'Em um feminicídio, preciso lembrar que a mulher é vítima', diz professora
Outubro de 2016 ficou marcado na história da pequena Ituiutaba, cidade mineira de 106 mil habitantes no Triângulo Mineiro, a 670 quilômetros da capital, Belo Horizonte. Simone Marca, 31 anos, foi esfaqueada dentro da igreja, durante uma missa. O assassino era seu ex-namorado, que também era casado com outra mulher. Infelizmente, não se trata de um episódio isolado naquele estado. Minas Gerais carrega dados alarmantes de feminicídio. Só no ano passado, foram 154 casos no estado, o maior número de registros em todo o país, de acordo com o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O caso e o cenário dramático do qual ele faz parte é sempre lembrado pela professora Soraia Veloso Cintra, 51 anos, em suas palestras no campus de Ituiutaba da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É lá, no curso de serviço social, que ela leciona. Também costuma repetir a história em eventos sobre violência contra a mulher.
Pode parecer óbvio, mas sempre preciso deixar claro que, em um feminicídio, a mulher é a vítima. Naquele episódio específico, o assassino era casado com outra pessoa e, por isso, a vítima, com quem ele mantinha um relacionamento extraconjugal, acabou sendo julgada pela comunidade.
Soraia Veloso Cintra, professora universitária
Além da atividade acadêmica, desde 2019, Soraia coordena o "Eu combato a violência, e você?", criado por ela. Aprovado como projeto de extensão - voltado para a comunidade do entorno da universidade — ele tem o objetivo de falar com a população sobre a violência contra a mulher por meio de palestras, sessões de filmes e debates.
"Se uma mulher for tocada por um filme ou por uma fala minha e, a partir daí, conseguir pedir socorro para sair de um ciclo de violência, já considero minha missão cumprida", afirma Soraia, que é uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras 2022, na categoria Representantes Avon.
No segundo semestre de 2019, cerca de 350 pessoas participaram das atividades oferecidas pelo projeto. Durante 2020 e 2021, período da pandemia, Soraia calcula que o público impactado pelas atividades online, como palestras e lives, ficou em torno de 1200 pessoas.
A mulher no centro das pesquisas
Paulistana, Soraia mudou-se aos 8 para Franca, no interior de São Paulo. A recordação que tem do relacionamento dos pais é de muito afeto e respeito. É casada há 30 anos e tem dois filhos, hoje com 15 e 16 anos. Nunca viveu um relacionamento abusivo. Pelo contrário: gosta de contar que o marido foi fundamental para que ela pudesse estudar e seguir a carreira acadêmica.
Desde 2010, quando assumiu o posto na UFU, ela divide o tempo entre Franca e Ituiutaba, a 360 quilômetros de distância. "Quando a gente começa a olhar com mais atenção ao redor, percebe que a violência contra as mulheres está mais perto do que a gente imagina. Foi por isso que decidi trabalhar esse tema em projetos de extensão, que conseguem atingir também pessoas de fora do mundo acadêmico", diz.
Durante a formação em serviço social, Soraia se dedicou a estudar a mulher nas relações de trabalho no setor calçadista, forte na cidade de Franca. Como trabalho de conclusão de curso da graduação, estudou sobre as operárias do ramo. Já no mestrado, o foco foram as mulheres em cargos de liderança. E, por fim, no doutorado, dedicou-se às empresárias do setor.
"Estudei o ciclo da produção e, quanto mais avançava, percebia que o número de mulheres diminuía. Ou seja, há muitas sapateiras, mas poucas lideranças e ainda menos empresárias", diz.
Na universidade, um dos primeiros projetos que colocou em prática foi sobre a lei Maria da Penha. A ideia era levar informações sobre como a lei funciona para a comunidade. Depois vieram outros, como um dedicado a mulheres com deficiência auditiva, com um módulo dedicado à violência.
Aluna de Soraia na primeira turma de serviço social do campus de Ituiutaba, Sandra de Oliveira atua como assistente social no município e, sempre que pode, convida a professora para dar palestras no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) em que trabalha.
"Muitas das mulheres que nos procuram vivem relacionamentos abusivos. Quando ouvem alguém como a Soraia, elas querem falar, contar suas histórias. Uma palestra que era para durar quarenta minutos, estende-se por duas horas porque elas querem aproveitar aquele momento. Percebem que têm direitos e é assim que acontece o empoderamento", afirma.
Representante das mulheres no conselho
O trabalho de Soraia na universidade e na comunidade a levou a ser escolhida como presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher na cidade, ligado à Secretaria de Assistência Social da cidade. Eleita em novembro do ano passado, ela tomou posse no dia 8 de março deste ano. Hoje, um de seus objetivos é fazer com que o conselho de fato funcione. "O desafio é trabalhar junto com a prefeitura e, ao mesmo tempo, cobrar", diz ela, que recentemente fez uma cobrança pública para que haja uma casa de acolhimento para mulheres ameaçadas de agressão.
Enquanto isso, o projeto "Eu combato a violência, e você?" continua. Durante a pandemia, Soraia e as duas alunas bolsistas, além das seis voluntárias, precisaram driblar as limitações do isolamento social, utilizando as redes sociais para manter a iniciativa.
"Sempre ouvíamos os alertas de que as mulheres eram mais vulneráveis naquele período, então, tentamos também dar apoio às alunas e ser um canal, caso elas precisassem de ajuda", diz Soraia. Neste semestre, as atividades presenciais e as sessões de filmes vão ser retomadas.
A professora diz que pensou em propor outras ideias que não estivessem relacionadas à violência contra a mulher, mas os depoimentos de alunas a convenceram que ela deveria continuar. "Uma aluna me disse que saiu de um relacionamento abusivo graças ao que ouviu nas nossas conversas. Outras também contaram sobre situações de violência e como agora conseguem identificar melhor e tentar se proteger. É um trabalho de formiguinha, mas que tem resultado", diz.
Sobre o Prêmio Inspiradoras
O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon. Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser.
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