Emma Thompson fala de sexualidade feminina pós 50: 'Busca por prazer'

Quantas vezes você viu um filme ou série sobre uma mulher de mais de 50 anos de idade procurando seu prazer e descobrindo seu corpo? Certamente foram poucas. Emma Thompson, vencedora de dois Oscars e atriz de "Boa Sorte, Leo Grande", em cartaz no Brasil, é mais taxativa. "Nós nunca vimos essa história. Nunca vimos esses personagens. Não é que vimos pouco. Nunca vimos", disse ela em entrevista sobre o filme.

Em "Boa Sorte, Leo Grande", ela interpreta Nancy, uma professora de estudos religiosos que é mãe de dois filhos adultos e que ficou viúva há pouco tempo. Nancy nunca teve um orgasmo. "Ela sempre fez tudo certo", disse Thompson. "Nunca nem tentou sair dos caminhos que foram colocados à sua frente. Sempre cumpriu tudo sem reclamar ou protestar. Mas chega a essa idade e vê que algo está faltando. É um instinto."

Relacionadas

Rafa Kalimann comenta body shaming: 'Era só uma foto de um momento feliz'

Influencer trans se emociona com convite para SPFW; 'Corpo como potência'

Muçulmana critica proibição de burquínis na França: 'É um direito nosso'

A personagem decide então contratar um profissional do sexo, Leo Grande (Daryl McCormack, da série Peaky Blinders). "Ela está em tal conflito porque está se rebelando, um tanto tardiamente, então tudo à sua volta lhe diz: Isso está errado, não faça. Ela está sendo incrivelmente corajosa." Leo é jovem e bonito, mas, mais importante, é gentil, aberto, relaxado em relação ao sexo. "Eu gosto quando ele fala sobre como tem prazer em tornar a outra pessoa livre e aberta de repente, calma e relaxada", disse Thompson. "Se isso estivesse disponível para todos, haveria muito menos merda e violência."

Se o sexo ainda é tabu, a sexualidade feminina, ainda mais. As estimativas apontam que cerca de 10% das mulheres nunca tiveram um orgasmo. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo de 2017 concluiu que 55% das brasileiras nunca têm orgasmos em relações sexuais. "Nós pensamos que, por termos tido a chamada revolução sexual nos anos 1960 e porque a revista Cosmopolitan ainda fala de orgasmos, todos estão tendo sexo maravilhoso, e não acho que é o caso", disse a atriz. "Somos desonestos em relação ao sexo porque temos vergonha."

No filme, o orgasmo não é um objetivo em si. "Para a gente, Nancy ter um orgasmo significava que ela acessava algo em seu corpo", disse a diretora Sophie Hyde em entrevista a Universa. "Era importante que ela tivesse um corpo em que pudesse ter prazer."

O problema, justamente, é que a maioria das mulheres aprende a ter vergonha do próprio corpo desde cedo. Meninas pequenas querem ser mais magras. Ninguém está nunca satisfeito com seus corpos. "E isso é uma perda de tempo", afirmou Sophie Hyde. "É um desperdício de nossas potencialidades e do que poderíamos fazer no mundo. É uma distração." Para ela, a ideia de poder amar seu corpo ou mesmo apenas estar em seu corpo, sem amá-lo ou odiá-lo, é uma revolução.

Muito tem se comentado, desde que o filme estreou no Sundance Festival, em janeiro, sobre as cenas de nudez de Emma Thompson, que hoje tem 63 anos de idade. "Muita gente diz que a Emma é corajosa por fazer isso", disse Hyde. "E isso meio que significa: Ui, imagine colocar esse corpo na tela. Não falamos que alguém com um corpo considerado perfeito, jovem, proporcional é corajoso por mostrá-lo em um filme."

Mas, na sua opinião, quem se expõe assim para contar uma história é corajoso, sim. Porque não importa quanto o corpo se aproxime do ideal, ele sempre vai ser criticado. "Deveria ser corajoso? Não, porque é apenas um corpo, e todos temos corpos", disse a diretora. "Nós andamos por aí nos nossos corpos nus, sob essas roupas, o tempo todo. E cada corpo é estranho, maravilhoso, diferente, variado. Eu gostaria que não fosse um ato revolucionário. Mas parece que ainda é. Ver um corpo sem retoques na tela é algo a que ainda não estamos acostumados." Ela acha que ter mais corpos diferentes na tela é importante por causa disso: para que reconheçamos as diferenças e as maravilhas de todos os corpos.

Emma Thompson acha importante examinarmos as razões das nossas vergonhas, que certamente passam pelo corpo, mas não só. "Claro que tem muito a ver com nossas raízes cristãs, em que o sexo não é permitido", disse a atriz. O sexo também foi industrializado e está ao alcance de um clique, em geral, em uma versão pelo menos um tanto violenta. "Mas não é disso que precisamos e não é o que temos dentro de nós, que é mais profundo", afirmou Thompson. Por isso ela prefere usar a palavra prazer, que é sentido não só órgãos genitais, mas também no coração e na cabeça. "Não falamos sobre a confluência desses sentimentos em nossos corpos", disse. "Enquanto artistas, podemos expandir essa consciência e trazer para as pessoas. Para mim, essa é uma das qualidades maravilhosas deste filme."

Leo Grande traz uma outra versão de um profissional do sexo para a tela, alguém que ama o que faz e é bom em seu trabalho. Ele também estabelece muito claramente a ideia de consentimento, algo que começa a ser discutido na sociedade e ainda é raro no cinema e na televisão. "Eu acho que, quando a gente está com alguém em uma situação íntima, a outra pessoa tem de estar consentindo entusiasticamente", disse Sophie Hyde.

Sabemos em geral se a outra pessoa está consentindo. Mas temos de falar sobre o que fazer quando estamos em dúvida. Para ela, é uma questão de respeito. "Amo a maneira como Leo é modelo de consentimento e usa isso de maneira gentil e natural. Nancy segue seu exemplo", disse a diretora. "Para mim é uma relação respeitosa entre duas pessoas. E deveria ser assim em relações longas ou muito breves. Não significa que não pode ser divertido ou envolver outras dinâmicas de poder. Mas o objetivo é que a outra pessoa esteja curtindo."

Emma Thompson espera que muitas mulheres - e homens - assistam ao filme. "Quero que eles vejam Leo e pensem: que exemplo fantástico a seguir. E que as mulheres tenham coragem de se olhar sem julgamentos. É muito difícil porque infelizmente somos submetidas a uma lavagem cerebral desde muito cedo como todo o mundo que tem meninas sabe", disse a atriz, que tem uma filha e um filho. "Mas temos de lutar contra isso. Você precisa ativamente lutar contra isso. Espero que o filme ofereça todos os tipos de encorajamento em prol da liberdade e do prazer."