'Mulher má': educadora tenta mudar definição de madrasta no Google
Se você buscar a palavra "padrasto" no Google, lerá a definição "homem em relação aos filhos da mulher com quem passa a constituir sociedade conjugal". Mas, se buscar por "madrasta", encontrará: "mulher má, incapaz de sentimentos afetuosos e amigáveis" e "de que provêm vexames e dissabores em vez de proteção e carinho" —uma definição "machista, misógina, e que nada tem a ver com a realidade", percebe a educadora parental Mari Camardelli, 36 anos, que luta justamente para mudar essa resposta, fornecida automaticamente pelo dicionário de Oxford ao site de buscas.
Até o fechamento desta reportagem, na manhã de quinta-feira (4), um abaixo-assinado na plataforma Change.org reunia 6 mil assinaturas favoráveis à alteração e tinha sido respondido pelo Google, pelo dicionário de Oxford e pela editora Melhoramentos, que edita o dicionário Michaelis no brasil. Este último respondeu que "um dicionário, por definição, é a compilação de palavras de uma língua, apresentando seu significado e utilização (atual e histórica), sem julgamento ou crítica a esses usos".
"Mas esse é o maior motivo para mudar a definição, porque isso com certeza foi escrito numa época em que a construção das famílias era outra, em que os casais de fato ficavam juntos até que a morte os separasse, e não até o divórcio", defende Mari.
"Eu tenho consciência de que mudar um dicionário não muda a construção social negativa em torno das madrastas, mas é uma pecinha. A minha expectativa, a passos de formiga, é que as escolas tenham árvores genealógicas mais inclusivas, não necessariamente com aqueles quadradinhos 'mamãe' e 'papai', que o RH das empresas considere os enteados como laços familiares."
Como educadora parental e também especialista em inteligência emocional, Mari atende mulheres que, como ela, são madrastas e enfrentam os dilemas desta posição, como ciúmes e a relação —às vezes difícil— com a mãe das crianças. E, nas redes sociais, comanda o perfil @somos.madrastas, com mais de 51 mil seguidores.
'Madrasta tem que ser referência, como pai e mãe'
O número de divórcios cresce a cada dia no Brasil: nos últimos 10 anos, houve um aumento de 160% nos registros e, hoje, um em cada três casamentos acaba sendo desfeito, segundo o IBGE. A maioria deles, de casais com filhos.
Ou seja, com o tempo, cada vez mais pessoas terão madrastas e cada vez mais mulheres serão madrastas —mesmo assim, quase ninguém imagina se casar com uma pessoa que já tem filhos.
"Eu tenho madrasta há pelo menos 20 anos e minha mãe também é madrasta. Eu vivo essas relações e, mesmo assim, fui fortemente influenciada por histórias de príncipes encantados, que chegam sem filhos, quando, na verdade, isso não condiz mais com a nossa realidade", conta a educadora.
Há oito anos, Mari se tornou madrasta: quando foi morar com o marido, Rodrigo, ele tinha guarda compartilhada dos dois filhos, à época com seis e 10 anos.
Poucos anos depois —e sem planejar—, transformou este papel em profissão: hoje, Mari dá palestras em grandes empresas e atua como educadora parental, atendendo especialmente mães e madrastas com questões específicas acerca dessa dinâmica familiar.
As principais: ciúmes, a relação com a mãe da criança e o papel da madrasta na vida da família —esta última, ela mesma enfrentou quando começou a conviver com os enteados.
"A criança quer comer chocolate no café da manhã. Se a mãe fala que não, ela está sendo cuidadosa; se a madrasta fala que não, ela está sendo má, negando o chocolate para a criança. Então, uma das principais questões que aparecem nos atendimentos é essa: qual é o meu papel?", percebe. "Eu sempre me dei bem com a mãe dos meninos, mas, no dia a dia, quando essas questões surgiam, pensava: 'Caramba, e agora? O que eu respondo para eles?"
"Madrasta não tem puerpério. Você casa ou vai morar junto e, no dia seguinte, chegam as crianças, já crescidas. Não tem um tempo de adaptação e tem que chegar acertando, não pode errar, porque a sociedade está esperando uma falha para dizer: 'Viu, é má'".
Em sua experiência pessoal, quando começou a se deparar com essas questões e percebeu que seria uma pessoa ativa na educação dos enteados, já que o marido tinha a guarda compartilhada e as crianças passavam metade do tempo em sua casa, Mari se apresentou para a mãe deles: "Oi, eu sou a Mari. Gosto muito de crianças e quero conversar contigo: como você vê o meu papel? O que você espera? E eu também posso te falar o que eu estou disposta a fazer".
"Ela me recebeu muito bem e disse que não gostaria que eu fosse sempre a figura boazinha, que enche as crianças de presente, de chocolate, deixa fazer tudo. E ela está certa, porque a casa da madrasta não pode ser uma festa. A madrasta precisa educar, ser uma referência, assim como o pai e a mãe."
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