Negociando de biquíni: Letícia Bufoni curte a vida e brilha como empresária
"Eu não vou abrir a câmera porque estou de biquíni. Aqui está 38 graus." Foi assim que Letícia Bufoni começou a sua conversa com Universa, direto de Los Angeles, onde mora. Para quem acha que a skatista tem uma vida só de luxos e viagens, essa frase não surpreende. Só que existe um lado de Letícia que o bronzeado e o passaporte carimbado disfarçam e que muita gente não vê: o de empresária.
Quem começou a acompanhar o skate há pouco tempo, provavelmente tem a medalhista olímpica Rayssa Leal como referência, mas Letícia está há muitos anos pavimentando a estrada de rodinhas douradas para outras mulheres serem reconhecidas no esporte. A atleta impressiona em números, são tantas conquistas que ela foi parar no Guinness Books, o livro de recordes, pela quantidade de medalhas que acumula dos X-Games: só de ouro, são seis. No total, 12.
Shape de empresária
No começo de 2022, Letícia abriu mão de fazer parte da Seleção Brasileira de Skate para focar em seus projetos pessoais. "Foi uma das decisões mais difíceis que tomei na minha vida. Abri mão da vaga para dar espaço a alguém que vai conseguir entregar tudo o que eles querem. Eu sabia que neste ano eu não conseguiria", diz. Mas garante que a distância é só física. "Continuo me sentindo parte do time."
Foi na pausa da pandemia, em 2020, quando os campeonatos ficaram suspensos, que Letícia decidiu investir para valer na nova carreira. Segundo ela, foi questão de oportunidade.
"Tudo na minha carreira aconteceu naturalmente. Óbvio que tenho um time por trás de mim que me ajuda muito, sem o qual nada disso seria possível." O pai, o autônomo Jaime José da Silva, ensinou Letícia desde cedo: ninguém vence sozinho. E a skatista se cercou de pessoas de confiança. Ela não diz quantas nem qual o tamanho da empresa, mas garante que as decisões finais -sobre patrocínios, produtos e até posts em suas redes sociais- são todas dela.
"Nos últimos dois anos investi muito no meu lado empreendedora. Até então, o meu foco sempre foi 100% o skate, os treinos e as competições. Em 2020, fiquei mais em casa, coloquei a cabeça no lugar e pude me encontrar. Ver o que eu queria fazer. Não vou competir por tantos anos assim, uma hora vou precisar me aposentar, então já comecei a pensar no futuro", conta Letícia. Ela, que começou ganhando um salário de R$ 150 de um patrocinador, hoje administra um império em crescimento.
O lifestyle Bufoni
O principal produto que Letícia trabalha todos os dias é ela mesma. A imagem de "vida de herdeira", com o dinheiro que ela mesma conquistou, com viagens, passeios, fotos de biquínis e práticas de esportes radicais, mostrando como é sua rotina fora do skate, foi crucial para ajudar a fortalecê-la e a torná-la uma marca influente frente ao público. E ela sabe disso. O lifestyle Letícia Bufoni é cobiçado tanto pelo público quanto pelas marcas. Nas redes sociais, ela chega a acumular mais de 7 milhões de seguidores, somando Twitter, Instagram e TikTok.
"Minha vida se tornou um lifestyle que não é só baseado no esporte, por isso tenho patrocinadores fora do skate, como a Australian Gold, Red Bull, a Sea-Doo, marca de moto-aquática, e tantos outros. Isso me leva a viajar para trabalhar em lugares bacanas e permite que eu me divirta ao mesmo tempo. Na maioria das vezes, quando estou em lugares legais, estou produzindo conteúdo", conta. Ela disse que nunca esteve 100% de férias.
