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Preparador que trabalhou com estrelas da Globo é julgado por crime sexual

Sergio Penna trabalha como preparador de atores e foi denunciado em janeiro pelo MP - Instagram/SergioPenna
Sergio Penna trabalha como preparador de atores e foi denunciado em janeiro pelo MP Imagem: Instagram/SergioPenna

De Universa, em São Paulo

09/08/2022 10h00

O preparador de elenco Sergio Penna —ex-contratado da Globo e que já trabalhou com os principais atores da emissora, como Rodrigo Santoro, Juliana Paes e Deborah Secco— será julgado nesta terça-feira (9) por importunação sexual contra alunas de cursos que ele ministrou entre 2013 e 2019.

Em janeiro, o Ministério Público protocolou quatro denúncias contra Penna pelo crime de violação sexual mediante fraude. Segundo o órgão, Sergio Penna aproveitava sua fama e posição de autoridade para abusar das vítimas. De acordo com a acusação, ele teria colocado as mãos de pelo menos duas mulheres em seu órgão genital e apertado as nádegas de outras duas, além de ter tentado beijar algumas alunas.

Na audiência de hoje, que acontece a partir das 15h, no Rio de Janeiro, serão ouvidas 11 mulheres, todas ex-alunas de Penna que relatam ter sofrido violência sexual durante os workshops e nas confraternizações que ele organizava com as turmas.

Segundo a advogada Luciana Terra, pelo menos 40 mulheres já denunciaram Sergio Penna em todo o país —além do processo no Rio de Janeiro, ele também é investigado em São Paulo e em Brasília. Algumas delas eram menores de idade na época dos fatos.

"Ele é um assediador em série. Tem um modus operandi de organizar workshops para jovens atrizes, muitas delas menores, almejando uma carreira artística, vulneráveis, que não reconheciam nada daquilo como assédio. Durante as aulas, ele passava a mão, fazia convites, agarrava, e elas tinham medo de denunciar", disse a advogada a Universa.

Ainda segundo a denúncia do Ministério Público, o preparador de elenco se aproveitava da confusão mental das alunas, já que "as mulheres ficavam na dúvida se aquela forma excessiva era o jeito de ser dele e, portanto, não havia maldade na atitude, ou se era uma forma de abuso sexual. Assim, em diversas ocasiões, os atos libidinosos eram tidos como ações praticadas 'sem querer' ou sem cunho sexual, conseguindo o indivíduo satisfazer sua própria lascívia através do meio fraudulento empregado".

Ramayana Regis, Júlia Corrêa e Clara Ferrari são algumas das mulheres que denunciam Sérgio Penna - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Ramayana Regis, Júlia Corrêa e Clara Ferrari são algumas das mulheres que denunciam Sérgio Penna
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

"Ele é uma ameaça para jovens atrizes"

Na véspera da audiência, Universa conversou, por telefone, com duas das vítimas: as atrizes Ramayana Régis e Julia Corrêa —a primeira a denunciar os abusos de Penna nas redes sociais, em dezembro de 2020.

Pairava um clima de tensão, de expectativa por "colocar um ponto final nessa história, encerrar esse ciclo", nas palavras de Julia.

"Essa é uma história muito dolorosa e em vários momentos somos silenciadas, especialmente denunciando uma pessoa influente. Mas gostaria que ele fosse parado, forçado a sair do mercado de trabalho, porque ele é uma ameaça para qualquer jovem atriz", afirma Ramayana.

Embora as 11 mulheres que serão ouvidas na audiência afirmam ter sido vítimas de Sergio Penna, apenas quatro delas, que relatam fatos acontecidos após 2018, quando foi sancionada a lei da importunação sexual, serão ouvidas na condição de vítimas. As outras, com histórias de assédio anteriores a 2018, vão depor na condição de testemunhas.

A importunação sexual é a prática de um ato libidinoso na presença de alguém, sem que essa pessoa tenha dado consentimento. A pena prevista para esse crime é de um a cinco anos de prisão.

"Estado de choque"

Tanto Julia quanto Ramayana tinham acabado de chegar ao Rio de Janeiro, aos 20 e poucos anos, para tentar a carreira de atriz, mas as duas acabaram desistindo dos planos depois do que dizem ter passado com Penna.

"Eu estava construindo meus primeiros projetos, abrindo caminhos interessantes, mas, por conta do que aconteceu, todas as portas se fecharam", lembra Ramayana. "Foi uma situação em que só estávamos eu e ele e, de qualquer forma que eu tentasse de sair dali, seria desfavorável para mim. Qualquer tentativa de me impor poderia colocar minha carreira em risco. Se eu contasse, quem iria acreditar em mim?"

"Passei algumas semanas em estado de choque, sem saber o que fazer. Chorava todas as noites, aquilo me consumiu. Chegou um momento em que falei: 'Não quero mais nada que esteja ligado à arte'. Eu não podia ouvir falar de atuação, de teatro. Tinha desistido de vez da carreira de atriz."

Ramayana passou quase três anos afastada do teatro. Hoje, aos 33, apresenta-se com a companhia Nós do Morro e também atua como produtora musical.

Julia Correia, a primeira a denunciar Sergio Penna, em 2020, trabalhou com ele por pouco mais de um ano, como assistente em alguns de seus workshops. Ela não só diz ter sido vítima de violência sexual como também afirma ter presenciado o mesmo acontecendo com outras jovens atrizes.

"Ele dizia que a gente tinha que deixar esse toque acontecer, que tinha que ser muito livre. Vi muita coisa. Selinho, tapa na bunda. E a gente sentia culpa se não visse aquilo com naturalidade. Esse é um discurso muito comum no meio, e ele se aproveitava disso. Também vi garotas com a mão na genitália dele e não sabia até que ponto aquilo era consentido ou não."

Ela diz que, aos poucos, foi entendendo o que acontecia. "Mas é muito difícil fazer uma denúncia dessas. Eu sabia que estava colocando a minha carreira em risco e resolvi desistir, mesmo. Não fazia sentido viver em um ambiente em que o abuso psicológico e sexual é tão frequente."

Na época, ela tinha 23 anos. Hoje, aos 29, trabalha com marketing. "É difícil, porque me dediquei durante anos às artes cênicas, mas hoje tenho resistência de voltar ao teatro até para assistir a uma peça."

Outro lado

Procurado por Universa, o escritório Francisco Neto, que faz a defesa de Sergio Penna, não respondeu as solicitações de entrevista por e-mail até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.