Advogadas de Patrícia Campos Mello: 'O trocadilho raso do presidente'
Esta é a versão online da edição desta sexta-feira (1/7) da newsletter de Universa, que traz o artigo de opinião de Mônica Galvão e Tais Gasparian, advogadas da jornalista Patrícia Campos Mello. Assinantes UOL podem ter dez newsletters exclusivas toda semana
Nesta quarta (29), uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) trouxe alento para as mulheres brasileiras:o presidente Jair Bolsonaro (PL) não só foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello por tê-la ofendido, como o valor a ser pago foi reajustado para R$ 35 mil (na decisão em primeira instância, o montante fixado era de R$ 20 mil). Bom lembrar que a defesa do presidente ainda pode recorrer da decisão.
Para quem não lembra, o presidente fez um trocadilho, raso, em que acusava Patrícia de se insinuar sexualmente para obter informações jornalísticas. Ele falava a seus apoiadores lá no cercadinho. Ali, ninguém se constrangeu.
Patrícia não é a única jornalista brasileira vítima de ataques de cunho machista e sexual. Há até um coletivo para tratar do assunto. Mas, por ter sido atacada pela máxima autoridade do país, seu caso se tornou exemplar.
Universa convidou as advogadas Mônica Galvão e Tais Gasparian, que defenderam os interesses da jornalista na ação, para escrever um artigo de opinião sobre o caso. Leia a seguir:
O presidente e o trocadilho raso
"Acontecimentos recentes parecem ter colocado à prova as conquistas femininas das últimas décadas em inúmeras frentes. Para ficar em alguns poucos exemplos, uma menina teve dificultado o acesso ao aborto legal, uma atriz foi exposta e julgada por ter optado por entregar para adoção um filho que gerou após um estupro e, não bastasse, vieram a público denúncias de assédio sexual supostamente praticado pelo Presidente da Caixa Econômica Federal contra diversas servidoras de carreira da instituição.
Neste contexto, fica evidente a relevância do julgamento realizado pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que analisou pedido de indenização formulado pela jornalista Patrícia Campos Mello contra ninguém mais, ninguém menos, que o Presidente da República. A jornalista questionou declaração do Presidente Jair Bolsonaro que tentou desmerecer seu trabalho com ofensas de cunho sexual. Segundo a decisão proferida ontem, o Presidente "afirmou que a autora havia se insinuado sexualmente para terceiro, depoente da CPMI das Fake News, em troca de informações privilegiadas (....) constrangendo-a por meio de trocadilho raso de cunho sexual, em evidente jogo de palavras". Os julgadores não se furtaram a reconhecer a ilegalidade da conduta do Presidente e determinaram o pagamento de indenização à jornalista. E mais: aumentaram a indenização que já havia sido fixada em primeira instância de julgamento.
A conduta do Presidente foi de fato assombrosa, incompatível com a compostura que se espera do ocupante do principal cargo do Poder Executivo, e o Tribunal paulista andou muito bem ao estabelecer que houve inaceitável ofensa à honra da jornalista. Afastando-se de qualquer consideração de ordem política ou ideológica, os juízes recusaram as justificativas que buscavam se apegar ao sentido meramente literal das palavras do Presidente e estabeleceram, com base no contexto, "que não se tratou de uma fala inofensiva". De fato, ao observador minimamente atento da cena que gerou o pedido de indenização, fica claro que o "furo" a que se referiu o Presidente, de forma nitidamente irônica, não era um "furo jornalístico". O "trocadilho raso" gerou risos gerais, o que serve para ilustrar a complacência da sociedade para com esse tipo de ofensa. A decisão, ao reconhecer o preconceito arraigado na fala presidencial, estabelece um padrão de responsabilidade e de proteção para todas as mulheres, contra ofensas vindas de onde quer que seja.
Deve-se lembrar que a ofensiva contra Patrícia não se limitou ao Presidente: o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, o deputado Estadual André Fernandes, e o blogueiro Allan dos Santos, hoje foragido da justiça brasileira, entre outros tantos anônimos, também recorreram a falas misóginas na tentativa de minar a credibilidade da jornalista.
Ao rechaçar a tentativa do Presidente de caracterizar sua fala como regular, a decisão finca os pés da realidade, e analisa os fatos tal como realmente aconteceram. Corajosamente, e sob relatoria da Desembargadora Clara Maria Araújo Xavier, e acompanhada por mais outros três desembargadores, a 8ª. Câmara reconheceu a intenção de ofender, com a utilização de expressões misóginas e machistas. Não se furtou de considerar a situação específica das mulheres na sociedade, as dificuldades que enfrentam especialmente quanto ao reconhecimento de sua capacidade profissional, e o corriqueiro recurso às ofensas sexuais como uma forma de desmerecer-nos.
A força dessa decisão certamente servirá para apoiar mulheres em inúmeros outros casos e a barrar a inaceitável tendência de reduzir as garantias de direitos fundamentais das mulheres, obtidas a duras penas.
Da decisão proferida, cabe recurso. E cabe a cada uma de nós, mulheres, acompanhar o desfecho desse processo que estabelece um precedente que, um dia, poderá ser necessário para qualquer uma de nós."— Mônica Galvão e Tais Gasparian
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