Para Ivan Marinho, professor de marketing esportivo da ESPM de São Paulo, as redes sociais proporcionaram uma nova maneira de ver os atletas, que hoje em dia é explorada pelas marcas. "Os esportistas, antigamente, treinavam em dois turnos, de manhã e à tarde. Aos finais de semana, estavam em campeonatos, que era a oportunidade de falar de seus patrocinadores e com o público. Com o crescimento das redes, criou-se uma expectativa de que os atletas fossem formadores de opinião e de que que pudéssemos acompanhar os bastidores de suas vidas."
Isso permitiu que as carreiras fossem prolongadas -bem como uma maior captação de dinheiro e bens para a hora da aposentadoria. "Um atleta profissional tem uma carreira que dura, em média 15 anos, na qual, ganha-se dinheiro por oito ou dez. Aqueles que rompem barreiras e se transformam em personalidades, conseguem seguir relevantes", diz o professor.
É essa relevância que as empresas e marcas buscam quando procuram em quem investir para divulgação e publicidade. Letícia sabe disso. Sua notoriedade é também fruto do trabalho fora das pistas. Ser vista em locais descolados e cercada de gente bacana não é só curtição, é a construção de uma imagem que, mesmo quando o skate não estiver mais embaixo dos seus pés em campeonato, seguirá gerando ganhos.
"A imagem de atletas pode alçar oportunidades de penetração em diversos segmentos no mercado, pois têm uma visibilidade muito grande", diz Gabriel Liberati, especialista em marketing esportivo. Segundo ele, as marcas querem se atrelar a essa imagem de conquistas e vitórias. "Nem todos têm esse apelo, mas alguns, como a Letícia, conseguem trabalhar de forma mais ampla e colhendo os frutos mais para frente", conclui.
"O que eu mais recebo nas redes sociais são pessoas falando que queriam uma vida como a minha, pois estou sempre viajando em em lugares irados. E realmente a minha vida é muito boa, mas atrás de tudo isso tem muito trabalho. Vivi 19 anos de carreira, de competições, para fazer o que faço hoje. Por 15 anos, tirei férias apenas uma vez ao ano para ficar com a minha família", conta.
"A notoriedade da Letícia criou seu número de seguidores. Ela tem autoridade, como atleta e isso gera influência nas pessoas, principalmente por causa da forma como ela se posiciona. Ser influente não é ter muitos seguidores, é ser capaz de fazer as pessoas mudarem sua opinião sobre algo", diz João Finamor, professor de marketing digital e Influencer Marketing da ESPM Porto Alegre.
Empresas e produtos
Basta uma olhadinha rápida no Instagram da Letícia para ver a quantidade de marcas às quais ela está associada. Mamba Water, uma marca de água com proposta sustentável, da qual ela é sócia, Nike, com a qual, além de ser atleta patrocinada, ela tem uma parceria e lançou uma linha de tênis. Carolina Herrera, Motorola, Australian Gold, Red Bull, Mikuna Foods, uma marca de proteína americana da qual ela também tem uma parcela da empresa... E por aí vai. Isso sem contar as suas próprias. Letícia é fundadora da Monarch Project, marca de shape e roupas que ela lançou em sociedade com a skatista britânica Sky Brown, de 14 anos, e da hamburgueria Flip Burger, em Guarulhos, São Paulo.
"Na Monarch eu estou 100% dedicada. Antes de entrar na entrevista, estava em uma reunião para decidir os gráficos de 2023. Tudo passa por mim. Quando não estou viajando, fico em reuniões e tomando decisões. Estou gostando muito. Quero, daqui a alguns anos, viver do lucro das minhas empresas."
"Não comecei a andar de skate e ganhar dinheiro"
Capital gera capital, mas não foi fácil ganhar dinheiro no esporte. Assim como em qualquer outro, as mulheres ainda não são valorizadas como merecem. "O Brasil é um dos países que o skate mais cresce, assim como no Japão. Temos meninas muito boas que não tem apoio e reconhecimento. Com mais competições e as Olimpíadas, quem sabe isso não muda um pouco", diz Letícia. Ela mesma precisou sair do país para conseguir faturar e chegar ao ponto de ter dinheiro para criar sua própria empresa.
