'Aos 48, engravidei de gêmeos após anos lutando contra a infertilidade'

A médica cardiologista Ana Marice Ladeia passou 14 anos tentando engravidar com ajuda da fertilização in vitro. Até os 34 anos, mesmo sem usar métodos contraceptivos, ela e o marido não tiveram sucesso, então ela procurou especialistas em reprodução humana. Foi em vão: apesar de diversas tentativas em clínicas brasileiras e na Europa, a gravidez nunca chegou.

Foi apenas aos 48 anos, quando uma clínica na Espanha que ainda tinha três embriões seus congelados disse a ela que só tinha mais um ano para usá-los, que Ana resolveu dar uma última chance à fertilização. Àquela altura, já era mãe de Mathias, seu filho adotivo que, segundo ela, tem o DNA de sua alma. Mas, desta vez, o tratamento funcionou: e eram gêmeos.

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Hoje, aos 61 anos, a médica, mãe e escritora —ela acaba de lançar um título na Bienal do Livro— conta a Universa a sua jornada da maternidade —e como não deixa os filhos se esquecerem de que ela também tem outros lados além do de mãe.

"Comecei a tentar engravidar aos 34 anos, quando minha carreira como médica cardiologista já estava estabilizada. Tentei diversas vezes no Brasil, na Espanha e na França, mas nunca consegui. Na França porque tinha morado lá, e na Espanha porque nos recomendaram uma boa clínica e meu marido tem cidadania espanhola.

Em tentativas, gastei o equivalente a um apartamento de luxo em fertilizações in vitro, mas não tive sucesso. Uns dias após o meu aniversário de 48 anos, a clínica na Espanha, que ainda tinha meus embriões congelados, me avisou que, por lei, eles só poderiam guardar meus embriões até que eu completasse 49 anos. Em uma viagem a trabalho para um congresso, eu os implantei. Como não tinha esperanças, não segui as regras recomendadas pelo laboratório. Voltei ao Brasil e descobri que desta vez tinha funcionado: eu estava grávida de gêmeos.

Foi aos 34 anos que comecei a pensar sobre maternidade. Antes disso, não tinha essa preocupação. Eu estava investindo na minha carreira profissional. Me formei em medicina, fiz residência em cardiologia, fiz mestrado, morei por um ano na França e, quando retornei ao país, ingressei direto no doutorado.

Eu e meu marido, casados há cinco anos, não usávamos métodos contraceptivos, mas ainda assim não conseguia engravidar naturalmente. Por isso, resolvi tentar a fertilização in vitro. Na primeira, em Salvador, não engravidei. Mas ainda podíamos fazer outras, então fomos tentando. Sempre que eu ouvia que existia um serviço bom, eu procurava o local. Fiz tentativas em Ribeirão Preto, em São Paulo e na França. Nenhuma delas funcionou.

Quando eu já tinha mais de 40 anos resolvi fazer uma tentativa na Espanha. Meu marido tem cidadania por ser neto de espanhóis. Havia uma clínica com boas referências lá, então fomos a mais uma tentativa. Conseguimos cinco embriões. Implantei dois e deixei três congelados. Mais uma vez, não deu certo. Conversando com meu marido, chegamos à conclusão de que talvez o meu caminho de ser mãe não fosse gerando uma criança. Decidimos pela adoção.

Durante esses seis anos de tentativas eu gastei o equivalente a um apartamento de luxo. As medicações são caríssimas, as viagens também. Eram muitos custos, mas como não tínhamos filhos, podíamos usar esse dinheiro para investir em nosso objetivo. Sempre foi muito frustrante.

Chegou um momento em que eu estava psicologicamente exausta. Quando é feita a implantação, você se sente grávida por 14 dias. Existe um embrião, você está cheia de hormônio e aí, chegando no 12º dia, o sonho acabava.

