'Preta, sommelière e empresária' quer quebrar paradigmas com bar de cerveja
"Minha luta e meu trabalho são voltados para quebrar paradigmas": assim se apresenta Danielle Lira, 31 anos, sócia-fundadora do Torneira Bar, na zona oeste de São Paulo. Criado em parceria com Christian Montezuma, o negócio nasceu com a proposta de ser um espaço que valorize a diversidade e a inclusão —o que começa dentro de casa: 100% do quadro de funcionários é composto por pessoas trans e não binárias.
"Como mulher negra, sei bem o que é não pertencer a um local que a sociedade ensinou que não era o nosso. Por isso, ao abrir o Torneira, entendi que a estruturação do local tinha que vir ao encontro do que acredito", diz. Segundo ela, a maioria dos bares e eventos de cerveja não traz a inclusão e a ideia foi criar algo fora dos padrões de "homem branco hétero" geralmente associados ao perfil dos cervejeiros.
A dupla começou a pesquisar sobre diversidade e inclusão e constatou que, assim como Danielle, muitas pessoas não se sentiam representadas pelas opções disponíveis no mercado. Havia, sim, uma dor a ser resolvida —o primeiro pilar para montar uma empresa de sucesso. "Vários amigos da comunidade LGBTQIAP+ relataram desconforto de frequentar tap houses pelo receio de julgamento. O Torneira Bar é voltado para todos que, de alguma forma, se sentem excluídos", explica Danielle.
Depois, eles buscaram uma empresa de branding para desenhar o Torneira, sempre tendo o propósito da empresa por trás de todas as etapas. A ideia inicial era abrir o bar no Rio de Janeiro, cidade na qual a dupla morava e trabalhava na época —ela em um banco e Christian como advogado. Porém, por questões pessoais, eles se mudaram para São Paulo. A decisão também levou em conta a maior visibilidade da capital paulista para empreender.
Pandemia exigiu paciência e planejamento
O espaço, que fica na região da Vila Madalena, foi alugado em dezembro de 2019 e a reforma começaria em março de 2020, época em que a pandemia de covid começou. "Foi um período difícil e de medo, com bares e restaurantes fechados, negócios quebrando e toda a aflição das mortes", lembra Danielle.
Mas, como tinham uma reserva e acreditavam na empresa, trabalharam para transformar algo negativo em aprendizado. "Usamos esse tempo para estudar mais o mercado, negociar valores melhores e estruturar o plano de negócios com mais calma e estratégia", afirma.
O processo foi retomado em junho de 2021 e o bar abriu as portas em setembro. Com drinks assinados por Isadora Bello Fornari, Maurício Maia e Ornellas Boulhossa e cardápio da ex-Masterchef Monique Gabiatti, o negócio aposta na realização de eventos e encontros, além de projetos com mulheres cervejeiras, e espera faturar R$ 1 milhão este ano.
A bagagem profissional de Danielle ajudou na estruturação da empresa. "Sempre atuei com atendimento. Aos 16 anos, trabalhei no McDonald's, e depois de me formar em marketing, me consolidei no Banco Bradesco, que foi uma escola para mim. Lá, desenvolvi competências importantes para tocar um negócio, como gestão de equipe, negociação e organização", diz.
Além disso, a empreendedora fez cursos de gestão, planejamento e voltados a novos empreendimentos, além de se formar como sommelière de cerveja. Segundo ela, a facilidade em negociar e se relacionar foi crucial. "Sei que muitas mulheres se sentem acuadas nas negociações, por exemplo, ainda mais em uma área considerada mais masculina. Mas precisamos ter pulso firme e mostrar que entendemos desse mercado", diz. Para isso, ela recomenda estudar e pesquisar muito o setor e entender os processos da empresa de ponta a ponta. "É preciso virar uma autoridade no tema de atuação."
Outro ponto importante para o Torneira Bar dar certo é a paixão de Danielle por eventos e cervejas. "Sou 'bebedora' de cerveja e gosto de comemorar, reunir pessoas. Juntar a bebida com os eventos é muito gratificante", diz. E não é novidade falar o quanto se identificar e gostar da área de atuação é importante para uma empresa se manter no mercado.
Um basta ao preconceito
Porém, mesmo com toda confiança e conhecimento, Danielle ressalta que o preconceito está sempre rondando. "Enfrento olhares diariamente. Nenhuma mulher passa imune ao machismo", diz. Ela lembra de um fornecedor de cerveja chegar ao bar e perguntar: "Quem é o responsável?". E mesmo depois de ela dizer que era uma das sócias, o homem só dirigiu o olhar a Christian, seu parceiro na empresa.
O mesmo acontece quando ela está tirando chope e coordenando equipe e bar: "Você é a dona?", perguntam. "Isso me incomoda muito e quero ajudar a mudar essa realidade de que a mulher não pode ser empresária e sommelière e, ainda mais, uma mulher preta, sommelière, empreendedora e num bairro elitista de São Paulo. Minha pauta é sobre diversidade", diz.
Nesse sentido, Danielle acredita na união das mulheres para que todas se sintam mais fortes. Ela gosta de usar um termo comum no movimento preto: aquilombar, algo como reunir as pessoas. "Juntas viramos potência. Temos de trocar ideias e escutar umas às outras", reforça. E ver outras mulheres empreendedoras que hoje são referências em suas áreas também ajuda. "Tenho muitas inspirações. Uma delas é a [CEO e fundadora do Movimento Black Money] Nina Silva", completa.
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