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Klara Castanho também foi vítima violência obstétrica. Entenda

Klara Castanho foi vítima de violência obstétrica  - Instagram/@klarafgcastanho
Klara Castanho foi vítima de violência obstétrica Imagem: Instagram/@klarafgcastanho

Rafaela Polo

De Universa, São Paulo

27/06/2022 15h23

"O profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo", disse a atriz Klara Castanho, vítima de estupro, em uma carta aberta após ter seu caso vazado por portais de fofoca de celebridades. O que ela narra é uma violência obstétrica que sofreu do profissional de saúde que sabia que ela estava grávida vítima de violência sexual durante um exame antes do parto.

Klara escolheu, de forma consciente e dentro da lei, a entrega voluntária direta para adoção dessa criança. A educadora Marianna Muradas, uma das idealizadoras do Instituto Doulas de Adoção e filha via adoção, que atende mulheres que fazem essa entrega voluntária, disse que esse tipo de violência é comum e evitável. "O médico poderia ter abaixado o volume do aparelho. Quem tem que ouvir o batimento do coração é ele. Eu recebo relatos de pessoas da equipe de enfermagem que insistiram para que a genitora amamentasse a criança. Ela não é a mãe, não precisa amamentar", diz.

A enfermeira obstétrica Beatriz Kesselring, do Núcleo Cuidar, de São Paulo, confirma que o sonar, onde é feito esse exame para checagem dos batimentos cardíacos, pode ter seu volume controlado, e o médico pode, inclusive, fazer uso de um fone de ouvido nesses casos. "No visor do aparelho há o número de batimentos por minutos, mesmo que o volume esteja no mínimo, é possível constatar se há batimento cardíaco no feto", diz a profissional.

Violências morais devem ser denunciadas

Mariana afirma que, quando ouve relatos como esses, o Instituto Doulas em Ação incentiva a denúncia do profissional que cometeu a violência. "Apoiamos a denúncia no local de trabalho, no Coren e no CRM, além de acionar a defensoria. É necessário uma reciclagem no sistema de saúde", diz. Para ela, as pessoas ainda enxergam a adoção como um ato de caridade. "A Klara fez todo o processo de forma legal. Quem não a respeitou foi a equipe de saúde", conclui.

Para Beatriz, Klara passou por uma "somatória de abusos e violências morais muito tristes". "Ouvir do profissional que era obrigada a amar o bebê é grave. É um absurdo, uma invasão e um desrespeito", diz.

O que fazer se você for vítima

Para a advogada criminalista Amanda Bessoni Boudoux Salgado, doutora em Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a vítima de violência obstétrica, como foi o caso da Klara, pode entrar com processo em três esfera: penal, criminal e administrativa.

"Se houve a violência no procedimento, há primeiro a parte ética dos profissionais da saúde, que cometeram várias infrações. Ela pode solicitar que o Conselho de Medicina apure a conduta", explica falando, primeiramente, sobre o processo administrativo que pode ser movido nesse caso. "Se houve injúria durante o parte ou atendimento, ela pode estabelecer que o que fizeram foi uma violência ou crime contra honra dela, vai depender de fatos específicos do âmbito penal", diz Amanda. E, por fim, ela pode entrar com pedido de indenização por danos morais, sobre o que foi feito e dito para ela.

O que é difícil nesses casos é o recolhimento de provas, pois geralmente não há gravações do momento em que a violência ocorre. "Normalmente, as provas podem ser apresentadas com testemunhas, que estavam acompanhando a mulher naquele momento, ou até de profissionais que estavam presentes", diz Amanda.

Segundo ela, apesar de sigiloso, o juiz pode solicitar o prontuário médico para ver quais procedimentos foram realizados. "Haverá provas testemunhais e documentais. A fala dela será corroborada com indícios dessas provas", explica a especialista.

De acordo com a Lei, nada do que aconteceu com Klara poderia ter vindo a público. Esse tipo de processo corre em segredo, para a preservação tanto da genitora quanto da criança. "O procedimento é todo sigiloso quando a mulher opta pela adoção, seja ela vítima de violência sexual ou gravidez indesejada", diz Daniella Almeida, especialista em Direito de Família e Sucessões, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Quando há todo esse entendimento jurídico prévio, o processo de adoção não costuma demorar. "Uma vez entregue para a adoção de forma voluntária, esse processo corre de forma muito célere, diferente de quando a criança é vítima de abandono. Não há a necessidade de mover um processo de destituição familiar e a adoção é feita de forma rápida", completa Daniella.