'A imagem da mulher negra que se posiciona ainda assusta', diz youtuber
O cabelo é uma parte importante para a autoestima da mulher negra. É a primeira parte do corpo que o racismo estrutural a faz odiar. Inicialmente, a sociedade e a pressão estética lhe dizem que é preciso "domá-lo", abaixá-lo a todo custo. Porém, ao assumi-lo em sua forma natural, o cabelo se torna sua coroa. E, com as redes sociais, este caminho se tornou menos doloroso. Foi por conta de uma pesquisa para entender o papel da internet na valorização da estética da mulher negra que o YouTube se tornou o amplificador da voz de Gabriela Oliveira, criadora de conteúdo com mais de 600 mil inscritos na plataforma e outros 600 mil seguidores no Instagram.
Com linguagem descomplicada, a youtuber procura discutir estética, autoestima, preconceito e igualdade racial em vídeos que, juntos, têm mais de 25 milhões de visualizações. Em seu post mais famoso, de 2018, Gabriela aparece sem maquiagem e faz um tour por sua face. "Quero falar de algo que é muito exaltado nesse canal, mas que já foi, e às vezes ainda é, sinônimo de dor: todos os traços do meu rosto", fala na sequência que foi assistida por volta de 1 milhão de pessoas.
"Ainda hoje as pessoas se assustam muito com a imagem de uma mulher negra que se posiciona, tem uma opinião e deixa isso claro. Desde o início, eu mostrava que tinha uma mensagem e que eu ia sustentar aquilo. Uma coisa que considero muito importante é a naturalização da minha existência, uma mulher negra retinta, como criadora de conteúdo", diz Gabriela.
Finalista do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Influenciadoras, ela procura impactar as pessoas positivamente, mostrando que a pessoa negra deve ocupar diversos espaços. "Porque as pessoas falam sobre representabilidade e acham que é apenas colocar duas pessoas negras em um filme, uma novela. Porém, ainda estamos discutindo a representação positiva das pessoas negras", complementa.
A mudança de dentro de casa para o mundo
Gabriela começou a usar química nos cabelos aos 4 anos de idade. "Muito porque, naquela época, ter cabelo crespo era uma sentença, você precisava dar um jeito porque era impossível, entre aspas, 'domá-lo'". Na adolescência, passou por situações comuns a muitas outras garotas negras. "Era considerada a mais feia da classe, poucos meninos se interessavam por mim", narra. Aos 18 anos, sua autoestima melhorou, assim como a sua relação com o cabelo. "Percebi outras possibilidades: tinha as tranças, o megahair. Tudo isso me ajudou muito". Ainda assim, por continuar alisando os fios naturais, se sentia aprisionada. "Lembro de, no fim do ano, ter obrigado a cabeleireira ir na minha casa alisar o meu cabelo porque não poderia passar o ano novo com a raiz crespa. Ali, na cadeira, percebi que não queria fazer mais isso."
Começou a fazer a transição capilar aos 22 anos, em 2014. Ao mesmo tempo, se tornou membro de comunidades virtuais e leitora de blogs em que mulheres que estavam passando pelo mesmo processo relatavam suas vivências. "As discussões que elas traziam, de como o racismo impactou a autoestima delas, me interessaram bastante", afirma. Assim, no ano seguinte, decidiu transformar as suas observações no trabalho de conclusão de curso da sua faculdade de comunicação.
Enquanto estudava e fazia o TCC, ela levava algumas reflexões para os encontros familiares, onde estavam presentes os pais e as tias. "Sou de uma família negra que gosta muito de Martin Luther King, Malcolm X, mas às vezes reproduzíamos algumas falas racistas. Porém, com o tempo, percebi que o que eu explicava começou a mudar o discurso das minhas tias, da minha mãe. Por fim, elas evitavam falar certas coisas porque já sabíamos que não era legal".
Gabriela percebeu que a mudança começou dentro de sua própria casa - e sentiu que poderia ir além. Além de falar de questões raciais, poderia também enriquecer o papo na internet e ser um exemplo aspiracional. "Por mais que existissem mulheres negras falando sobre o assunto, não havia uma pessoa com o mesmo tom da pele que eu, retinto, mostrando o rosto no YouTube", pontua Gabriela.
Falando com todo mundo
Cheia de assunto para falar, a comunicadora recém-formada em 2015 comprou, com o último salário de seu estágio, uma boa câmera para gravar vídeos e fez um planejamento de conteúdos para ir ao ar. "Seria meu trabalho enquanto estudava para um concurso ou procurava um emprego. Nunca imaginei que seria a minha fonte de renda", afirma. Quando furou a "bolha" pela primeira vez, foi uma vitória. E esse sempre foi o seu objetivo.
Gabriela pode discutir "palavrões" como meritocracia, cotas raciais, colorismo com senso de humor ou em um tom de voz mais contundente, assertivo. Não importa. O crucial para ela é que o seu conteúdo seja acessível para quem não esteja familiarizado com o ativismo social.
A empresária Egnalda Côrtes, 48, é gestora de marca e carreira de Gabi Oliveira desde 2016. Elas se conheceram quando Gabi ainda tinha 13 mil inscritos em seu canal, em um encontro de youtubers negros do YouTube Spaces, em São Paulo (SP). "Eu era a única pessoa que sabia como unir ativismo social e negócios", fala Egnalda. Assim, a empresária começou a dar "dicas" de como a criadora de conteúdo poderia monetizar o seu trabalho e, por fim, acabou se tornando sua gestora de carreira. Hoje em dia, quando a criadora tem algum receio em relação a um conteúdo, ela pede para a empresária dar a primeira olhada. "Gabi sempre teve o objetivo de que seus vídeos fossem entendidos por mulheres comuns, como as da família dela. Não apenas as garotas da idade dela, mas as da idade de suas tias. Por eu estar em uma idade intermediária, mandar os vídeos para mim era como um termômetro", narra Egnalda.
A própria empresária diz que aprendeu muito trabalhando com Gabi e que, por isso, percebe como os vídeos da youtuber são importantes. "São transformadores, acolhedores e democráticos na linguagem. É incrível como Gabriela conseguiu sair de um lugar academicista e, por muitas vezes, classista, para se tornar pop", diz a gestora. "O maior talento dela é trazer geral para o diálogo, mas, sobretudo, falar com pessoas comuns que por vezes nunca leram um livro, mas hoje sabem que o racismo nos atravessa, mas não nos define."
Há dois anos, Gabi adotou, sozinha, duas crianças: uma de quatro e outra de nove. Relatou como foi o procedimento em suas redes sociais. "Desde quando falo sobre questões raciais mais diretamente até vídeos em que eu mostrava meu intercâmbio. É importante as pessoas acompanharem todos os meus processos. Nas diversas fases da minha vida e do meu conteúdo, quis trazer a reflexão, o exemplo positivo", comenta Gabriela.
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon. Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, basta consultar o Regulamento.
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