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Podcasters lançam livro sobre crimes reais: 'Nosso público é 75% feminino'

Carol Moreira e Mabê Bonafé são as autoras do livro "Modus Operandi: guia de true crime" - Jessica Liar
Carol Moreira e Mabê Bonafé são as autoras do livro 'Modus Operandi: guia de true crime' Imagem: Jessica Liar

De Universa, São Paulo

10/07/2022 04h00

Se você, às vezes, fica confusa com alguns termos dos livros de mistério, Mabê Bonafé e Carol Moreira, autoras de "Modus Operandi: Guia de True crime" (Intrínseca), vão te ajudar. Lançado recentemente, o título ficou na lista dos mais vendidos da editora da Bienal do Livro de São Paulo e promete tirar todas as dúvidas quando o assunto for termos do universo de true crime.

Amantes do gênero, antes de se arriscarem na literatura, elas lançaram em 2020 o podcast Modus Operandi, onde cada episódio narra os desdobramentos de crimes famosos. Em entrevista ao Universa, as autoras contaram o que ainda as choca nessas histórias e como o comportamento da sociedade é decisivo nos tipos de crimes cometidos.

UNIVERSA Por que vocês decidiram escrever um livro?
Mabê:
Antes de escrever, começamos o podcast. Nós já éramos fãs de documentários e séries de true crime e ficávamos conversando sobre isso meio frenéticas. Em 2016, tive a ideia de fazer um podcast, quando essa mídia ainda não tinha se popularizado tanto, mas que já contava com grandes produções. A Carol, de cara, negou, mas em 2018 ela acabou topando a ideia e começamos a nos organizar. 2019 foi um ano todo que passamos pensando em cada pedacinho do podcast, que nasceu em 2020. Não conhecíamos tantas pessoas que falavam sobre isso e queríamos poder conversar entre amigas.

Entre todas as histórias que vocês já contaram, qual foi a que mais surpreendeu?
Carol:
É difícil dizer porque temos um choque em cada história nova. Mas acredito que o mais surpreendente seja ver o que as pessoas são capazes de fazer com outras. Por exemplo, no caso da Natacha Campouche. Um homem sequestrou uma criança e a deixou presa em um porão por anos. O que essa pessoa tem na cabeça? O que choca é a psicologia da coisa, de como alguém é capaz de tal atitude.

É verdade que as mulheres são mais fascinadas por true crimes?
Mabê:
A audiência é majoritariamente feminina - nosso podcast, chega a 75% - e a gente acaba vendo muitas mulheres envolvidas nas produções de true crime. A maioria dos podcasts do Brasil sobre o assunto são comandados por mulheres. E é uma realidade que também vemos em outros países.

Nossa teoria mistura de várias coisas. Um pouco do fascínio e da curiosidade humana pelo crime em si, mas que também tem algo em busca de proteção. As mulheres também são maioria entre as vítimas que ouvimos falar e que pesquisamos. Consumir esse conteúdo pode ser uma forma de nos fazer sentir mais seguras, porque conhecendo as artimanhas e a maneira como a vítima é atraída, ou como escapa, você pode se sentir preparada para evitar que casos assim aconteçam com você,

Estudar intensamente toda essa violência contra mulheres afeta vocês?
Mabê:
Sempre afeta porque sentimos que é uma realidade em todos os países e que os true crimes, de uma forma geral, fazem as mulheres vítimas. Não tem como não nos tocar. Isso nos sensibiliza, mas não de uma maneira que nos impeça de produzir. Se nos afetasse completamente, não daríamos conta do podcast que tem um episódio novo por semana. Já falamos de mais de 150 histórias. Temos um distanciamento natural, quase como um jeito jornalístico de ver as coisas: contei essa história e acabou. Temos uma forma profissional de analisar.

Modus Operandi: guia de true crime (Intrinseca) - Divulgação - Divulgação
Modus Operandi: guia de true crime (Intrinseca)
Imagem: Divulgação

Existe uma narrativa mais comum nessas histórias. Do homem predador poderoso e das mulheres as vítimas. Isso é um estereótipo?
Carol:
Não, geralmente é isso mesmo.
Mabê: Pelo o que lemos e estudamos, mulheres serial killers foram raras. Mas sempre falamos que a maldade não está só no homem. Qualquer pessoa é capaz de cometer um crime cruel.

