Gloria Perez sobre caso Daniella: 'Machismo atuou de maneira muito forte'
Quase 30 anos depois de perder sua primeira filha, Daniella Perez, a dramaturga Gloria Perez decidiu abrir seus arquivos pessoais para falar sobre o assassinato na série documental "Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez", da HBO Max. O motivo? "Durante muito tempo, essa história foi contada da maneira mais sensacionalista possível, e machista também."
Em entrevista a Universa, Gloria lembra como Daniella —que foi levada até um matagal e apunhalada no peito pelo colega de elenco Guilherme de Pádua, com quem fazia par romântico na novela "De Corpo e Alma"— foi culpabilizada pelo crime mesmo depois de morta.
"A questão de gênero atuou de maneira muito forte, não no assassinato em si, mas depois da morte. Qualquer mentira que você disser a respeito de uma mulher, ganha espaço. Isso é machismo", fala. Apesar disso, a autora não acredita que o crime que vitimou a jovem, então com 22 anos, seria classificado como feminicídio.
Os dois primeiros episódios de "Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez" já estão disponíveis na HBO Max e mais três serão disponibilizados na próxima quinta-feira (28).
Nesta conversa, que aconteceu por vídeo, a autora de novelas também fala sobre a dor de rever imagens fortes de Daniella que foram cedidas para a produção da série e das lembranças da filha, que teria hoje 52 anos: "Como ela estaria agora? O que estaria fazendo? A gente não consegue responder, mas a gente imagina. E imaginar é uma forma de ter a companhia dela".
Leia os melhores trechos a seguir:
'Quando uma versão culpa a mulher, ganha espaço'
"Esse é um crime da vida real. Quem foi assassinada foi Daniella Perez e os assassinos dela são Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Mas tudo isso foi tratado pela imprensa como uma extensão da novela. Se você olhar os jornais da época, era assim: 'Bira matou Yasmin', ou 'mulher de Bira está envolvida no crime'."
No documentário, Glória mostra —e critica— capas de revista que falavam sobre o crime usando fotos de Bira e Yasmin na novela, abraçados e até se beijando. A autora diz que as imagens contribuíram para o público se confundir e pensar, até hoje, que Daniella e Guilherme tinham um relacionamento, o que não é verdade.
A Universa, ela explica que aceitou o convite dos diretores Tatiana Issa e Guto Barra porque "durante muito tempo, essa história foi contada da maneira mais sensacionalista possível —e bem machista também, com uma eterna culpabilização da vítima".
Por mais estapafúrdia que seja uma versão contada, quando ela culpabiliza a mulher, ela ganha espaço.
"Se você encontrar um homem 18 vezes apunhalado e atirado num matagal, em um local de desova, as pessoas vão perguntar quem foi que jogou ele ali, quem foi que fez isso com ele. Mas, se é uma mulher, não vai faltar quem pergunte o que ela foi fazer ali. Isso é a mesma coisa que perguntam para uma pessoa estuprada: "Mas que roupa você estava usando?".
'Não é feminicídio. Ela foi morta porque era minha filha'
A lei do feminicídio não existia na época do crime, foi sancionada apenas em 2015, 25 anos depois, mas Glória Perez acredita que, mesmo se o assassinato tivesse acontecido hoje, a morte de sua filha não seria classificada como feminicídio.
"Para mim, não se encaixa como feminicídio, porque a definição de feminicídio é outra [segundo a lei: assassinato de uma mulher em razão do gênero, de menosprezo ou discriminação à condição de mulher]", explica.
E continua: "A motivação do crime foi ganância, desejo de sucesso. Ela foi morta porque era minha filha, porque o término desse romance na novela [o fim de Bira e Yasmin foi a última cena gravada pelos dois atores antes do crime], tiraria ele de cena —quer dizer, não o tiraria, mas a cabeça do psicopata funciona assim. Isso é muito claro na investigação, no processo e na sentença".
Em 1997, Guilherme de Pádua foi condenado a 19 anos de prisão e Paula Thomaz a 18 anos e meio; os dois estão soltos.
O que não impediu, afirma Gloria Perez, que Daniella Perez fosse vítima do machismo: "Depois da morte dela, a questão de gênero atuou de maneira muito forte, mas não no assassinato em si".
"Todo criminoso vai contar sua versão para se colocar o mais inocente possível, mas ele faz isso pintando o retrato de uma mulher que ela não era. Mas qualquer coisa que você disser a respeito de uma mulher, ganha espaço. Isso é machismo", fala.
'Fotos não deixam minimizar o crime'
Nos dois primeiros episódios, que narram a noite do assassinato, a série mostra fotos de Daniella sem vida, feitas pela polícia, quando seu corpo foi encontrado em um matagal —as imagens foram cedidas pela própria autora aos diretores da produção.
Glória não nega que sente dor ao rever a cena, mas acredita que elas conferem um certo senso de realidade ao crime: "Se você quer contar essa história, tem que mostrar o que eles fizeram. As fotos não deixam minimizar o crime em nada, elas mostram exatamente o que foi feito com a Daniella".
"Me dói ver? Muito. Mas me doeu muito mais ver ao vivo, como eu vi, e ver depois como o crime foi tratado, de maneira a ser minimizado —ele dizendo que a morte não foi planejada, foi uma coisa do momento. Quando você olha aquelas fotos, percebe que aquilo não tem nada de momento".
Três décadas após perder a filha, a autora ainda se pergunta como ela estaria hoje, com pouco mais de 50 anos.
"É uma pergunta que está sempre dentro da gente. O que meu filho acharia disso? Como ele estaria agora? O que ele estaria fazendo? Acho que todos os pais que perderam os filhos pensam nisso. É uma pergunta que a gente não consegue responder totalmente, né? Mas a gente imagina. E imaginar é uma forma de ter a companhia deles."
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