1 mala e 200 roupas: a vida da chefe de figurino no Cirque du Soleil
Neta do proprietário de uma confecção de lingerie, Luana Ouverney, 36 anos, cresceu costurando o sonho de um dia trabalhar com moda. O que ela não imaginava, porém, é que comandaria a equipe de um dos espetáculos do Cirque du Soleil, companhia canadense de sucesso internacional, talvez a mais aclamada do mundo.
A turnê "Bazzar", da qual a brasileira assina como chefe de figurino, chega ao país com seus mais de 100 integrantes —será a oitava vez que a trupe se apresenta no país— para a estrear a nova temporada no dia 8 de setembro, em São Paulo. O espetáculo marca também a primeira vez de Luana com o Cirque em seu país, embora tenha feito o primeiro trabalho no grupo em 2009. Para essa apresentação, 34 figurinos foram criados, totalizando 200 peças entre roupas e acessórios usados pelos bailarinos.
O enredo dessa história começou ainda na infância de Luana, passada na Niterói dos anos 1990, no Rio de Janeiro, época em que se via mais circos itinerantes, principalmente no interior do estado. "Me questionava como era a vida dessas pessoas que estavam sempre viajando. Eu mesma cheguei a me mudar umas cinco vezes na adolescência", relembra.
A curiosidade de Luana não se limitava ao estilo de vida desses artistas: as cores dos figurinos dos espetáculos aos quais assistia faziam brilhar os olhos e muito lembravam os tecidos da confecção do avô. Escolher a carreira que queria seguir, portanto, não foi tarefa difícil e ela se formou em Moda em 2007.
Foi no mesmo ano que ouviu falar no Cirque du Soleil pela primeira vez, quando o grupo veio ao Brasil apresentar "Alegría", um dos seus espetáculos mais populares, mas ela só viu pessoalmente dois anos depois, nos Estados Unidos, enquanto fazia um intercâmbio. "Assisti ao 'Zumanity' em Vegas e gostei muito. Era um espetáculo muito sensual", conta.
Ao voltar, em 2009, descobriu que a companhia estava contratando pessoas para um trabalho temporário na área de figurino, para o espetáculo "Quidam", e conseguiu uma vaga como costureira.
Encontro com Deborah Colker
Após esse trabalho, Luana foi se especializar na Europa e nos EUA em fashion styling, merchandising e costume design, e em 2013 veio o convite para fazer parte da companhia, também no "Quidam", que na época rodava os países norte-americanos.
Em um ano foi promovida a assistente de figurino até chegar à chefia do departamento naquele espetáculo. Atuou ainda em shows importantes como "Varekai" e "Ovo", esse último dirigido pela brasileira Deborah Colker, com trilha sonora composta e interpretada por brasileiros. As duas se conheceram em Londres.
"Esse espetáculo tinha tudo a ver comigo porque, além de ser 100% sustentável, admirava muito a Deborah Colker. Depois me ofereceram para atuar com a criação de 'Bazaar', em Montreal, e esse era meu sonho: criar tudo do zero."
Luana hoje tem o cargo de Head of Wardrobe (chefe de figurino) e a missão de criar a parte técnica e funcional de cada roupa e acessório. O designer de figurino James Lavoie apresenta os croquis e ela é a responsável por escolher o melhor material para cada apresentação.
"A roupa não pode incomodar os artistas de forma alguma", explica ela, antes de completar que seu próximo passo é conseguir criar um figurino inteiro e colocar em prática suas ideias relativas à sustentabilidade na moda.
Filha de uma cozinheira e um designer gráfico, Luana aprendeu com o pai a reaproveitar materiais. Coincidentemente, morou com uma família americana "toda sustentável", nas palavras dela:
"Eles tinham uma Mercedes velha que funcionava a biodiesel, e iam a restaurantes coletar óleo de cozinha. Também faziam compostagem, tinham horta e compravam em brechós. A partir daí, e também inspirada pelo meu pai, comecei a transformar o que tinha em algo melhor, e quero levar isso cada vez mais para o Cirque."
Choque de culturas
A rotina de viver com uma mala, mudando de país a cada nova temporada, levou Luana ao encontro de alguns choques culturais. Em uma viagem à Índia, teve dificuldades de adaptação por causa da poluição e da miséria. "Tinha dias em que a cantora do grupo precisava usar máscara de oxigênio para conseguir terminar a apresentação", conta.
Foi nessa mesma viagem que viu uma das artistas, de quem era muito amiga, sofrer assédio de um diretor. Luana foi quem a incentivou denunciá-lo e ele acabou demitido uma semana depois. "Após o episódio, houve um debate aberto sobre o que aconteceu e ensinamos que precisamos nos acolher, até porque viajamos muito por lugares diferentes e somos uma família. Também explicamos que a mulher tem que fazer e vestir o que quiser e ser respeitada por isso."
Luana conta que a companhia tem cada vez mais a preocupação em contratar mulheres, inclusive para atuar em áreas consideradas mais masculinas:
"Temos, por exemplo, uma mulher responsável pelos cabos por onde são pendurados os artistas e isso exige muita força. Mas ainda há diretores técnicos que não querem que a gente ajude em certos departamentos por sermos mulheres. Ainda bem que é uma minoria, porque eu mesma gosto de fazer parte da montagem."
Calvin Klein e Beija-Flor
Depois do choque de realidade na Índia, Luana pediu um ano sabático, e nesse intervalo, em 2019, criou a Lutom, uma marca sustentável com o marido, um designer americano que conheceu recolhendo lixo na praia para reciclagem, nos Estados Unidos. Também publicou o livro "Eco-Savvy Traveler Guidebook", um guia sobre sustentabilidade baseado em suas experiências, e foi convidada por Francisco Costa, diretor criativo da coleção feminina da Calvin Klein, para ser sua assistente no Carnaval de 2020 na escola carioca Beija-Flor de Nilópolis:
"Juntamos uma equipe muito legal e ganhamos nota 10 em todos os quesitos da comissão de frente."
Luana teve ainda seu primeiro filho, Benjamin, hoje com 1 ano, e se deparou com outro choque: voltar a trabalhar enquanto mãe e deixar o marido em casa cuidando da família.
"Quando tivemos nosso filho, combinamos de eu ser a provedora enquanto ele cuidava do bebê, mas sua família foi contra, questionava o que ele faria da vida além de ficar em casa com a criança. Eu respondia que ele faria o mesmo que muita mãe, inclusive eu. E está dando certo."
A família, aliás, está acompanhando Luana durante sua passagem pelo Brasil.
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