Com poder, sem punição: por que assediadores não mudam postura no trabalho?
Nesta quarta-feira (29), Pedro Guimarães, então presidente da Caixa Econômica Federal, deixou o cargo após denúncias de assédio sexual feitas por funcionárias da instituição. As denúncias contra Guimarães não foram as primeiras em sua carreira. De acordo com reportagem do jornal O Globo, o executivo, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, já havia protagonizado outros casos há pelo menos duas décadas.
A psicóloga clínica Liliana Seger, doutora em Psicologia Social pela USP (Universidade de São Paulo), afirma que trajetórias como esta são comuns porque, normalmente, o assediador não pratica um ato isolado mas, sim, tem uma conduta de assédio. "O habitual é que essas pessoas façam isso diversas vezes tanto no ambiente da empresa ou em outras relações em que se valem do seu poder — seja financeiro, do cargo, porque ele é o patrão ou qualquer outro tipo de poder."
Guimarães foi acusado de forçar toques íntimos, fazer abordagens inadequadas e convites incompatíveis à relação de trabalho durante viagens e eventos da estatal. As denúncias foram feitas ao site Metrópoles e reveladas na quarta-feira (28). De acordo com a reportagem, os casos estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal e foram ouvidos ao longo de semanas, sob sigilo. Mas, antes disso, segundo a denúncia publicada no O Globo, ele já teria tentado, por exemplo, beijar à força uma funcionária da área de private banking (grandes clientes) do banco Santander em uma festa de final de ano. Ele foi demitido da instituição em 2004.
A psicóloga Liliana Seger reforça que a impunidade, comum nesses casos, facilita a atitude de repetição de assediadores em geral. "Como a punição não vem, o assediador permanece com a mesma conduta em outra empresa porque raramente um caso como o dele tem consequências", afirma.
OIT recomenda afastamento remunerado de vítima
A advogada trabalhista Lúcia Midori Kajino, mestre em Direito do Trabalho pela USP e especialista em assédio moral no sistema bancário, explica que existe uma lacuna na legislação trabalhista que não prevê o afastamento remunerado da vítima nem do agressor em caso de uma denúncia de assédio.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) recomenda que, após um denúncia, as pessoas envolvidas sejam afastadas com remuneração até a apuração interna do caso. Isso seria feito para aplacar o medo da vítima em denunciar — e também abrir espaço para a defesa e apuração dos fatos.
"Essa recomendação é feita para que a pessoa que denuncia não seja obrigada a trabalhar com o assediador. Mas, como normalmente não se segue essa sugestão, a orientação extraoficial é que a vítima procure um médico psiquiatra e peça um afastamento de 40 a 60 dias para não fica exposta a um ambiente nocivo", diz a advogada.
Quando o assediador tiver carteira assinada, em um contrato CLT, ele pode ser demitido assim que denúncias surgirem, mas sem justa causa se os fatos ainda estiverem em fase de investigação. "A demissão com justa causa só pode ser feita quando não cabe mais recurso", afirma Lúcia. Por isso, se a pessoa é demitida, não pode ser feita nenhum tipo de anotação em carteira de trabalho.
A advogada reforça a importância de empresas criarem uma cultura inibidora de assédios. Caso contrário, a empresa também pode ser levada à Justiça.
"Ela também é responsável por manter o trabalho seguro. Ou seja, essas mulheres podem processar a Caixa, independentemente se os seus diretores ou superiores sabiam ou não do que estava acontecendo. A ciência dos fatos vai alterar apenas o grau de culpa da empresa, que pode ser culpa objetiva, se ela não sabia, ou culpa subjetiva, quando tinha ciência e não agiu para impedir o assédio."
Vítima sofre danos físicos e emocionais
A falta de impunidade em casos de assédio sexual em empresas faz com que as vítimas sofram as consequências emocionais e físicas para além do assédio. Os assédios no ambiente de trabalho geram o que é chamado de distresse moral, uma condição de estresse crônico identificada em uma pessoa que vive em uma situação de tensão de forma prolongada. Isso acontece, também, porque na maioria das vezes os assediadores não são punidos. Segundo a psicóloga Liliana Seger o quadro pode envolver gastrite, hipersensibilidade emotiva ou depressão.
Por isso, afirma a psicóloga, é importante que as empresas construam canais seguros em que funcionárias possam relatar a existência do assédio.
"Muitas vítimas acabam não falando por medo da represália e das consequências. A empresa pode contratar psicólogos para ajudar essas mulheres, mostrar que é possível punir assediadores e quais são as formas de fazer isso, os canais que elas podem procurar", orienta a especialista.
Além disso, Liliana recomenda que agressor e vítima sejam afastados de convívio até que a situação seja, de fato, resolvida. "Muitas vezes, a vítima muda de cargo ou vai para outra área, mas continua encontrando com seu assediador. É necessário ouvir a mulher e perguntar como ela está se sentindo com essa situação, porque a angústia pode permanecer."
Como denunciar assédio no ambiente de trabalho?
A advogada trabalhista Lúcia Midori estudou assédio no ambiente de trabalho. Ela afirma que empresas públicas ou privadas que passam por auditorias muitas vezes têm seus próprios canais de ouvidorias e de denúncias.
"A Caixa, por ser um órgão do governo e empresa pública, tem canais como a Corregedoria interna. É muito comum que bancos e empresas preocupadas com compliance tenham canais para fazer esse tipo de denúncia. Em geral, esses canais são anônimos: vai parar em outro ramal e a vítima não precisa se identificar, algo como o Disque 180", afirma.
Em caso de uma empresa em que não existe este tipo de recurso para denúncia anônima e segura, a advogada orienta que a vítima faça a denúncia pelo site do MPT (Ministério Público do Trabalho) ou procure o sindicato da sua categoria.
"Em empresas menores que não passam por auditoria ou não preocupadas com políticas de boas governanças, a vítima pode fazer uma denúncia online, preenchendo o ocorrido e colocando dados do agressor, ou ainda procurar sindicatos — já que os próprios dirigentes certamente têm contato interno com alguém dentro do RH da empresa e conseguem levar adiante a denúncia, sem medo de retaliações ou represálias."
Em todas as situações, é bom procurar um advogado. "O profissional vai conseguir orientar a gravar, tirar prints, ver quem pode ser sua testemunha e quem não pode para construir uma forma segura de denunciar o assédio sexual, seja na esfera criminal e na trabalhista", finaliza.
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