Homem pode acionar a Lei Maria da Penha? Advogadas dizem que não
Nomeada à presidência da Caixa Econômica Federal no lugar de Pedro Guimarães, que saiu do cargo nesta semana após denúncias de assédio sexual, a economista Daniella Marques entrou na Justiça em 2019 contra o ex-companheiro após um episódio de violência doméstica. A informação foi confirmada pelo Blog da Andréia Sadi, por meio de uma nota oficial enviada pela defesa de Daniella (leia a íntegra abaixo).
O inquérito foi arquivado pela Justiça do Rio de Janeiro, mas, em 2020, o ex-marido entrou com uma ação contra Daniella pelo mesmo motivo. Segundo a revista "Veja", ele acionou a Lei Maria da Penha alegando ter sofrido agressões —e, por ser ex-companheiro da economista e sob argumento de que a lei já foi aplicada em casos de casais homossexuais, sua defesa diz ter direito ao mecanismo.
Só que advogadas especializadas em gênero ouvidas por Universa afirmam que um homem, nessa situação, não se enquadra na Lei Maria da Penha. A advogada Ana Paula Freitas, que trabalha em um escritório especializado no atendimento a mulheres e causas raciais, explica que a legislação, criada em 2006, foi idealizada para coibir a violência de gênero —e, por isso, foi estendida, por interpretação de alguns juízes, a casais homossexuais.
"Mas de forma alguma cabe um homem contra uma mulher. Ela é o público da lei. Caso ele queira processar por qualquer agressão, ele deve seguir o caminho comum", explica a advogada.
"Quando se trata de violência doméstica entre homossexuais, podemos falar em violência de gênero. Nesse caso [do marido de Ana Paula] não há violência de gênero contra ele. É o mesmo que falar em racismo reverso: não existe", afirma. "A Lei Maria da Penha só deve ser aplicada para a proteção de mulheres e de acordo com a jurisprudência para casais homossexuais", pontua.
A advogada Mariana Vilela, especializada em direitos da mulher e estudante de psicanálise, afirma que o uso do mecanismo da Lei Maria da Penha por um homem contra uma mulher deturpa o sentido da legislação.
"A Lei Maria da Penha foi uma conquista do combate à violência contra a mulher. Esse mecanismo foi criado reconhecendo a existência de uma desigualdade de gênero e de uma relação de poder e privilégios do homem, além de reconhecer o machismo e a misoginia existentes na nossa sociedade. Então, a lei não pode ser aplicada em favor de um homem contra uma mulher. Ela é muito clara quanto ao combate da violência de gênero."
"Já houve aplicações para caso entre mãe e filha, vizinha e vizinho e outras adaptações conforme o que está acontecendo, porque o direito vai interpretar e aplicar as leis de acordo com o juiz ou a juíza", afirma. Em abril deste ano, por exemplo, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais —reconhecendo que esse público também é alvo de desigualdades de gênero.
"Mas um homem, que alega ter sido agredido, pode e deve acionar a Justiça por outros caminhos. Ele pode se valer do Código Penal no crime de agressão, se de fato tiver sido vítima. Mas não pode se beneficiar da Lei Maria da Penha."
Para a advogada, homens com alto poder aquisitivo e acesso jurídico utilizam da "criação de teses inovadoras" para retaliar mulheres que os denunciam por violência de gênero, o que é chamado de assédio judicial. Segundo a advogada, é comum esse contra-ataque jurídico a mulheres que denunciam violência doméstica.
"Quando um homem tem poder econômico e acesso a mecanismos jurídicos, sua defesa consegue emplacar esse tipo de tese, fazendo retaliação ao entrar com novos processos. É bastante corriqueiro, e esse tipo de assédio judicial foi bem discutido durante o caso da Mariana Ferrer [blogueira que denunciou estupro em 2018]."
Veja a nota oficial publicada pelo G1:
"Em março de 2019, Daniella Marques foi vítima de violência doméstica durante discussão com seu ex-companheiro, episódio que gerou contra ele medidas protetivas, que duraram até cerca de setembro de 2019.
No final de 2019, o inquérito contra seu ex-companheiro foi arquivado, e as medidas protetivas, revogadas.
Em 2020, porém, uma petição sigilosa foi protocolada pela defesa do seu ex-companheiro pedindo que fosse aberta investigação contra Daniella Marques, o que foi deferido.
Hoje, então, Daniella é alvo de um inquérito que investiga fatos do qual foi vítima, renovando a violência contra a mulher".
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