Vivi momentos em que as minhas cunhadas, que nem eram casadas e nem estavam planejando, davam a notícia de que estavam grávidas. Cada um tem uma história, mas as pessoas ao seu redor não têm noção e nem sempre têm a sensibilidade de saber como aquilo dói. Havia momentos de choro, mas também tinha esperança. Sempre fica aquela sensação de que você pode tentar mais.

Eu queria um filho no braço, não importava que ele não tivesse vindo da minha barriga. Comecei a trabalhar isso na terapia. Na minha família, já tinham casais que tinham adotado. Era uma ideia agradável para mim, não uma opção de consolo. Eu estava cansada, do ponto de vista físico e psicológico, de passar por tanto sofrimento.

'A história da adoção do meu filho é muito linda'

O Mathias, que hoje tem 15 anos, tem o DNA da minha alma. Eu estava muito feliz com a minha maternidade e as pessoas ao meu redor viam essa transformação astral. Mas, quando eu completei 48 anos, e Mathias tinha em torno de dois, recebi uma carta da clínica onde meus embriões estavam congelados na Espanha dizendo que, devido às leis do país, eles só poderiam manter meus embriões congelados até os meus 49 anos. Caso contrário, eu teria de doá-los para algum casal, para estudos ou descartá-los. Como eu estava indo para um congresso em Barcelona, não me custava nada fazer a implantação.

Eu não tinha esperanças de engravidar, mas se tivesse alguma chance, mesmo que fosse mínima, preferia perder meus embriões tentando.

Fiz várias atividades que não eram recomendadas. Me pediram para não carregar meu filho no colo, mas ele tinha pouco menos de três anos. Isso era inviável. Pediram para eu não entrar no mar, mas parte da minha viagem seria em Palma de Mallorca, não tinha sentido ir até lá e não entrar no mar. Cometi algumas transgressões, confesso.

Quando voltei ao Brasil, fiz o exame de sangue para saber se tinha engravidado. Não queria nem olhar o resultado, afinal, nunca tinha dado certo. Meu marido, quando viu, não acreditou. O meu Beta HCG estava em 1200. Nesse momento já pensei que poderia estar grávida de gêmeos. Confirmei com o ultrassom. Nesse momento até fiquei meio apavorada, eu era muito magra, tinha 1,71 m e pesava 55 Kg.

Deu tudo certo. Meus filhos nasceram com 34 semanas, cada um pesando cerca de 2 Kg. Nasceu um casal, ainda teve esse prêmio: Arthur e Anaïs, que hoje têm 12 anos. Em menos de três anos saí de zero para três. E eu brinco que pinto o cabelo para não acharem que sou a avó deles —completei 61 anos na última sexta-feira (8).

Minha intenção era fazer uma festa para celebrar essa data. Mas, por motivos de pandemia, não pude. Então resolvi escrever um livro. Sempre li muito desde a minha infância e aos 12 anos já estava escrevendo livros de poesia e compartilhando com meus primos mais velhos. Mas, quando entrei em medicina, deixei a escrita literária de lado.

'Escrevi um livro de contos sobre relacionamentos'

Na pandemia resolvi reencontrar esse meu lado e escrevi meu primeiro livro de contos com histórias sobre relacionamentos. Eu escrevi baseado no depoimento que as mulheres me deram de forma espontânea. Uma vez, enquanto fazia compras em uma loja de eletrodomésticos, encontrei um casal e perguntei se elas poderiam me contar a história de amor delas, que começou com um match no Tinder. Cada uma falou o seu lado. Foi uma experiência muito rica e terapêutica. 'Do Amor e do amar —Histórias de mulheres reais como você' (Scortecci) foi lançado na Bienal do Livro de São Paulo.

As pessoas me perguntam como eu dou conta. Quando meus filhos chegaram em minha vida, minha carreira já estava estabelecida, mas eu também não podia deixar de ser quem eu era. Para os meus filhos, sou mais mãe do que cardiologista, mas também tento passar uma imagem de uma Ana Marice que vai além do papel materno."

Ana Marice Ladeia, 61 anos, cardiologista, de Salvador (BA)