Elas foram entregues à adoção pelas próprias mães: 'Fez a escolha certa'
Logo depois que nasceram, a influenciadora Leila Donaria, de 37 anos, e a vendedora de telemarketing Mirian Gonçalves, 31, foram entregues à adoção por suas mães. Agora, cada uma vivendo a sua maternidade, dizem entender os motivos que levaram suas genitoras a tomar essa decisão, e até agradecem pela atitude.
"Depois que fui mãe, me coloquei no lugar dela e creio que faria a mesma coisa: ia preferir doar meu filho para alguém do que passar necessidade e acontecer coisa pior", fala Mirian.
Desde 2017, a Lei da Adoção prevê amparo e assistência jurídica à mãe que queira doar seu filho, com acompanhamento da Vara da Infância e Juventude. Antes, fazia-se o que chamam de "adoção à brasileira", quando outra pessoa registra seu filho, o que é proibido.
Mas por falta de conhecimento, mulheres são julgadas por essa escolha, como aconteceu com a atriz Klara Castanho, que decidiu entregar um filho fruto de estupro.
Recentemente, Universa trouxe o depoimento de três mulheres que por motivos diversos como pobreza e estupro entenderam ser melhor doar suas filhas. Hoje, Mirian e Leila falam sobre as consequências de terem sido doadas.
"Nunca é sem dor"
"Sempre soube que era adotada, e minha mãe falava com muito carinho da minha origem. Mas eu não sentia vontade de procurar minha família biológica porque achava que minha mãe adotiva, a Ruth, tinha medo de que alguém me levasse. Tanto que ela só apresentou minha história quando completei 12 anos, e eu neguei.
A Ruth era gerente do hospital onde nasci, em Rolândia (PR). Um dia, ela entrou no berçário e quando apertei a sua mão, ela achou que eu a tinha escolhido, e me levou para casa. Achei de muita coragem, porque ela era solteira e tinha 41 anos.
Eu tenho um filho, o Gabinho, de 6 anos, que tem deficiência. E a Bia, de 12, que adotei quando ela tinha 9. Por eles comecei a estudar sobre inclusão, e fiz curso de parentalidade e outro para doula de adoção. E foi uma pancada na minha cara. Pela primeira vez olhei para minha mãe biológica.
Ao ouvir outros relatos, pensei como aquela mulher deve ter sofrido, e me permiti pensar na minha história, no que poderia ter acontecido.
A primeira coisa que fiz foi acessar meus documentos. Também passei pela constelação familiar [técnica que propõe resolver conflitos familiares]. Encontrei minha família em 2021 e descobri que minha genitora estava viva, que eu tinha mais cinco irmãos e que um deles me procurou a vida inteira. Ela ainda teve uma outra filha após meu nascimento, que também foi para a adoção.
Comecei, então, a olhar de outra maneira a mulher que toma a decisão de doar um filho porque é muito sofrido. Por mais que seja uma mãe usuária de drogas, adicta, com problemas psiquiátricos, existe algum lugar ali que dói. Nunca é sem dor.
Comecei a entender que apesar de ser uma escolha nem sempre é possível você escolher ficar com a criança.
"Ela me pediu perdão"
É muito importante respeitar essas decisões porque a gente não tem ideia do que essas mulheres viveram. Meus irmãos me relatam coisas que eu não poderia descrever, mas que choro de pensar.
Quando conheci minha genitora ela me pediu perdão. Eu falei: 'Você fez a escolha certa.' Eu não a culpo. E explicou que me deixou por não ter condições de me criar e por já ter outros filhos. Ela queria me entregar a quem pudesse me dar amor.
Ela foi maravilhosa. Teve o papel fundamental de me dar a vida, e as mães que adotam têm outro papel que é tão fundamental quanto, ou mais, que é dar continuidade a essa vida.
Agora, gosto de alertar que não dá para criar expectativa sobre o que você vai encontrar. No meu caso, a família da minha genitora estava aberta, diferente da do meu pai biológico. Quando entrei em contato, a família dele não deixou que nos encontrássemos.
Não há romantismo nessas histórias. Acho que cada um decide o que é melhor para sua vida. Eu jamais faria um aborto, mas não julgo quem escolha por esse caminho. Cada um responde pelos seus atos.
É uma decisão pessoal e intransferível e não entendo porque as pessoas querem decidir umas pelas outras. Era para estarmos um passo à frente e explicando como fazer entrega legal, mas estamos julgando a mulher que doa seu bebê.
A mulher é violentada de diversas maneiras e ainda carrega essa culpa simplesmente pelo fato de ser mulher.
Leila Donaria, 37 anos, fisioterapeuta e influenciadora, de Rolândia (PR)
"Me coloquei no lugar dela depois que fui mãe"
"Aos 6 anos, meus pais me contaram que eu tinha sido adotada. No início, tive raiva da minha mãe biológica, Lucia, não entendia os motivos dela. Só começamos a nos falar melhor depois que tive meu primeiro filho, aos 21. Hoje ele tem 10 e o caçula tem 8.
Quando me tornei mãe me coloquei no lugar dela. E creio que faria a mesma coisa: ia preferir doar meu filho para alguém do que passar necessidade e acontecer coisa pior.
A família que me adotou era estruturada, meu pai adotivo tinha 40 anos na época, outros filhos. Tive uma infância totalmente diferente das minhas outras três irmãs. Amo demais a minha família.
A minha genitora contou que engravidou de mim aos 16, e os pais dela tentaram forçar um aborto espontâneo quando descobriram. Sua família morava na roça e ela tinha que trabalhar bastante. Como não conseguiram, mandaram ela escolher entre me doar para alguém ou sumir junto com a filha. Ela, então, escolheu a doação.
Minha família adotiva era bem conhecida na região onde moravam, e minhas mães sempre foram amigas, porque já se conheciam. A minha mãe sempre falava que eu tinha que conversar e ser amiga da minha genitora, mas acho que eu tinha medo de ela tentar me pegar de volta.
Quando eu tinha 12 anos, a minha genitora procurou a Justiça para ter a minha guarda. Decidiram que eu tinha que ir para casa dela uma vez por mês para tentar criar um vínculo. Não deu certo e falei para o juiz que não queria amizade dela, e sim ficar com os meus pais adotivos.
Só voltamos a conversar novamente quando casei, já que não tenho o nome dos meus pais adotivos na certidão de nascimento.
Quanto ao meu pai biológico, sei quem é. Mas não sei se ele sabe que eu existo. Ele é parente de uma amiga, então sempre convivi com a família dele. Tenho vontade de saber o que aconteceu, mas não quero estragar a relação entre ele e sua família.
Eu não tenho amor de filha pela Lucia. É um sentimento totalmente diferente, mas a gente conversa, meus filhos a chamam de vó, frequentamos nossas casas. Na verdade, ela é bem mais amiga minha do que minha mãe adotiva. Ela tem 72 anos e tem a cabeça bem fechada, enquanto minha mãe biológica tem 47. São conversas diferentes.
Hoje vejo que a doação foi o melhor caminho, porque às vezes a pessoa pode até aceitar a gravidez, mas depois faz desfeita com a criança. Não dá para dizer quem está certo ou errado. Eu não condeno se a pessoa aborta ou doa. Vai da consciência de cada uma. Mas penso que a doação seja o melhor caminho, pois tem tantos pais querendo filhos e não podem, e para eles não faria diferença de como a criança foi gerada."
Mirian Gonçalves do Nascimento, 31 anos, vendedora de telemarketing, de Prudente (SP)
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