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Ela vai dirigir 7.216 km no Rally dos Sertões: 'Gosto de estar no comando'

Pâmela Bozzano faz parte da EMS Rally Team e se prepara para passar 15 dias na estrada - Acervo pessoal
Pâmela Bozzano faz parte da EMS Rally Team e se prepara para passar 15 dias na estrada Imagem: Acervo pessoal

Pâmela Bozzano em depoimento a Ana Bardella

Colaboração para Universa

26/08/2022 04h00

Apaixonada por esportes, a catarinense Pâmela Bozzano foi atleta de marcha atlética dos 11 até os 23 anos. Mais tarde, praticou de tudo: beach tennis, equitação, futevôlei... Em 2021, aos 32 anos, após uma lesão na coluna conheceu o rally, esporte apresentado por seu marido. Hoje, ela começa a disputar o famoso Rally dos Sertões, entre 26 de agosto a 10 de setembro, onde vai dirigir do Paraná ao Pará.

Seu marido, Enio Bozzano Júnior, será seu navegador, que corresponde a uma espécie de copiloto. "Sempre que chego a um local de competição, vejo pouquíssimas mulheres na posição de pilotos. Muitas delas são navegadoras dos seus maridos, quase nunca o contrário — como é meu caso", conta em entrevista a Universa. "No início, até cogitei ocupar essa posição, mas logo me dei conta de que eu gosto de estar no comando, de assumir o controle", afirma.

Logo que começou a treinar, Pâmela disputou como piloto a primeira prova de sua vida: Rally Jalapão (TO). Em seguida, partiu para o RN1500, no Rio Grande do Norte. No início deste ano, fevereiro de 2022, participou da primeira competição internacional, o SARR (South American Rally Race) na Argentina. Nesta competição alcançou a 2ª colocação na categoria T3.1 e 5º lugar na classificação geral (carros e UTVs).

Na disputa da Argentina, Pâmela foi a primeira mulher brasileira a ocupar o posto de piloto, um grande feito para uma modalidade esportiva dominada por homens. "Tenho conquistado o meu espaço e, de maneira geral, percebo que sou bastante respeitada", afirma. O que não faz com que não existe momentos de machismo, mesmo que sutil. "Na Argentina, depois que comecei a me destacar nos primeiros dias de prova, alguns homens foram olhar meu carro antes da largada para ver se tinha algo de diferente do carro deles, o que me fez pensar se estavam duvidando do meu talento", fala.

Pâmela conversou com Universa prestes a encarar a rotina puxada do tradicional Rally dos Sertões — a edição desse ano comemora 30 anos da competição e será o maior rally do mundo em trechos cronometrados, superando inclusive o Rally Paris & Dakar. Além dos sacrifícios do trajeto — 15 dias de trajeto, rondando entre 200 e 400 km por dia em estradas off-road, Pamela e Enio ficaram longe dos filhos, Julia, de 6 anos e Theo, de 5, que ficarão com a minha mãe dela, para que os pais possam focar na estrada e na competição.

Leia o depoimento de Pâmela a seguir:

'Conquistei meu espaço no rali e desejo ver mais mulheres nas disputas'

"Graças ao meu pai, um grande incentivador, o esporte sempre fez parte da minha vida. Comecei aos 9 anos, na corrida. Mas logo eu e minha família percebemos que teria mais chances de participar de disputas importantes e viajar o mundo se focasse na marcha atlética. Foi o que eu fiz: passei dos 11 até os 23 anos na rotina de treinar e competir.

Depois, explorei outros esportes, a maior parte deles por hobby. Joguei beach tennis, fiz volteio [uma modalidade de ginástica sobre o cavalo], equitação e, por fim, fui para o futevôlei. Jogando há apenas um ano, tive uma lesão na coluna e então começou um período difícil. Por recomendação médica, precisei parar momentaneamente de praticar tudo, até mesmo a academia.

Meu marido é professor de xadrez e conheceu o rali há dois anos e meio, através de um amigo. Ele tentou me arrastar algumas vezes, mas eu sempre dizia que aquela não era minha praia. Até que um dia, já com a coluna lesionada, decidi acompanhá-lo e fazer um teste. Da primeira vez, não gostei. Então ele ajustou os bancos do carro de forma que ficasse mais confortável para mim e pediu que eu desse mais uma volta. Naquele momento, me apaixonei.

