Em SP, médica acusa colega de fotografá-la grávida em banheiro de hospital
Era agosto de 2020 quando a dermatologista Maria Luiza Tonhá Xavier, 32 anos, estava de plantão no Hospital do Servidor Público Municipal em São Paulo, e notou que alguém tentava registrar seu momento íntimo no banheiro. Ela estava grávida de 16 semanas. Somente agora, dois anos depois, uma perícia feita no celular de um colega de trabalho a quem acusa de importunação sexual aponta indícios de que foi ele mesmo quem tentou fazer as imagens. A defesa do cirurgião plástico Bruno Ceranto diz não poder comentar o caso.
Bruno Ceranto já foi processado por inventar que salvou uma criança de 3 anos de uma apendicite e que depois recebeu uma carta do menino, morador da favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, chamando-o de herói. O caso foi revelado pelo UOL e já naquela época ele estava sendo investigado pela importunação contra Maria Luiza.
O relato dele foi publicado no portal "Razões para Acreditar", acompanhado de uma foto dele com a criança e seu irmão. Ele foi condenado a retirar o post do ar, se retratar e a pagar o montante de R$ 40 mil à família dos garotos, por danos morais.
Bruno ainda responde por homicídio culposo pela morte de uma paciente em Santa Catarina, no ano de 2017. Ela chegou na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Balneário de Piçarras com infarto do miocárdio, mas Ceranto, de plantão naquele momento, não teria lido o eletrocardiograma.
A mulher foi liberada com diagnóstico de dor estomacal decorrente de ansiedade, e acabou morrendo. A defesa da família da paciente acusa a equipe de plantão, incluindo Bruno, de imperícia, imprudência e negligência.
Perseguição e foto em banheiro de hospital
No boletim de ocorrência o qual Universa teve acesso, Maria Luiza detalha que na manhã de 11 de agosto de 2020 foi ao banheiro e, ao acabar de usar o vaso sanitário, deparou-se com Ceranto, na época no 1º ano de residência de cirurgia plástica. Ele disse que estava ali apenas para lavar as mãos, já que haveria uma infiltração no banheiro masculino.
Mais tarde, por volta das 11h30, Maria Luiza foi novamente ao banheiro, e enquanto estava sentada no vaso sanitário, observou que, por cima da divisória que separa a área privativa alguém tentava registrá-la com um celular. Ela apenas conseguiu ver que o aparelho tinha uma capa preta, em que se destacava o desenho da maçã, marca da Apple.
Ela conta que gritou, se arrumou rápido, mas não conseguiu alcançar a pessoa. De volta ao setor de cirurgia, Maria Luiza pediu que os profissionais que ali se encontravam mostrassem seus aparelhos, e o de Ceranto era igual ao que tinha visto.
Ceranto negou tudo e ainda disse que não "precisaria daquilo", já que via "isso o tempo inteiro".
Na mesma semana, a dermatologista decidiu fazer um boletim de ocorrência. Também pediu à Comissão de Residências Médica (Coreme) que apurasse os fatos.
"No dia em que aconteceu, consegui gritar, fiz um escândalo para denunciar, e mesmo grávida tive coragem de enfrentar. E se faz isso com paciente?", questiona ela em conversa com Universa. Maria Luiza acredita que Ceranto premeditou o crime.
"Dificultou trabalho da perícia"
Para conseguir provar que foi ele quem tentou registrá-la, Maria Luiza pediu na Justiça a busca e apreensão do aparelho de Bruno, porque mesmo se ele tivesse apagado alguma foto, uma equipe técnica poderia mostrar se a câmera foi usada no momento em que ela afirma ter ocorrido tudo, assim como e exclusão de arquivos.
Dois anos depois, em maio último, o laudo pericial apontou que não foram encontradas imagens da profissional no celular de Ceranto, mas que houve exclusão de 20 arquivos sequenciais de imagem ou vídeos no período em que Maria Luiza afirma ter ocorrido a importunação.
A perícia também verificou três atividades que utilizam o serviço de geolocalização do aparelho no momento em que Maria Luiza disse que ocorreram os fatos. "Vale lembrar que a câmera fotográfica utiliza o serviço de geolocalização", lê-se no documento.
Os peritos registram ainda que Bruno dificultou o trabalho da equipe técnica se recusando a entregar a senha de seu aparelho. Ele também não apareceu nem justificou ausência nas diligências realizadas.
Com esse resultado, Maria Luiza notificou novamente o hospital da denúncia. Também entrou com processo ético disciplinar no Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) contra Bruno, pedindo pela cassação do seu direito de exercer a profissão.
"E se fosse com paciente?"
Por e-mail, a defesa de Ceranto informa não poder comentar o caso porque ele tramita em segredo de justiça a pedido de Maria Luiza, e conclui que se a vítima está tornando público o caso "ou o laudo foi inconclusivo de modo a sequer apontar qualquer indício de violação a sua intimidade ou no mínimo está descontente com o resultado."
A defesa de Maria Luiza justifica que o pedido de busca e apreensão do aparelho de Ceranto foi feito em sigilo para que ele não atrapalhasse as investigações.
Em nota, o Cremesp informa que está investigando o caso sob sigilo, e que qualquer posicionamento ou manifestação adicional por parte do conselho pode resultar na nulidade do processo.
Também por e-mail, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo informa que após tomar conhecimento da denúncia, o HSPM encaminhou o caso à procuradoria local, abriu procedimento administrativo e seguiu as orientações do Departamento de Procedimentos Disciplinares (Proced) da Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Como Maria Luiza e Bruno não são agentes públicos, mas, sim, integrantes do Programa de Residência Médica de Cirurgia Plástica, a denúncia também foi encaminhada para a Coreme, que por sua vez aguarda a conclusão da investigação policial e da sindicância em curso no Cremesp, conforme explica a pasta.
Enquanto esperava o resultado da perícia, Maria Luiza conta que seguiu trabalhando no hospital até este ano, se encontrando diariamente com Bruno, sem no entanto trocar uma palavra com ele.
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