Ela sofreu abuso sexual em hospital, há 30 anos: 'Revivi minha história'
Após a prisão do médico anestesista Giovanni Quintella, na última segunda-feira (11), detido em flagrante por estuprar uma paciente sedada durante uma cesariana, outras mulheres recordaram o sentimento de impotência e vulnerabilidade com a exposição do caso.
Iaci Belo, professora de biologia aposentada, de Belo Horizonte (MG), passou pela mesma situação. "Eu revivi a minha história", conta ela, que foi sedada e abusada por um médico anestesista enquanto estava deitada em uma cama hospitalar, durante um procedimento de curetagem.
No início de 1991, há pouco mais de 30 anos, Iaci dava entrada no MaterDei, conceituada rede hospitalar da capital mineira. Depois de anos tentando engravidar e se submetendo a processos de inseminação, seu sonho de ser mãe aconteceu, mas foi interrompido por um aborto espontâneo.
"Eu considero o pior dia da minha vida, foi um abalo, uma tristeza indescritível", relata ela, que, além do processo da curetagem, foi abusada em um momento em que tudo o que ela precisava era de apoio e proteção.
Quando eu estava voltando da sedação, acordei sentindo uma pessoa me tocando, me beijando com uma certa força. Achei que já tivesse voltado para o quarto e que fosse o meu marido. Fiquei com raiva e falei 'Nossa, eu tô mal'.
Até que ela abriu os olhos, viu que não estava no quarto e o pior, ela não estava na companhia do seu marido, mas sim do anestesista: "Eu não tinha muita força de reação, eu ainda estava dopada, eu só tentava virar a cabeça", relembra.
Ele passando a mão no meu corpo todo, nos meus seios, beijando tudo, uma coisa nojenta. Ele agarrava meus seios, meu pescoço.
Já no quarto, Iaci contou o que aconteceu e tentou ser acalmada por todos à sua volta: 'Você deve ter sonhado', disseram. E ela estava convicta de que não tinha sido um sonho, mas um grande pesadelo. Ela foi desencorajada a denunciar, afinal, seria sua palavra pós-sedação contra a do médico renomado da cidade.
Diretor do hospital a descredibilizou
O diretor do hospital na época ouviu sua denúncia e a descredibilizou, já que o "tal médico anestesista" tinha feito o parto de suas filhas e "era ótimo".
Como Iaci estudou medicina até o quarto ano, ela tinha amigos na área da saúde e desabafou com um deles. Quando falou o nome do médico, ela teve certeza de que seu pesadelo era mais do que real: "Você não sonhou, não, a gente não tem provas, mas já ouvi vários relatos. Você não é a primeira, vivem reclamando dele, mas ninguém consegue fazer nada", contou o amigo médico.
A mesma confirmação veio de algumas amigas do trabalho. Após 15 dias sem levantar da cama e um período de depressão, Iaci voltou aos poucos à rotina e contou para algumas amigas o que tinha passado. "Quando falei o nome dele uma delas disse que uma pessoa já tinha ido atrás desse cara, já que a cunhada também havia se queixado, mas também não tinha provas."
'Não me calei'
Iaci não queria ser mais uma: "Eu não me calei", diz. Ela contou que fez uma carta para o hospital e para o Conselho Regional de Medicina: "E ficou por isso mesmo". Passados uns 30 dias após a queixa, uma ligação foi feita para o pai de Iaci —já que seu nome estava na carta e ele é um dentista conhecido na cidade.
Alguém do Conselho Regional telefonou para o meu pai falando assim: 'Ah, fala com ela para retirar essa queixa que isso é bobagem, que isso não vai dar em nada, que não faz sentido ela reclamar desse médico tão famoso.
Seu pai foi firme, disse não aceitar e eles comunicaram: "Ele recebeu uma advertência verbal". Desde então, ela não tocou mais no assunto, até que o anestesista do Rio de Janeiro foi preso.
"Subiu uma revolta, como se viesse à tona tudo aquilo que eu vivi há mais de 30 anos", conta Iaci, explicando a vontade que sentiu de contar, para que seu depoimento pudesse ajudar outras pessoas.
Não é porque é um hospital do SUS, acontece nos hospitais chiques também. Resolvi falar depois de 30 anos, porque eu acho que isso, de certa forma, pode ajudar as pessoas.
Após o desabafo, inicialmente feito em sua rede social, Iaci contou se sentir reconfortada com as mensagens de apoio de familiares —que já sabiam da história—, amigos e ex-alunos.
'Corporativismo médico'
"O corporativismo médico é uma coisa que realmente acontece", afirma Iaci que, para sua surpresa e revolta, como sinalizado por ela, fez uma descoberta: "Eu resolvi procurar o nome dele na internet e ainda o vi sendo homenageado pelo hospital. Se ele fez isso comigo, ele fez com outras pessoas ao longo da carreira", lamenta.
Mesmo sem provas, diferente do caso em que as enfermeiras e as técnicas de enfermagem fizeram as gravações, Iaci reforça a importância da denúncia.
"Eu não tinha provas e mesmo assim não deixei de denunciar. Se todo mundo fizesse isso, mesmo sem as provas, quando as queixas se acumulassem, de alguma forma seria ouvido", opina. "Foi o que eu fiz na época e não me arrependo, embora nada tenha acontecido com ele. Mas fiz, eu achei que era certo buscar alguma justiça."
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