'Se achava o garanhão': quem é o juiz alvo de denúncias de assédio em SP
"Ele é um professor engraçado, que faz piada e realmente é muito bom. Todos gostam dele. Mas em conversas privadas, ele se achava com muito poder. Dizia que ele conseguiria sair com qualquer menina, porque ele era juiz. Ele se achava o garanhão". Essa descrição de Marcos Scalercio, 41 anos, juiz da Justiça do Trabalho de São Paulo, e alvo de pelo menos dez denúncias de assédio sexual nesta segunda-feira (15), é feita por uma ex-aluna da Damásio Educacional. Larissa* não está entre as denunciantes, mas reconheceu a situação ao ler a reportagem no g1 sobre as acusações.
Ela estudou no cursinho preparatório para o exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em 2018, ano em que conheceu o professor. De acordo com a aluna, em entrevista a Universa, as denúncias que vieram a público já são conhecidas, inclusive pela instituição de ensino, há pelo menos quatro anos.
Em nota, a Damásio Educacional afirma que o professor foi afastado de suas atividades. "A instituição esclarece que atua na promoção de um ambiente acadêmico respeitoso e repudia qualquer ação que seja contrária aos seus valores e ao código de ética", diz o texto enviado a Universa.
Larissa tinha 28 anos quando cursou as aulas de Marcos, todos os sábados pela manhã. Um dia, ela fez um post em que marcou o professor no Instagram. "Os alunos tinham esse hábito de fazer publicações e marcar os professores. Eu agradeci pelas aulas porque ele, de fato, é um bom professor. Então, ele perguntou onde eu morava — eu morava em São Paulo, na época — e também me perguntou se eu era solteira, se tinha filhos. Não vi problema nenhum nisso e respondi", disse.
A estudante era estagiária de um escritório na época. Um dia, precisou ir até a 3ª Vara do Trabalho, onde o encontrou no fórum. "Ele me convidou para ir até o gabinete dele e disse que sabia onde eu morava, que poderia me dar carona. Eu disse que tinha que voltar para o trabalho e que não precisava, porque eu já estava de carro. E pedi para ele não confundir as coisas", relata.
Professor tinha fama de assediador
Após rejeitar as investidas, Larissa diz ter ouvido que "não tinha potencial" para um homem como ele. "Falando em bom português, ele me disse que eu não era mulher para aguentar o pau dele", relatou à reportagem.
"Ele começou a me chamar no Instagram e eu passei a ignorá-lo. Então, ele começou a falar que eu dava em cima de todos os professores do Damásio, este tipo de coisas. Foi quando eu comecei a tirar prints e falei que estava fazendo isso e que eu divulgaria aquilo se ele não parasse com aquela história. Ele se sentiu ameaçado e nunca mais me enviou mensagem", contou.
Segundo a estudante, a "fama" do professor era conhecida por outros colegas da instituição — inclusive ela já teria ouvido de outro professor se ela "também caiu no papo do Marquinhos". "A instituição já sabia das denúncias há muito tempo, e como não conseguiu reunir as provas que precisava, ficou por isso mesmo", relatou a ex-aluna a Universa — a instituição de ensino foi procurada pela reportagem, que não obteve resposta até a publicação deste texto.
"Ele dizia coisas como 'sou juiz, geralmente eu consigo o que quero'. Ele se julgava o cara, dizia que poderia sair com todas as meninas, que todo mundo dava em cima dele."
Me Too já recebeu três novas denúncias
O site g1 teve acesso a denúncias de dez mulheres contra Marcos Scalercio, de episódios que teriam acontecido entre 2014 e 2020. Os relatos foram reunidos pela organização Me Too Brasil, que faz acolhimento e dá apoio jurídico a vítimas de assédio.
Algumas vítimas afirmam que Scalercio tentou agarrá-las e beijá-las à força dentro do seu gabinete no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Barra Funda. Outras, que o assédio ocorreu em uma cafeteria próxima ao cursinho, que fica na Liberdade, no Centro da capital paulista, ou por mensagens de texto. Além disso, segundo o Me Too, uma das vítimas o denuncia por ter participado de uma reunião de vídeo completamente nu e se masturbando.
"Quando recebemos as denúncias, em 2020, fizemos o acolhimento das mulheres junto com o projeto Justiceiras e encaminhamos as denúncias ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça]", conta. No fim de agosto de 2021, informou a advogada, as vítimas foram ouvidas pela Ouvidoria das Mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público. Foram expedidos pedidos de providências para o TRT-2, onde o magistrado trabalha.
O processo, no entanto, foi arquivado pela segunda vez no início deste ano e devolvido para o TST (Tribunal Superior do Trabalho), que pediu que o processo fosse encaminhado ao CNJ — o órgão ligado ao Poder Judiciário e que pode abrir processos administrativos e aplicar sanções e até o afastamento de magistrados que tenham desvio de conduta comprovado.
Depois das denúncias virem a público, a Corregedoria do CNJ decidiu revisar os trabalhos feitos pelo TRT. Essa nova investigação é uma apuração preliminar para apurar se vai abrir um novo processo, já com os novos depoimentos. Em nota enviada a Universa, o CNJ afirmou que a apuração tramita em segredo de justiça.
Para Universa, a advogada Luanda Pires, diretora de Política Pública da Me Too Brasil, afirma que desde a publicação da reportagem na manhã desta segunda-feira (15), a ONG já recebeu três novas denúncias contra o magistrado.
"O modus operandi é o mesmo em praticamente todas as denúncias: ele as levava ao gabinete dele ou outro espaço e tentava acuar essas mulheres para um contato sexual ou beijo. Os relatos que as vítimas compartilharam indicam que, durante a pandemia, ele fez isso via webcam", descreve a advogada. "Ele se usava a posição de poder dele nos dois ambientes de trabalho: no fórum e como professor do cursinho."
A advogada informou que uma investigação criminal está em trâmite e que o MPF (Ministério Público Federal) foi oficiado.
Defesa afirma que provas são insuficientes
A reportagem também procurou o juiz Marcos Scalercio, que respondeu através de uma nota enviada por seus advogados.
A defesa do magistrado afirmou que as acusações já foram objeto de crivo e juízo de valor pelo órgão correcional e colegiado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e que ele foi absolvido pelo tribunal e o caso foi arquivado. "Foram ouvidas 15 testemunhas no processo. O arquivamento, portanto, demonstrou que o conjunto probatório, obtido no exercício do contraditório, é absolutamente insuficiente para dar lastro em qualquer dos fatos relatados", diz trecho da nota.
"É de se esclarecer que a passagem do caso pelo CNJ é etapa natural de qualquer expediente em que se delibera pelo arquivamento no âmbito regional. Não se trata, portanto, de nova investigação, até mesmo porquanto inexistem fatos novos", continuam os advogados.
"Uma vez mais, reitera-se o compromisso deste magistrado e seus advogados com a apuração da verdade dos fatos e seu respectivo contexto, na lógica do devido processo legal. O Dr. Marcos Scalercio é profissional de reconhecida competência e ilibada conduta pessoal, quer seja no âmbito acadêmico, quer seja no exercício da judicatura."
* Nome foi mudado a pedido da entrevistada
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