"Depois de me machucar, só pude praticar o rali"

Pâmela Bozzano vai disputar o Rally dos Sertões, que inicia dia 26 de agosto - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Pâmela Bozzano vai disputar o Rally dos Sertões, que inicia dia 26 de agosto
Imagem: Acervo Pessoal

Após essa primeira experiência, questionei o especialista que fazia meu acompanhamento se era seguro continuar praticando. Ele me garantiu que sim. Então, percebi que aquela era minha chance de entrar novamente em uma competição. Meu marido já estava inscrito para participar de uma prova de duração de quatro dias, que aconteceria dali algumas semanas e me animei para participar também.

No rali, homens e mulheres entram nas disputas juntos, por falta de competidoras suficiente para criar provas de modalidade feminina. Confesso que no início fiquei insegura. No entanto, assim que dei a largada, senti novamente a adrenalina do esporte. Bastaram três competições para que eu tivesse meu primeiro resultado: em novembro do ano passado, fiquei em quarto lugar em Caminhos da Neve, que acontece na Serra Catarinense

Em seguida, participei da minha primeira prova internacional, a SARR, na Argentina, e fiquei em segundo lugar. Logo soube que era a primeira mulher estrangeira a competir, o que me motivou ainda mais. Disputei depois o Rally Makers, em Minas Gerais, e fiquei novamente em segundo. Já no RN 1500, no Jalapão, conquistei o primeiro lugar.

"Estou me preparando para a prova mais longa que já competi, de 15 dias"

Agora, meu objetivo é o Rally dos Sertões, que começa dia 26 de agosto e vai do Paraná ao Pará. Nesses 15 dias, a rotina será bem intensa: os competidores acordam cedo, tomam café da manhã e logo em seguida fazem a largada. Dirigimos entre 200 e 400 km, dependendo do dia. Normalmente, só paramos às 17h. Nesse meio tempo, comemos no máximo uma barrinha de cereal e bebemos água.

É comum voltarmos mais magros das provas e sei que um dos diferenciais para encarar essa rotina é a preparação mental. Por causa disso, comecei a meditar — e faço isso todos os dias pela manhã.

Como o custo de cada prova é alto, meu marido não poderá competir desta vez. Decidimos que ele será meu navegador, que corresponde a uma espécie de copiloto. É ele quem vai guiar o caminho, trecho por trecho, ao meu lado, avisando sobre as curvas e os buracos.

Pâmela com os filhos Julia e Theo e o marido Enio - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Pâmela com os filhos Julia e Theo e o marido Enio
Imagem: Acervo pessoal

Deixamos nossos filhos, Julia, de 6 anos e Theo, de 5, com a minha mãe, para que eles sigam com a rotina da escola. Os dois sentem saudades, mas sabem que estamos fazendo algo importante e que nos motiva, por isso são compreensivos.

"Percebi que alguns homens não gostam de perder para uma mulher"

Sempre que chego a um local de competição, vejo pouquíssimas mulheres na posição de pilotos. Muitas delas são navegadoras dos seus maridos, quase nunca o contrário — como é meu caso.

No início, até cogitei ocupar essa posição, mas logo me dei conta de que eu gosto de estar no comando, de assumir o controle. Tenho conquistado o meu espaço e, de maneira geral, percebo que sou bastante respeitada.

Existe, é claro, um ou outro homem que não gosta de perder para uma mulher — mas vejo isso acontecer de forma sutil, não escancarada. Na Argentina, por exemplo, depois que comecei a me destacar nos primeiros dias de prova, alguns deles foram olhar meu carro antes da largada para ver se tinha algo de diferente do carro deles, o que me fez pensar se estavam duvidando do meu talento.

Em diversos momentos, me pego pensando que gostaria que mais mulheres participassem das competições. Para aquelas que admiram o esporte, meu conselho é que não se intimidem por ser um ambiente masculino, que busquem o apoio de outras competidoras e que percam a vergonha de tentar, porque pode valer muito a pena." Pâmela Bozzano, 33 anos, empresária, de Ituporanga (SC)