Renata Sorrah: 'Direitos das mulheres não são permanentes, a luta é diária'
Fotografias de arquivo de personagens memoráveis como Heleninha Roitman, em "Vale tudo", e Nazaré Tedesco, em "Senhora do Destino", e de bastidores de peças como "Antígona" e "Medeia", se revezam, no perfil de Renata Sorrah no Instagram, com posts de "dever cívico", como ela diz. Sem ligar para os comentários, a atriz, que completou 75 anos em fevereiro, não fica em cima do muro e publica com frequência mensagens políticas e em prol dos direitos humanos em sua conta na rede social.
Tem foto com a vereadora Erika Hilton, no Dia da Visibilidade Trans, post em combate à violência contra a mulher, bandeira do arco-íris, no Dia Internacional contra a homofobia, campanha pela defesa dos direitos de povos indígenas, crítica à juíza que negou a interrupção da gravidez da menina de 11 anos vítima de estupro em Santa Catarina e até mesmo "É proibido chamar o genocida de presidente". "É meu dever de cidadã, em primeiro lugar. Mas é muito importante os artistas se posicionarem, também. Nós temos voz", acredita.
Essa vertente engajada perpassa ainda pelos seus papéis atuais. Renata interpreta duas mulheres feministas, tanto na série "Filhas de Eva", na TV Globo—que já começa com sua personagem, Stella, pedindo o divórcio na festa de Bodas de Ouro—, como na peça "O Espectador", no Teatro Poeira, no Rio, ao lado de Marieta Severo, Ana Baird e Andrea Beltrão, em um jogo teatral entre palco e plateia simulando um tribunal de júri.
Relembrando Simone de Beauvoir, um dos maiores nomes do feminismo, Renata diz que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. "Esses direitos não são permanentes. É uma conquista diária. Nós temos que nos manter vigilantes durante toda a vida", alerta a atriz, em entrevista concedida por conversa de áudio de WhatsApp, por causa da sua agenda atribulada. Para ela, apesar de haver ainda muita luta pela frente, pautas do movimento LGBTQIA+ e do antirracismo seguem avançando.
Em "Medida Provisória", filme de Lázaro Ramos que retrata um futuro distópico em que um governo autoritário ordena o exílio de todos os afrodescendentes do Brasil para a África, Renata interpreta Dona Izildinha, uma mulher representante da ala reacionária com falas racistas: "É um retrato de um conservadorismo que está muito em voga", critica a atriz, que declarou ainda apoio ao ex-presidente Lula (PT) nas eleições de outubro.
UNIVERSA - Como foi voltar ao palco e ao estúdio depois do confinamento da pandemia?
Renata Sorrah - Eu espero que quando essa pandemia se dissipar de uma vez a gente realmente possa assimilar. Isso é muito importante. Voltarmos ao que éramos antes não pode estar nos planos. É preciso que haja mesmo uma renovação. Uma renovação cultural, política, social, afetiva. A gente precisa ser mais colaborativos e menos competitivos. Não dá para superar a pandemia e continuarmos como antes, as florestas continuarem a arder, por exemplo. A gente deveria ter aprendido tanta coisa...
Você postou recentemente no Instagram um texto da escritora Virgínia Woolf em que diz que as transformações históricas fizeram com que as mulheres não fossem mais um instrumento de afirmação para os homens e que tudo isso serviu de inspiração para sua personagem na série "Filhas de Eva" e na peça "O Espectador". Como é a força feminista destas duas personagens?
A peça traz quatro atrizes inteligentes, talentosas e bem posicionadas na política da vida. Ela é dirigida por dois homens brilhantes [Enrique Diaz e Marcio Abreu], que rejeitam totalmente o paradigma da masculinidade tóxica. O texto foi trabalhado também a partir das lembranças e das experiências pessoais de cada uma de nós. E isso resultou num processo e num espetáculo feminista. Já em "Filhos de Eva", a Stella vive uma espécie de despertar.
