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'Crescidinhos': como é criar filhos no Japão? Brasileiras contam diferenças

Disponível na Netflix, reality "Crescidinhos" é sucesso na TV japonesa há 30 anos - Reprodução
Disponível na Netflix, reality 'Crescidinhos' é sucesso na TV japonesa há 30 anos Imagem: Reprodução

Carolina Torres

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro

29/06/2022 04h00

Sucesso na Netflix, "Crescidinhos", reality show japonês que acompanha crianças pequenas realizando tarefas sem a ajuda dos pais, despertou o debate sobre a autonomia infantil. O programa, que já é transmitido no Japão desde 1990, é reflexo de uma cultura que estimula a independência das crianças desde muito cedo e do alto nível de segurança no país. Universa ouviu mães brasileiras residentes no Japão para entender quais são as principais diferenças na criação dos filhos —e o que podemos aprender com elas.

O primeiro episódio do reality acompanha o pequeno Hiroki, um menino de 2 anos e nove meses, que atravessa um percurso de 2 quilômetros para ir ao mercado. Sua tarefa consiste em, por conta própria, comprar bolinhos de peixe, curry doce e flores e voltar para casa a tempo da refeição.

Hiroki não está completamente sozinho, é claro. Ao longo do caminho, a produção acompanha, escondida, o miúdo atravessar a rua, entrar no mercado, localizar os ingredientes, pagar no caixa, receber o troco, guardar o recibo e voltar para casa. É possível notar que Hiroki, como a maioria de crianças em sua idade, ainda usa fraldas.

Raquel Watari com o marido e as filhas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Raquel Watari com o marido e as filhas
Imagem: Arquivo Pessoal

Mãe de duas meninas, uma de 9 e outra de 2, a brasileira Raquel Watari, que mora há dez anos no Japão, pondera que não é comum ver crianças tão novinhas quanto Hiroki sozinhas na rua. Apesar disso, ela pontua que meninas e meninos a partir dos 5 anos já vão e voltam da escola por conta própria. Os pequenos vão a pé, em grupo, sob os cuidados de uma criança mais velha, que fica responsável pelos menores.

"Se o grupo é da primeira série (6 anos), uma criança da sexta (11 anos), vai auxiliar as menores. Os pais não levam e buscam na escola, apenas em casos muito específicos", afirma. Por vezes, os responsáveis aparecem —em esquema de revezamento— somente nas esquinas com grande movimentação de veículos.

Essa realidade é possível pelo fato de o país ser um dos mais seguros do mundo. Segundo o Global Peace Index de 2022, o Japão ocupa a 10ª posição no ranking de países mais pacíficos do planeta. Para compor o índice, são levados em consideração aspectos como a segurança da população, a existência de conflitos domésticos e internacionais e o nível de militarização da sociedade. Já o Brasil ocupa o 130º lugar no grupo de 163 países analisados.

Ainda que não seja possível permitir filhos pequenos irem sozinhos para a escola, há formas de estimular a autonomia desde cedo que vão além disso. Há 14 anos no Japão, Poliana Kayanuma, moradora de Fukuyama, província de Hiroshima, por exemplo, explica que, dentro das escolas, as crianças são estimuladas a realizar a maior parte das tarefas sem ajuda.

A brasileira Poliana Kayanuma com os filhos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A brasileira Poliana Kayanuma com os filhos
Imagem: Arquivo Pessoal

Eles ensinam as crianças a ter responsabilidade e independência. Desde cedo, por exemplo, a criança de 4 anos aprende a cozinhar na creche. Tem aula de culinária. No Brasil, a gente quer fazer pelos filhos, acha que quando coloca eles para fazer muita coisa está explorando.
Poliana Kayanuma

Outra característica na criação dos filhos que chama atenção das brasileiras é a forma com que os pais conversam com os pequenos, sem tatibitate —um comportamento que estimula o desenvolvimento da fala e da escrita. Residente no Japão desde 2012, Raquel também acrescenta que, ao contrário do que ela via, hoje ela percebe as mães mais carinhosas com os filhos em público.

"Antes era mais difícil ver pais e mães dando mais atenção e carinho para os filhos na rua. Eles deixavam as crianças chorando mesmo que isso estivesse incomodando outras pessoas. Mas atualmente elas conversam, param para ver o que está acontecendo", explica.

Para Poliana, uma diferença marcante é o rigor dos japoneses com a rotina e os horários dos pequenos. "Tem horário para tudo: acordar, comer, brincar, dormir. Aqui as crianças dormem muito cedo. E mesmo nos dias de descanso os japoneses se espantam quando dizemos que os nossos filhos não têm horário", conta.

Pressão no desenvolvimento infantil

Um dos grandes desafios na criação dos filhos brasileiros no Japão é o acompanhamento do desenvolvimento infantil, especialmente na escola e em comparação com crianças nativas.

Poliana Kayanuma com o marido e casal de filhos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Poliana Kayanuma com o marido e casal de filhos
Imagem: Arquivo Pessoal

Mãe de um adolescente de 14 e uma menina de 6, Poliana se queixa do que chama de "padronização" das crianças japonesas.

As diferenças das crianças não são respeitadas. Elas têm que ter determinadas habilidades e competências para aquela idade. Do contrário, eles já acham que há algum problema, um atraso.
Poliana Kayanuma

Para Raquel a comparação com as crianças nativas pode ser frustrante. "Principalmente porque as crianças japonesas se desenvolvem muito mais rápido que nossos filhos. Mas aí a gente precisa lembrar que a cultura é diferente, e não podemos ficar nos comparando", diz.