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Barriga solidária: 'Em carta à família, perguntamos quem gestaria um filho'

Caio, filho de Lanairy e Cláudio, foi gestado Patricia, pela prima do pai. Na foto também está Raphael, marido de Patrícia  - Janderson Santos
Caio, filho de Lanairy e Cláudio, foi gestado Patricia, pela prima do pai. Na foto também está Raphael, marido de Patrícia Imagem: Janderson Santos

Rebecca Vettore

Colaboração para Universa, de São Paulo

10/08/2022 04h00

Optar por uma barriga de aluguel é uma das maneiras de famílias que não conseguem gerar filhos do modo convencional realizarem o sonho de serem mães ou pais. No Brasil, porém, de acordo com a Constituição, o procedimento é considerado ilegal pela lei de transplantes (9434/97, artigo 15), que proíbe a venda de órgãos, tecidos e partes do corpo. A opção para essas famílias é a chamada "barriga solidária": acordo em que uma mulher cede durante o tempo da gestação o útero receber o embrião de um casal/ pessoa que não pode gestar. No entanto, não terá nenhum tipo de responsabilidade sobre a criança após o nascimento.

No Brasil, para ser barriga solidária de outra mulher, é necessário seguir algumas regras: ser parente consanguíneo de um dos parceiros do casal até quarto grau, ter no máximo 50 anos de idade, condições de saúde atestadas por exames médicos e passar por avaliação psicológica.

A fluminense Elisabete Guerra contou com a ajuda da irmã para conseguir ter a filha. Isabela, atualmente com seis meses, foi gestada por Maria Cristina Rufino. A médica Lanairy Magalhães também realizou o sonho de ser mãe com a ajuda de uma parente, que carregou Caio.

Elas contam a Universa como foi a experiência de viver a maternidade pela barriga solidária.

"Quando peguei ele, senti um amor inexplicável"

Lanairy Magalhães tem 35 anos, é médica clínica geral, e sempre teve o desejo de se tornar mãe. Porém, antes de formar uma família com Cláudio Magalhães, Lanairy quis estudar e fez duas faculdades: de biomedicina e medicina.

Em 2018, quando se casou com o namorado, que é bancário, tinha a ideia de esperar dois anos antes de engravidar. Mas no ano seguinte do casamento recebeu o diagnóstico de câncer de mama e resolveu congelar os óvulos para que pudesse ter filhos futuramente.

No final do tratamento mais intenso, o casal começou a pensar em ter filhos. Eles cogitaram adotar ou parar o tratamento contra o câncer, que permaneceu de forma oral, mas a oncologista desaconselhou parar porque ela precisaria parar por seis meses para tentar engravidar e se desse certo seriam mais nove meses sem receber a medicação.

"Por isso procuramos outra opção para termos um filho. Uma das minhas melhores amigas também teve câncer de mama e fez o processo de barriga solidária. Fizemos uma cartinha e mandamos para toda a família, para ver quem poderia ser nossa barriga solidária", relembra Lanairy.

Depois que uma prima da médica, Hevellen Araújo aceitou ser sua barriga solidária, o casal fez o processo de criar os embriões e dois deram certo. Ela fez inseminação artificial em fevereiro de 2022, mas a gravidez não vingou.

Na sequência, o marido da médica recebeu uma proposta para trabalhar em João Pessoa. Como eles sempre tiveram o sonho de morar na beira da praia, resolveram se mudar de Minas Gerais. Durante os primeiros meses na casa nova, eles pensaram se repetiriam ou não o processo. "Foi muito ruim o baque da negativa, mas retornamos para o processo e falamos com uma outra prima, agora do meu marido, que também tinha se disposto a ajudar", conta Lanairy.

Patrícia Magalhães confirmou que estava tudo certo para ser a barriga solidária deles, porque os dois filhos e o marido, Raphael Frota, estavam cientes e apoiavam sua decisão. Em seguida, os casais deram seguimento ao processo, tanto jurídico quanto físico.

Patrícia e o marido passaram por psicólogos para atestar que podiam passar pelo processo, enquanto Lanairy fez todo o processo jurídico, com reconhecimento em firma com registro que a prima e o marido se responsabilizavam por entregar a criança, os pais biológicos se comprometeram a registrar a criança no nome deles, etc.

A dentista fez inseminação artificial e engravidou em novembro do ano passado. Lanairy e o marido acompanharam a gestação à distância, vendo fotos da barriga, exames de pré-natal e ultrassom. "Foi um alívio quando ela engravidou porque era nosso último embrião. Se não desse certo, nem sabia o que fazer."

A prima do marido tomou todos os cuidados possíveis durante a gestação, inclusive tirando férias do emprego no último mês para repousar.

Os pais de Caio chegaram em Minas em um domingo, quando Patrícia estava na 37ª semana de gravidez, e no dia seguinte, 12 de julho, o menino nasceu.