Ela rompe um casamento em que viveu anulada por décadas e vai atrás dos seus desejos e da sua autonomia. O movimento de liberdade dela acaba influenciando o da filha e da neta. Ela busca se tornar uma mulher mais atenta e livre e levanta questões muito importantes, como autoestima, envelhecimento, sonhos, sexo, trabalho e família. A Stella quer oxigenar sua vida com novas posturas, novas relações, novas compreensões. É muito bonito esse movimento dela. Mas vale lembrar que ela é uma mulher privilegiada, porque ela pode optar por fazer isso. Existem milhares de mulheres que não podem por questões financeiras ou por outras questões.
Em quem mais você se inspirou para compor essas duas personagens?
As personagens nasceram de mim, são resultados da minha experiência de vida, né? Dos meus amores, da minha relação com o trabalho, do meu compromisso de estar sempre buscando derrubar barreiras ultrapassadas. E elas são sempre uma troca. No teatro, sem dúvida, você tem a resposta na hora. Eu dou, bate no espectador, ele absorve aquilo, responde e recebo de volta. E essa troca é de mão dupla. É um aprendizado constante. Isso me faz crescer. Por exemplo, eu dei a Stella minhas experiências de vida, minhas alegrias, minhas tristezas, o meu conhecimento, tudo. E ela, personagem, me devolve também. É muito bonito.
A sociedade está menos machista hoje? Quais mudanças você sente em relação à quando iniciou como atriz?
Vou citar Simone de Beauvoir. Ela diz que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. É uma conquista diária. Nós temos que nos manter vigilantes durante toda a vida. Hoje no Brasil estamos enfrentando um momento difícil, estranho. Se o país não tomar cuidado, vai virar decadente. Eu acredito que isso acabe logo. Mas existem alguns movimentos que estão explodindo, maravilhosos, que são o movimento antirracista e o movimento LGBTQIA+.
Hoje a sociedade está muito melhor do que anos atrás, quando comecei na televisão, no teatro. Temos atores negros protagonistas. Relações homoafetivas estão sendo vividas livremente. É um começo. Mas ainda há muita luta pela frente. Precisamos de muitas conquistas no enfrentamento do racismo estrutural, do feminicídio, da homofobia e da ameaça aos povos originários... Meu Deus, como eles precisam! Eu espero sinceramente que os meus netos façam parte dessas lutas e que a geração deles avance ainda mais nessas pautas.
Você costuma postar no Instagram mensagens em defesa da democracia, dos direitos humanos, dos povos originários, do SUS, e contra a LGBTfobia e o racismo. É um dever se posicionar como representante da classe artística?
Bom, eu acho que é um dever de todo cidadão. É meu dever de cidadã, em primeiro lugar. Mas acho muito importante os artistas se posicionarem, também. Porque nós temos voz.
Por conta do seu posicionamento, recebe mensagens de ódio virtual? Como lida com elas?
Essas mensagens de ódio não chegam até mim. Se elas existem, que voltem com toda a sua fúria para quem as destilou contra mim. Acho tão covarde esses ataques pela internet. É muito feio você se esconder atrás de um nome que a gente não sabe se é de verdade ou não.
Você inclusive já postou contra o atual presidente. Você declararia apoio a algum candidato?
Sim. Lula, no primeiro turno.
"Hoje é ela que me mostra o mundo. Me mostra um caminho mais justo e mais bonito", você postou em homenagem à sua filha. Ser mãe, e depois se tornar avó, de Miguel e Betina, mudou sua relação com a vida?
Não é que a minha relação com vida tenha mudado. Ela se ampliou em afeto, se multiplicou em conhecimento. Aprendo todos os dias com eles, com a Mariana, com o Miguel e com a Betina. Eles me mostram um caminho muito bonito pra trilhar. É esse o futuro que eu quero.
Você completou 75 anos neste ano. O que a maturidade te trouxe?
Inteligência.
O que mais te traz prazer hoje?
Uma das coisas que mais me traz prazer é estar no palco com saúde, no palco do Teatro Poeira, ao lado de três amigas, que são atrizes geniais e encontrar um público sedento por teatro. Acho que essa é a minha maior alegria hoje em dia. Existem outras, claro, mas essa está assim... Bombando. Está em primeiro lugar (risos).
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