar e quando fui me maquiar vi uma mancha branca bem no canto da minha boca, pequenininha. Fui dormir sem nada e acordei com ela ali. Me deu um grande desespero e comecei a chorar. Acordei minha mãe, ela me acalmou e disse que procuraríamos uma dermatologista.

Como não conhecíamos nada da doença, tínhamos preconceito. Na época, eu era funcionária de uma farmácia e mostrei minha manchinha para a farmacêutica do local e ela me disse que não era nada, que devia ser boqueira porque eu beijei alguém. Mesmo assim, marquei a dermatologista.

Chegando na consulta, ela colocou uma luz azul no meu rosto e disse: 'Você tem vitiligo. Não pode mais tomar sol, se machucar, usar roupa apertada, pintar o cabelo...'. Muito fria.

A dermatologista ainda disse que era culpa minha, que vitiligo é emocional, que eu tinha que relaxar. E falar isso pra uma menina de 18 anos, que tinha acabado de entrar na faculdade, com os pais passando por um processo de separação bem conturbado, é difícil. Na hora me veio a culpa.

"Tratamentos machucavam demais"

vitiligo Bruna - Bruna Sanches - Bruna Sanches
Imagem: Bruna Sanches

Quanto mais nervosa eu ficava, mais eu despigmentava. Tem muitas clínicas que querem ganhar dinheiro com a dor do outro. As consultas são caríssimas e eu gastava até o dinheiro que não tinha com isso.

Minha família sempre foi muito simples. Meu pai se esforçava para me ajudar e eu, que trabalho desde os 14 anos, usava meu salário para isso. Os tratamentos machucavam demais. Em um deles, eu tinha que voltar na clínica a cada 15 dias e chegava a ter queimaduras de segundo grau no rosto. A doença era muito severa no meu físico e no meu emocional.

Minha vida virou um grande vitiligo. Mesmo com pouquíssimas manchas pelo corpo. Pra mim, não importava a quantidade, mas o fato de saber que eu tinha uma doença sem cura e que eu não controlava meu corpo. A desinformação era muito grande.

Eu não sabia nada, os médicos não me falavam nada e me recomendavam maquiagem de alta cobertura para cobrir as manchas. Era sempre como esconder, nunca como aceitar.

Minha única referência com vitiligo era o Michael Jackson. Só anos depois fui descobrir que existiam tipos diferentes da doença e que, por causa do tipo que eu tenho, eu nunca ficaria toda branca. Na rua, as pessoas me abordavam com receitas ou com nojo mesmo, perguntando o que tinha de errado no meu corpo.

"Caí em uma depressão profunda"

Como é uma doença estética e com essas abordagens que eu recebia, a dor era potencializada. Achei, por exemplo, que nunca teria um relacionamento, que nunca seria amada e que minha vida estava acabada. Tive um namorado por um tempinho e, quando terminamos, ouvi de um parente que ele não ficaria com uma pessoa como eu, que tem vitiligo. Eu tinha 21 anos.

Caí em uma depressão profunda. Eu não conseguia ir trabalhar, tinha crise de pânico, chorava. Fiquei um ano assim e nesse período meu vitiligo aumentou muito. Chegou às minhas mãos e a outras partes do corpo. Só percebi mesmo quando fui me recuperando emocionalmente. Mas já estava bem nítido.

Vitiligo - Bruna Sanches - Bruna Sanches/UOL - Bruna Sanches/UOL
Bruna Sanches começou com uma pequena mancha na boca, hoje elas se espalham por todo o corpo
Imagem: Bruna Sanches/UOL

Quando melhorei, marquei de tomar um suco com um fotógrafo que tinha conhecido em um show. Cheguei na mesa e, antes de qualquer coisa, disse que precisava falar algo bem sério e contei a ele sobre meu vitiligo. Eu sempre andava com as mãos no bolso e as coloquei em cima da mesa. Ele sorriu e pediu desculpa se fosse soar desrespeitoso, mas para ele, aquilo era lindo, que são desenhos que só eu tenho no meu corpo. Ainda falou que adoraria me fotografar.

Aquilo me fez tremer. Foi a primeira vez que alguém olhou para mim com olhar de encanto. Foi chocante. Cheguei em casa em êxtase e fui contar pra minha mãe. Disse que tinha conhecido um cara louco, que tinha chamado meu vitiligo de lindo, que eram desenhos só meus.

Minha mãe, que também estava tentando ressignificar a minha dor, parou de cozinhar e me disse que eu era como aquela cena do filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", em que as nuvens formam desenhos. Pegou uma caneta e começou a riscar minha mão.

"Cheguei a cogitar fazer uma cirurgia"

Aquele momento foi muito simbólico e importante e tudo mudou. Comecei a ver um certo encanto. Eu amo fotografia e comecei a clicar minhas manchas. Comprei uma câmera de filme e fui almoçar com a minha amiga em um parque. Lá, tinha uma jabuticabeira, que tem o tronco todo manchado, e ela disse que era pra colocar minha mãe ali perto porque éramos iguais. Foi a primeira foto que eu fiz.

Ainda assim eu queria me livrar do vitiligo. Eu descobri que existia uma cirurgia que fazia um enxerto. Eles tirariam um pedaço da pele das minhas costas e colocariam em cima de onde está o vitiligo.

Fiz a biópsia, marquei a cirurgia e até avisei no trabalho. Faltando dois dias para o procedimento, me questionei se queria fazer aquilo mesmo. A única certeza que eu tinha era que ia doer. Não dava para garantir o sucesso.

Liguei pro meu pai e disse que estava com dúvida se eu queria fazer a cirurgia mesmo. E ele falou que se eu não sabia, que não era pra eu fazer. Acho que foi naquele dia que eu me aceitei mesmo.

"Passei a enxergar a doença como uma missão"

Fiz um grande post no Facebook no mesmo dia falando da minha doença, dizendo que não tinha tratamento e que é isso que eu sou. Das 500 pessoas que eu tinha no Facebook, umas 400 me escreveram. Abri uma porta para o diálogo que foi muito importante e positivo pra mim.

Naquele dia comecei a montar um Instagram (@minhasegundapele) e um blog para contar minha história. Eu não via ninguém falando sobre vitiligo na internet. Parei de enxergar a doença como um castigo divino, como eu falava, e sim, como uma missão.

Eu tinha que agradecer por ter uma profissão que me colocava em meio a jornalistas e fotógrafos, que me permitia abordar o assunto.

Em 2016, rolou um grande movimento de body positive e comecei a estudar mais sobre o assunto. Também conheci um dermatologista que era realmente sério e não queria ser sacana e nem ganhar dinheiro com a minha doença.

Eu aprendi muito. Fiz vídeos para o Instagram em formato de entrevista e eles também estão no Youtube. Meu foco era levar informação sobre a doença e não ser influenciadora com milhares de seguidores.

É bonito ver como muitas pessoas me procuram e que eu consigo ajudar. Isso faz a diferença. Essa é minha missão, um presente, que me abriu possibilidades e me deixou ser quem eu sou. Sou um vitiligo ambulante e o que era sofrido antes hoje me dá orgulho", Bruna Sanches, designer, 35 anos, de São Paulo