'Descobri que tenho dois irmãos biológicos em um programa de auditório'
"Tinha apenas seis anos quando um repórter de televisão veio até a casa onde eu morava com meus pais e minhas irmãs. Ele estava ali por minha causa e foi recebido de maneira relutante pela minha mãe. Após conversarem um pouco, ela acabou cedendo e me deixou participar do programa. O repórter então entrou e pediu que eu gravasse uma mensagem para minha mãe biológica - ou para 'a mulher que me teve na barriga', como eu estava acostumada a chamá-la.
Na época, eu já sabia que era adotada. Meus pais sempre fizeram questão de deixar isso claro. Eu só não tinha ainda uma noção exata sobre o meu passado - e nem do que aquele programa queria dizer.
Algum tempo depois, as imagens foram exibidas na Band e até saí mais cedo da escola para poder assistir. No entanto, devido a minha pouca idade, quase nada do que vi ficou gravado na minha memória.
Os anos foram passando e, ao chegar na adolescência, me tornei mais consciente sobre as minhas origens. Sempre que fazia uma pergunta sobre minha família biológica, ela era respondida sem meias palavras. Desenvolvi com a minha mãe uma relação de extrema confiança.
Aos 13 anos, no entanto, algo inusitado aconteceu. Tive a oportunidade de assistir a uma fita cassete com a gravação completa daquele dia do qual eu quase não me recordava. Só então entendi do que se tratava: eu havia participado do programa 'Hora da Verdade' - uma espécie de 'Casos de Família' antigo, apresentado pela Marcia Goldschmidt.
Nele, minha mãe biológica tentava recuperar a guarda de dois dos seus filhos, que nasceram depois de mim. Dois irmãos biológicos dos quais eu não sabia nada sobre a existência até aquele momento.
'A sinceridade fez com que eu crescesse bem resolvida'
Para entender a história, é preciso explicá-la do começo: quando nasci, em um hospital público de Campinas (SP), a mulher que me gerou já tinha outros cinco filhos. Logo após o parto, ela anunciou no hospital que estava interessada em doar as crianças, por não ter recursos financeiros para sustentá-las.
Minha mãe, que trabalhava como enfermeira em uma cidade próxima, se interessou, viu as condições em que eu estava morando e decidiu me adotar aos 3 meses de vida.
Sabendo que as demais crianças continuavam passando por necessidades, ela não sossegou. Entrou em contato com amigos e conhecidos e conseguiu a adoção de mais uma delas. Em seguida, trouxe os outros quatro para dentro de casa, pediu que fossem concedidas bolsas de estudos para todos em uma escola particular e continuou na busca por uma família para eles. Depois de alguns meses, conseguiu a adoção de todos. Ela não descansou, também, até regularizar todo o processo na justiça, o que demorou alguns anos.
Desde o princípio, dizia que eu era sua filha do coração. Que, diferentemente das minhas duas irmãs mais velhas, tinha nascido da barriga de uma outra mulher - mas que isso não mudava o fato de ela ser minha mãe.
Ela também incentivou para que eu mantivesse o contato com meus irmãos de sangue e me levava para visitá-los sempre que possível. Graças a essas atitudes, cresci bem resolvida em relação a minha adoção e nunca senti a necessidade de conhecer minha mãe biológica, embora tivesse uma curiosidade natural em saber o que aconteceu.
'Fui pega de surpresa ao saber dos outros irmãos'
Em 2001, quando o repórter da Band nos procurou, minha mãe não gostou. A mulher que me doou queria recuperar a guarda de duas crianças, que nasceram depois de mim, de um relacionamento que começou após a minha adoção.
O pai delas, ciente do que aconteceu no passado, se negava a conceder e explicou seus motivos à produção. Então, eles acharam que seria uma boa ideia confrontá-la de surpresa no palco, mostrando imagens dos seus outros filhos, que foram adotados.
Na época, com o jornalista fazendo pressão na nossa porta, minha mãe se recusou a participar, mas acabou cedendo que eu mandasse um recado rápido para a mulher que me gerou. Minha resposta, aos seis anos de idade, foi a mais espontânea possível. Disse que estava bem, que esperava que ela também fosse feliz e, ironicamente, desejei até que ela 'tivesse mais filhas'.
Aos 13 anos, durante uma visita para um dos meus irmãos biológicos, soube que ele tinha o programa gravado. Só depois de assistir tudo foi que entendi o contexto - e tomei consciência da existência destes outros filhos. Foi uma surpresa descobrir pela TV, já que até então esse assunto não tinha surgido em casa.
'Ser adotada foi o melhor que poderia me acontecer'
Apesar do susto, segui com minha rotina normalmente. Em alguns momentos, pensava que poderia procurá-los, mas logo em seguida me lembrava de todo o amor que recebo da minha família e de como já me sinto completa com aqueles que fazem parte do meu ciclo. Com isso em mente, decidi deixar o assunto de lado.
Anos depois, o inverso aconteceu: um homem me adicionou nas redes sociais dizendo que era meu irmão e que gostaria de manter contato. A essa altura, eu já estava com a decisão tomada e, portanto, a história não foi adiante.
Até hoje não conheço pessoalmente nenhum deles, nem minha mãe biológica. Achei que seria melhor assim, pois me sinto em paz com o passado e não vejo necessidade de incluí-lo no presente.
Hoje sou casada e tenho dois filhos. Tenho certeza de que, dentro das possibilidades, o melhor me aconteceu. Sei que se permanecesse na minha família de origem, não teria a chance de me desenvolver e nem de realizar meus sonhos.
Mas, graças a adoção de uma mulher incrível, saí de um lugar sem deslumbre de crescimento e parti para um futuro muito melhor. Apesar das descobertas, sigo em paz com o desenrolar da minha história de vida e com as minhas decisões." *Thalini Emerick, 26 anos, empresária, mora em Londrina (PR)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.