Inclusive, em true crime, muitos falam que as mulheres são mais, ou igualmente cruéis, que os homens. Porque como elas não necessariamente utilizam de força, usam técnica como dar veneno para a vítima enquanto a veem agonizando. O que é horrível. Não dá para comparar, mas de uma forma geral, as mulheres são as maiores vítimas. Mas também são capazes de cometer atrocidades. Qualquer pessoa pode, não é o gênero que define isso.

De certa forma, falando desses crimes, vocês sentem que dão voz às vítimas?
Carol:
Sim. Inclusive é algo que prezamos muito em nossos roteiros. Temos que ter um cuidado com as famílias e com o jeito que falamos para ser sempre respeitosas. Os crimes são reais, não inventamos nada da nossa cabeça. E até o criminoso tem uma família que pode estar assustada ao saber que o pai ou marido, por exemplo, estava cometendo crimes horríveis. E também não deixamos nenhuma vítima invisível. Damos nomes a elas e deixamos claro o que elas faziam, mesmo que sejam muitas.

Um dos casos emblemáticos que vocês revivem no podcast foi o crime cometido por Bruno Fernandes, então goleiro do Flamengo, que foi condenado pelo assassinato da então namorada, a modelo Eliza Samudio. Fazendo uma análise dos crimes, principalmente no Brasil, vocês acham que o machismo é determinante para que muitos deles aconteçam?
Mabê:
Você não consegue falar dos crimes sem dar o contexto histórico da sociedade e do momento que ela está vivendo. Por isso, sempre que contamos um crime, tentamos explicar o ambiente da época.

Casos como esses são comuns pelo contexto da nossa sociedade. Por mais que tenhamos conquistado vários direitos em relação ao passado, ainda não é tão simples assim. Algumas mulheres, inclusive, seguem com mais direitos que outras. A população negra e pobre é mais vulnerável.

De uma forma geral, os crimes refletem a sociedade que vivemos. Se a sociedade é racista ou machista, vai implicar nos crimes também. Por isso é importante fazer análises de forma correta, para que a gente consiga inibir a violência, olhar para essas vítimas e construir políticas públicas que as englobam.

É só olhar a importância da Lei Maria da Penha e tudo o que ela conquistou. Trouxe dignidade de verdade para todas as vítimas. Temos que ter um olhar analítico para achar formas de amenizar essas tragédias.

Cerca de 75% da audiencia do podcast de Mabê e Carol é composta por mulheres  - Jessica Liar  - Jessica Liar
Cerca de 75% da audiencia do podcast de Mabê e Carol é composta por mulheres
Imagem: Jessica Liar

Qual a diferença do livro para o podcast?
Carol:
Eles são diferentes, mas se completam. O livro é um guia. Passamos por várias palavras que são ditas em true crimes e ajudamos a esclarecer.

Hoje, por exemplo, eu estava vendo a mudança na prescrição da lei de crimes de abusos domésticos, como é o caso da Evan Rachel Wood. Aí você se questiona: 'o que é prescrição?'. Lendo o livro, você aprende. Uma coisa conversa com a outra, mas o livro te deixa mais apto para experiências com todos os tipos de conteúdos true crime. A ideia é aprender coisas novas para usar.

O que foi mais legal no processo de escrever o livro?
Carol:
Aprendemos muito, pois tinham muitas coisas que não sabíamos, ou sabíamos só um pouco por causa do podcast. Nos aprofundamos em vários temas, na parte jurídica, de transtornos mentais. Falamos com psicólogos e policiais. Aprendemos tudo com mais detalhes, foi muito rico. Somos jornalistas, não peritas ou psicólogas.

Então, no que o livro de vocês se diferencia de outro sobre o tema?
Mabê: Acho que é um guia que passa por diversos temas. Falamos sobre o sistema judicial carcerário, da investigação, de serial killer? Ele enriquece a experiência de uma pessoa que quer consumir conteúdos de true crime.

Vale até para quem é fã de séries como "Law & Order" e "CSI". Vemos nesta série várias coisinhas que não entendemos. Qual a diferença de um xerife para outro policial, por exemplo? O livro traz curiosidades e informações para quando a pessoa estiver consumindo esses conteúdos ter uma experiência mais legal.