"Quando comecei a competir, o prêmio dos campeonatos era um shape, uma camiseta e um boné. Foi difícil e demorou muito. Meu primeiro salário foi de R$ 150. Não comecei a andar de skate e ganhar dinheiro. Isso só aconteceu depois que me mudei para os EUA, fechei mais patrocínios e ganhei campeonatos. Trabalhar meu lifestyle também ajudou bastante a abrir portas para outros caminhos, não só no esporte", diz.
Letícia não gosta de dizer o "quanto ela custa", ela deixa essa negociação com as marcas com os seus empresários. "Não gosto nem de estar nas reuniões quando falam de valores. É muito ruim falar 'meu preço é esse'. Não consigo falar muito bem de mim, tenho vergonha", conta.
Amizades e referência no esporte
Viver em um ambiente esportivo não é desculpa para não ter amigos - pelo menos, não para Letícia. Ela se diz muito desligada para perceber quando alguém com segundas intenções, ou com vontade de aparecer, se aproxima dela, mas conta nos dedos de uma mão quem realmente são aqueles confidentes, pau para toda obra.
"Meu ciclo de amigos é pequeno. Tenho colegas em todas as partes do mundo, mas aqueles com quem eu posso contar para tudo são poucos. Minha família, minhas irmãs, pai e mãe estão comigo sempre. Fora eles, o Pedro Scooby é mais da família do que muitos membros da família [risos] e o Felipe Gustavo, que é meu amigo desde os 11 anos", diz. Scooby, inclusive, também é fonte de inspiração e bons conselhos.
"Ele me conhece muito bem. Até mais que eu mesma, às vezes. Dá uns conselhos muito bons e sempre sigo. Pedro é muito inteligente", conta. Ela chegou a fazer uma piada na internet, na época do BBB, prometendo uma foto topless caso ele não fosse eliminado do programa. "Era uma brincadeira. Eu jamais faria isso", diz.
E quem inspira, também se inspira em alguém? Letícia diz que sim. Além de Pedro Scooby, ela tem duas outras referências no esporte: Neymar e Gabriel Medina. "Sempre me inspirei muito nos dois. Gabriel é uma das pessoas a que mais pedi conselhos. Quando eu estava precisando de um empresário no Brasil, pedi indicação. E temos o mesmo até hoje. Sempre pergunto coisas a ele", diz.
Consequências da fama
Se por um lado a imagem de "vida de rica" traz frutos, por outro ela traz julgamentos. Nas Olimpíadas, Letícia se tornou manchete de várias notícias por suas postagens. "Sou brincalhona, mas algumas pessoas levam para o outro lado. Tento prestar bastante atenção no que eu falo, porque sei que as pessoas estão de olho. Mas não quero perder a zueira. Se estou onde estou é porque sempre brinquei e fui humilde. Seguirei sendo assim, só tomando um pouco mais de cuidado", conta.
Esse lado despojado se torna, inclusive, motivo de julgamentos. Não é incomum nos depararmos com alguém falando de um "novo affair da atleta", que jura nunca ter sido flagrada com ninguém. "Se um cara que pegou vários é legal, está passando rodo e vira até hype. Agora vai uma mulher ficar com alguém em uma festa? Esquece, já é piranha", diz.
E como não tem medo de esconder o corpo e ser quem é, fica ainda mais difícil fugir do assédio. "Eu posto fotos de biquíni o tempo todo. Essa é a minha vida, eu estou de biquini agora. Não vou deixar de postar só porque as pessoas falam. Eu recebo muitas mensagens bonitas, mas não me abalo com as ruins. Eu sempre recebi ataques, desde o começo da minha carreira, porque era mais feminina, por andar com roupas coladas, por usar legging. Nunca me importei. Sou quem sou. Sempre vai ter alguém que gosta e alguém que não. É difícil agradar todo mundo", completa.
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