Rebelde ou ultrapassada? Fabi Bang conta como é interpretar a sereia Ariel
O enredo dos contos de fada não é novidade para Fabi Bang, 37 anos. Conhecida na cena do teatro musical paulistano, ela vive a sereia Ariel nos palcos pela segunda vez. Em 2018, a atriz já havia interpretado o papel —e terminou o projeto com a sua filha Isabel, hoje com três anos, na barriga.
Com trabalhos como "Cinderella: O musical" no currículo, Fabi precisou ficar 50 dias afastada da filha, que passou uma temporada com a avó no Rio de Janeiro enquanto a atriz se dedicava ao retorno aos palcos em julho, no Teatro Santander, em São Paulo. Não foi fácil.
"A culpa materna é intrínseca, mas eu tinha um equilíbrio. Sabia que estava trabalhando em algo que seria tão fantástico para a vida dela que me sentia com permissão para me dedicar 100% ao projeto", conta a atriz a Universa. Mesmo assim, Fabi afirma que ficou dilacerada de saudade. "A gente nunca tinha passado mais do que uma semana separadas. Ela é uma criança da pandemia."
'Sereia representa busca por aceitação'
Para muitos, Ariel é considerada uma sereia ultrapassada, que abre mão de seus desejos pelo bem do homem por quem está apaixonada. Para outros, ela é rebelde, pois decide não seguir aquilo que o pai rudemente exige. Na interpretação de Fabi, ela não carrega nenhum desses estigmas: a atriz a enxerga como um símbolo de pessoas que buscam aceitação.
"Acho Ariel tão atual. Para mim, ela simboliza todas as pessoas que não se identificam com seus contextos sociais e que buscam ser aceitas, seja por sua orientação sexual ou contexto religioso imposto pela família. Pessoas que se sentem como peixes fora d'água. E, convenhamos, é a grande parcela das pessoas no mundo de hoje", reflete a atriz.
Ela conta, ainda, que a obra original foi escrita por um autor gay que não conseguia se assumir para a família por medo de rejeição.
Por isso, encara Ariel como uma heroína que paga caro para conseguir o que deseja. "Ela é muito corajosa. Traz uma mensagem de que não existe conquista sem renúncia. Ela não muda de realidade por causa do príncipe, isso já era seu desejo muito antes de ele aparecer. Ele não é a única razão pela qual ela não se identifica com o fundo do mar, é só a cereja do bolo", opina.
Mãe princesa
Durante a entrevista, Isabel pede mamadeira para a mãe e participa da conversa. A pequena garante que, assim como Fabi, ela também é uma sereia e que sua princesa favorita é a Ariel. "Tenho a impressão de que a Isabel preferiria que os ídolos permanecessem mitológicos. Eu desmitifiquei um pouco. Já é a minha segunda princesa desde que ela nasceu [em 2021, Fabi passou uma temporada interpretando a Cinderella]. Para ela, existiu uma quebra do ídolo, de algo inalcançável. Está muito próximo da realidade", conta Fabi.
Mesmo com três anos, Isabel entende que aquela sereia no palco não é a Ariel, e sim, a mãe dela. "Ela sabe que eu estou caracterizada e que isso é trabalho, mas o mesmo não acontece com meus colegas. Eles são ídolos mesmo, seres fantásticos", conta Fabi. A quebra da magia, no entanto, não preocupa a mãe artista. "Na verdade, proporcionou a ela uma fertilidade cultural tão grande, o tempo todo Isabel tem contato com experiências bacanas. Talvez ela não cresça idealizando muitas coisas e tenha mais o pé no chão, mas o lado lúdico é muito fértil", diz.
Atriz criou fundo de apoio na pandemia
Assim como muitos profissionais que dependem do público para dar vida a seus trabalhos, Fabi se viu impactada duramente pela pandemia. Nos dias em que não podia falar com o público diretamente criou uma marca de moda, a Belter, e usou sua experiência de 16 anos de carreira nos palcos para dar cursos online sobre teatro musical.
"Nunca quis vender ilusão ou brincar com algo tão sagrado quanto o sonho das pessoas, mas, sim, trazer para elas o maior contato com a realidade possível de um artista. Como eu fazia atendimentos individuais, elas expunham seus desejos e angústias. Era quase como uma terapia em conjunto. Aprendi muito no decorrer do processo", conta. Para ela, mesmo ensinando um pouco mais do dia a dia do teatro, zelar pelos sonhos era fundamental.
Mas Fabi sabe do seu privilégio. Enquanto ela pode se reinventar, muitos amigos não tiveram a mesma sorte. "A pandemia nos impactou 200%. Enquanto eu lidero uma equipe de 30 atores no palco, no backstage somos mais de 150", conta. Esses profissionais são especializados para a área musical e, por um tempo, assim como ela, acreditaram que nunca mais iriam atuar em frente ao público.
"Ao lado da Myra, minha grande parceira artística, montamos um fundo de apoio aos técnicos de teatro musical. Fizemos um show beneficente para arrecadar dinheiro para repassar àqueles que se inscreveram em nosso site. Havia muitos fundos de apoio, mas nenhum especificamente para o teatro musical", conta. Para ela, a maternidade foi uma grande fonte de força nesse momento pandêmico.
Até mesmo os investimentos liberados pela Lei Rouanet impactaram nessa geração de empregos. "Com a redução dos investimentos pela lei, as produtoras perdem muito potencial de ter mais de um espetáculo acontecendo ao mesmo tempo, e em cada peça tem cerca de 200 pessoas empregadas, isso sem falar na bilheteria, no cara que vende pipoca, na lanterninha... E se só há um espetáculo acontecendo, as vagas são disputadas por todas as pessoas desempregadas. Isso limita muito", diz.
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