"Ele já veio direto para meu colo para ter contato pele a pele. Foi surreal quando peguei ele, eu senti um amor inexplicável, uma sensação de paz e realizamos nosso sonho. Eu cheguei a acreditar que nunca viveria isso e hoje eu vejo que tudo foi movimentado por Deus, essa experiência que vivemos foi espetacular", relembra Lanairy.

Lanairy - Janderson Santos - Janderson Santos
Lanairy e Patricia Magalhães
Imagem: Janderson Santos

"Quando segurei Isabela no colo me senti completa"

Antes mesmo de casar, a técnica de informática Elisabete Guerra, hoje com 44 anos, já tinha o sonho de ser mãe. Porém, logo no primeiro ano de casamento, há 22 anos, teve diversos problemas de saúde que a impediram de gestar sua filha.

No primeiro ano de casamento, Elisabete descobriu um cisto grande em um dos ovários e em razão de um grave risco de rompimento, ela precisou passar por cirurgia. No ano seguinte o mesmo aconteceu no outro ovário. Como consequência das duas cirurgias, houve obstrução das duas trompas, o que a impedia de seguir com gravidez natural. Ela e o marido, Glauber Guerra, decidiram optar pelo tratamento por FIV (Fertilização In Vitro).

Depois de passar por seis tentativas de FIV sem sucesso, na sétima vez o casal de Volta Redonda (RJ) recebeu a notícia de que Elisabete ficou grávida. Tudo corria bem até a 31ª semana de gestação, quando a fluminense foi internada na UTI com pressão alta em 2017.

Após cinco dias internada, para tentar controlar a pressão, foi feito o parto de uma menina, que recebeu o nome de Júlia. A bebê nasceu prematura com apenas 1,5 kg e foi para a UTI Neonatal do hospital. Seis horas após o parto, Elisabete teve hemorragia interna severa e foi diagnosticada com pré-eclâmpsia e Síndrome de HELLP (Complicação grave de pressão arterial elevada durante a gravidez).

Elisabete acabou em coma por 24h e ficou internada por 20 dias. Com 7 dias de vida, Júlia teve uma parada cardiorrespiratória e morreu. "Meu mundo desmoronou, senti muita culpa achando que eu não era capaz de segurar ela na barriga e uma dor dilacerante. A Júlia deixou um vazio muito grande quando partiu", conta Elisabete.

Seis meses após o parto, a técnica de informática teve obstrução intestinal por uma hérnia encarcerada - consequência das aderências das várias cirurgias a que foi submetida. Depois de todo o ocorrido, o útero da Elisabete foi preservado e ela pensou em tentar uma nova FIV, mas todos os médicos desaconselharam, pois o risco de acontecer a pré-eclâmpsia novamente era muito alto.

Maria Cristina Rufino, irmã de Elisabete, de 42 anos, acompanhou todos os processos, sempre a motivando e ajudando. "Quando ela engravidou da Júlia, a família ficou muito feliz, mas teve um desfecho muito triste, daí minha motivação aumentou para ajudá-la. Nós lemos algumas histórias de outras mulheres que tinham sido barriga solidária e começamos o processo", conta a assistente social.

Família - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elisabete, Sofia, Maria e Glauber
Imagem: Arquivo pessoal

A técnica de informática relembra que a gravidez da irmã não deu certo logo de cara. "Ela fez duas tentativas de FIV, que deram negativas. Mas na terceira a gente conseguiu, e a Maria ficou grávida da Isabela em maio de 2021. Foi uma gestação cheia de desafios: no meio da pandemia, a minha irmã passou bastante mal e a gente teve risco de perder a Isabela."

Com seis semanas da gravidez ocorreu um sangramento, que exigiu repouso total da Maria Cristina até passar os três primeiros meses. Segundo os médicos, a chance da bebê continuar vivo era de apenas 1%.

Elisabete cuidou da irmã na casa dos pais delas, e no meio do caminho, o pai das duas contraiu covid-19, contaminou toda a família e acabou falecendo. "Esse tempo de recuperação foi difícil, mas perder nosso pai no período foi mais complicado ainda", lembra Maria.

Após esses momentos difíceis, a gestação foi tranquila. No 2º trimestre da gestação, após os exames de ultrassom mostrarem que não havia mais o descolamento, a gravidez seguiu normalmente e a menina nasceu em janeiro de 2022.

Elisabete - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elisabete e Glauber Guerra com a filha Isabela
Imagem: Arquivo pessoal

"Quando segurei Isabela no colo me senti completa. A chave virou, eu só pensava em cuidar dela, foi uma alegria tão grande que nem conseguia dormir. Olhava toda hora para ver que era real, de verdade, que ela é minha. Meu bebê arco-íris", completa Elisabete.