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'Personagens femininas deixaram de ser só vítimas em thrillers', diz autora

A autora Lucy Foley fala sobre sua experiência no universo dos thrillers  - Divulgação
A autora Lucy Foley fala sobre sua experiência no universo dos thrillers Imagem: Divulgação

De Universa, em São Paulo

15/08/2022 04h00

Você pode não saber quem é Lucy Foley pelo nome, mas certamente já cruzou com algum de seus títulos em uma livraria. Com 140 mil livros vendidos no país, a autora inglesa de 36 anos estreou em português com a "A última festa" (Intrínseca) e agora lança no Brasil "O apartamento de Paris", sua terceira tradução para os fãs de mistério por aqui.

Na trama, Jess vai visitar o irmão na capital francesa e, ao chegar em sua casa, percebe que ele desapareceu. Inspirada principalmente pelos lugares que visita, Lucy conta, em entrevista a Universa, que a ideia do livro surgiu enquanto ela passava uma temporada em Paris —e em certas relações tóxicas que acabamos desenvolvendo com alguns familiares, por mais que os amemos.

Por zoom, a autora conversou com a reportagem direto de sua cozinha. Com uma voz animada e riso fácil, nem parece que ela escreve tramas que nos deixam cheias de tensão —mas que são difíceis de largar desde a primeira página.

UNIVERSA: O thriller é um gênero que parece ter conquistado mais autoras mulheres. A que você atribui esse fenômeno?
Lucy:
Quando penso nas minhas autoras de thrillers preferidas, penso em autoras mulheres. E elas são de épocas diferentes. Então me questiono se não teve uma queda de interesse por um período sobre o assunto. Nos últimos anos, realmente há uma grande quantidade de mulheres falando sobre mistérios. O que eu gosto dos livros escritos por mulheres é da construção dos personagens, que geralmente têm algum impacto com o crime e os motivos psicológicos que cercam a trama. É sobre isso que quero ler: bons personagens primeiro, mortes depois. Mulheres fazem isso muito bem.

Muitos thrillers usam problemas reais, como abandono familiar, relacionamentos tóxicos, como parte de sua trama. Você acredita que as histórias podem ajudar mulheres que passam por isso em suas vidas?
Essa é uma pergunta interessante. Quando estou escrevendo, tento buscar pontos da história com os quais a leitora vai se identificar e reconhecer em sua própria vida. Em "A última festa", por exemplo, queria que as pessoas pensassem em sua relação com velhos amigos. Em "O apartamento de Paris", meu último lançamento no Brasil, quis falar um pouco sobre a relação tóxica que temos com a nossa família, por mais que a gente a ame. Esses elementos tornam as tramas mais acessíveis para quem lê. Tem algo reconfortante em pensar que pelo menos a sua vida não tem tantos desastres. [risos]

O que te inspira a escrever essas histórias?
Os lugares me inspiram. Para "A última festa" eu tinha viajado para uma ilha na Escócia com meu marido e começou a nevar muito. Com aquele clima, você não pode sair de onde está. E, para mim, aquele era o cenário ideal para um mistério. Em "A lista de convidados" a inspiração veio de uma forma similar: viajei para uma ilha e pensei que seria legal ter um casamento com mistério por lá. Já para "O apartamento de Paris" a inspiração veio de um período em que eu aluguei um apartamento na cidade. Era meio estranho, eu conseguia escutar meus vizinhos e comecei a me perguntar o que as pessoas estavam fazendo.

Sua imaginação sempre foi fértil assim?
Tenho sorte, porque nunca me preocupo com a próxima ideia. Tenho ideias até demais, difícil é decidir qual delas vou usar. Algumas podem ser mais legais do que outras, mas elas precisam ser capazes de estimular os leitores.

"O Apartamento em Paris" (Intrinseca) - Divulgação - Divulgação
"O Apartamento de Paris" (Intrinseca)
Imagem: Divulgação

Você acredita que essa migração das mulheres do romance para o thriller está relacionada ao empoderamento feminino? Em não buscarmos mais um príncipe encantado?
Pode ser parte do motivo. O que eu acho interessante, e estava conversando sobre isso com uma amiga e autora do gênero recentemente, é que os thrillers também mudaram. Há alguns anos os crimes aconteciam com as mulheres, agora elas são as protagonistas em papéis mais ativos. Vão solucionar os mistérios e têm um certo controle sobre a história, porque não são as vítimas. Acho que isso mudou nos livros.

Não mexe com o seu psicológico ficar escrevendo histórias com esse peso no imaginário?
Com certeza. Principalmente se estou escrevendo uma cena muito tensa. Nem faço isso tarde da noite porque não consigo dormir depois. Prefiro escrever de manhã [risos].

Quando você começou a escrever, chegou a pensar que se tornaria uma bestseller mundial?
Não, foi surpreendente. Escrevo primeiro para mim, porque passava muito tempo dentro da minha cabeça e tinha que dar vazão para essas histórias. Foi incrível me tornar uma autora e fazer as personagens ganharem diálogos. Nunca imaginei chegar a tantas pessoas, mas é surpreendente ver como minhas narrativas engajam os leitores e os deixam animados.

Você já sabe sobre o que vai escrever quando começa uma história?
Já estou me dedicando ao meu próximo livro e tento fazer isso, mas não funciona comigo, porque para mim a trama é sempre muito centrada no personagem. Vou descobrindo conforme escrevo onde entrarão os momentos de ação e como o personagem vai se comportar. Isso torna, para mim, a escrita algo muito interessante. Eu, por exemplo, tenho uma vaga ideia do que quero nos diálogos, mas quem guia tudo são os personagens.

Foi difícil entrar na indústria literária sendo uma mulher que escreve thrillers?
Antes de ir para esse gênero, eu escrevia romances históricos. Me questionei por muito tempo se eu conseguiria escrever mistérios. O Reino Unido tem uma comunidade muito forte de autores que se dedicam aos thrillers e achei que não iriam me aceitar. Mas só consegui pessoas legais e receptivas. Não senti essa competitividade entre os autores. O crime está tão popular no momento e os leitores estão tão vorazes pelo gênero que leem tudo. Nunca há histórias o suficiente. Não precisa de competição. Nós nos apoiamos, me senti muito agradecida.

Você acredita que muitas mulheres leem thrillers para se sentirem preparadas para fugir caso sejam vítimas?
Quando eu ouço histórias de true crime fico imaginando que eu poderia estar naquela situação. Eu tenho um irmão, o que eu faria se ele tivesse sumido como acontece em "O apartamento de Paris"? Você tem que se colocar naquela situação, no lugar do protagonista. Acho que tem muitas mulheres fascinadas por esses livros porque, só por ser mulher, é difícil sair para caminhar à noite, por exemplo. Você pensa o que faria se um cara chegasse por trás de você. Realmente é um lugar sombrio sobre o qual mulheres precisam pensar no dia a dia. Ler e ouvir sobre isso te leva a pensar no que faria. A coisa boa do livro de mistério é que você sabe que, no final, tudo será solucionado e o criminoso, provavelmente, punido. É reconfortante.