Jovem tem nudes expostas e descobre grupo com robô que estimula vazamentos
Júlia*, estudante de 23 anos do Distrito Federal, há alguns dias, começou a receber mensagens de números desconhecidos no WhatsApp e logo descobriu que fotos íntimas dela, assim como seu nome, endereço, telefone e até mesmo CPF, tinham sido divulgadas em um grupo nas redes sociais. A ação, ela descobriu, é feita com a ajuda de um bot, uma espécie de robô, em um grupo do Telegram, que ensina e estimula homens de todo o país a vazarem fotos e dados pessoais de mulheres.
A princípio, Júlia não acreditou que as fotos fossem realmente dela, mas a situação escalou rapidamente. "Fiquei tranquila, porque achei que as fotos não existiam e que talvez fosse golpe, mas depois que descobri que as fotos eram minhas. Entrei em desespero, senti vergonha, tive medo de contar para minha mãe", conta em entrevista a Universa.
Em pouco tempo, um pesadelo se instalou na vida da estudante. Algumas das mensagens, enviadas para ela de diversos DDDs, vinham com o "alerta" da exposição. Outras, com ataques misóginos falando do corpo da jovem.
Os ataques online logo causaram efeitos na vida pessoal da estudante, que passou a pensar duas vezes antes de sair de casa por medo.
Confesso que tenho certo medo de ir em bares ou festas e algum desses meninos do grupo me reconhecer e me assediar, mas eu senti mais medo ainda quando me contaram que tinham dados meus e queriam me hackear.
Júlia
Após pelo menos outras três pessoas mandarem mensagens e prints no WhatsApp, ela descobriu que as imagens tinham sido divulgadas por um bot chamado "Dark Secretinho" no Telegram.
"O que este bot pode fazer? Se você deseja entrar no novo club, envie algum vazamento com insta e nudes da mina aqui", diz a mensagem fixada do bot na plataforma. Ele pede, ainda, uma transferência de R$ 10 via pix para que os usuários possam receber o conteúdo vazado na rede social.
Um dos membros do grupo chegou a enviar à estudante informações sobre o interesse dos participantes em invadir as redes dela.
"Eles estavam planejando invadir suas coisas, hackear você. Conseguiram até uns dados seus", disse. Junto ao "aviso", o homem encaminhou à vítima uma espécie de lista, que parecia "padrão" para identificar mulheres expostas no grupo. Entre os dados pedidos estão endereços, números de telefone, nome dos pais e até mesmo o número de PIS (Programa de Integração Social) da vítima.
Na noite desta quinta-feira (29), o bot do Telegram que expunha as mulheres continuava a funcionar normalmente. A jovem de 23 anos, por sua vez, tenta seguir a vida enquanto aguarda resposta das autoridades.
"Troquei todas minhas senhas, e-mail, redes sociais, coloquei autenticação de dois fatores em todas as redes e e-mails e contei para minha mãe, que foi super solícita. Também comentei com amigas mais próximas. Elas nunca passaram por isso, mas me deram apoio", lembra Júlia.
O que fazer em situações do tipo?
A desembargadora Ivana David, coordenadora do curso de Pós-Graduação em Direito Digital do Meu Curso Educacional, aponta que em situações do tipo é necessário guardar o máximo de informações possíveis e levar os dados até a polícia.
"Normalmente, a primeira coisa que a vítima sente é vontade de apagar as mensagens, imaginando que com isso ela vai resolver o problema, mas ela não vai. Ela tem que gravar todos os contatos, as informações, fotos, mensagens que ela receber e entregar isso à autoridade policial, porque essa é a única forma de, eventualmente, a autoridade policial conseguir chegar até o grupo criminoso", explica a Universa.
A especialista conta que, no caso da jovem do Distrito Federal, dois crimes diferentes podem ter ocorrido: o primeiro, se alguém com quem ela compartilhou as fotos em um momento de intimidade as divulgar para outras pessoas, está previsto no artigo 218-C do Código Penal.
O artigo prevê de um a cinco anos de reclusão para quem "oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar" cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima.
Caso as fotos tenham sido retiradas do celular da jovem sem que ela tenha compartilhado com ninguém, a pessoa que o fez pode responder por invasão de dispositivo eletrônico, crime previsto no artigo 154 do Código Penal.
Além das penas pelo compartilhamento das imagens, a desembargadora lembra que todos os que estão presentes no grupo do Telegram também podem ser penalizados.
"Todos estão praticando crimes. Não só invadir o dispositivo e ter acesso às fotos íntimas, como, eventualmente, compartilhar essas fotos, é conduta criminosa. Se houver menores de idade expostos, existe também uma tipificação criminal no Estatuto da Criança e do Adolescente, que dá pena até mais grave", afirma.
Quem é vítima de crime do tipo, inclusive, também tem direito a receber indenização.
Independentemente do lado criminal, a vítima também pode entrar com uma ação de danos morais e até de danos materiais exigindo uma quantia em dinheiro quando o autor do crime for identificado. A gente tem casos concretos de vítimas que caem em depressão, de vítimas que tentam suicídio porque não conseguem retomar a vida, a dignidade, de novo após um crime do tipo. Nós temos a garantia constitucional da dignidade humana. Esse tipo de crime mexe com o psicológico da vítima.
Ivana David, desembargadora
Universa tentou por duas vezes contato com o advogado do Telegram no Brasil, Alan Elias Thomaz, mas não recebeu qualquer resposta até o momento.
A assessoria de imprensa da companhia, que funciona por meio de um bot no próprio aplicativo, também foi procurada em busca de informações e não deu qualquer posicionamento sobre o assunto.
A Polícia Civil do Distrito Federal também foi procurada por Universa em busca de informações sobre como investigações do tipo são realizadas, mas se limitou a informar que o caso é investigado pelo 21º DP.
"Devido à natureza da ocorrência, por se tratar de intimidade da vítima, não é possível passar detalhes do caso", afirmou, em nota.
*Nome fictício para preservar a segurança da jovem
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