Topo

'Ele enfiou pés do bebê de volta', diz vítima de violência obstétrica em GO

Enfermeira procurou a polícia para registrar possível violência obstétrica - Arquivo Pessoal
Enfermeira procurou a polícia para registrar possível violência obstétrica Imagem: Arquivo Pessoal

Simone Machado

Colaboração para Universa, de São José do Rio Preto (SP)

26/08/2022 13h53Atualizada em 26/08/2022 14h46

O médico obstetra Américo Lúcio Neto foi afastado ontem do cargo do Hospital Municipal Santa Efigênia de Niquelândia (GO), após uma mulher denunciar que sofreu violência obstétrica. O filho dela, que nasceu prematuro aos oito meses de gestação, morreu logo após o parto. Segundo ela, o médico teria tentado empurrar de volta os pés do bebê, que começavam a sair, e feito xingamentos contra ela e o marido. O profissional nega as acusações (leia abaixo).

A enfermeira de 31 anos, que pediu para não ter seu nome divulgado, usou as redes sociais para relatar a situação. O caso aconteceu no dia 12 e registrado na Polícia Civil ontem. A mulher estava grávida de oito meses do primeiro filho, Léo.

A mulher relatou que estava no acampamento da Festa de Nossa Senhora da Abadia, no povoado de Muquém, quando começou a passar mal e sentir fortes dores na barriga. Ela procurou o hospital municipal da cidade, onde recebeu o primeiro atendimento feito por uma técnica de enfermagem.

A profissional teria dito que o bebê estava nascendo e os pés já estavam do lado de fora. Em seguida, o atendimento teria sido passado para o médico obstetra Américo Lúcio Neto. Foi nesse momento, que Luana relata já ter sido xingada pelo profissional.

"Eu não vou fazer o parto de uma obesa", teria dito o homem ao entrar na sala onde a gestante estava.

Na sequência, o médico teria se recusado a acompanhar a transferência da enfermeira para outro hospital. "Se essa remoção for para Goiânia, vai morrer você e a criança, porque eu não vou até lá. Cadê o imprestável e inútil pai dessa criança?", teria acrescentado o médico, segundo a paciente.

Ainda de acordo com o relato da gestante, o obstetra teria pegado os pés do bebê e enfiado fortemente para dentro da sua barriga.

Bebê acabou falecendo

Na madrugada do dia seguinte, a enfermeira foi transferida para o hospital de Uruaçu, onde foi feito o parto após cerca de 1h30, desde que deu entrada na unidade de saúde, em Niquelândia.

Segundo o Boletim de Ocorrência, o bebê nasceu sem batimentos e reanimado, mas acabou morrendo no final da tarde.

"Sofri o maior trauma da minha vida com um homem que se diz médico. Eu fui vítima de violência obstétrica, negligência médica e perdi meu filho", desabafou a enfermeira.

Após 10 dias da perda do primeiro filho, a enfermeira procurou um advogado e juntos foram à Polícia Civil denunciar o caso. Um boletim de ocorrência por homicídio culposo foi registrado.

"Também representei o caso junto ao CRM (Conselho Regional de Medicina) de Goiás. Esse médico não pode continuar colocando vidas em risco", disse Marcelo Barbosa Coelho, advogado da mulher.

Médico foi afastado

Em nota a prefeitura de Niquelância, responsável pelo hospital municipal, explicou que após receber a denúncia, o médico foi afastado dos atendimentos no Hospital Municipal Santa Efigênia até que os fatos sejam apurados.

"Os relatos sobre a postura dele são contrários ao atendimento de excelência exigido pela Secretaria Municipal de Saúde em relação aos cidadãos que buscam o serviço médico público municipal. A Secretaria Municipal de Saúde permanecerá vigilante para garantir a prestação de serviços médicos de qualidade à população de Niquelândia e consolidar o Hospital Municipal Santa Efigênia como referência em saúde pública", disse a prefeitura, em nota.

A reportagem do UOL também procurou o Conselho Regional de Medicina de Goiás, que afirmou que o médico é registrado no Cremego e tem especialidade em ginecologia e obstetrícia. Porém, o Conselho não quis falar sobre a denúncia.

"Em cumprimento ao artigo 1º do Código de Processo Ético-Profissional Médico, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) não informa sobre a tramitação de denúncias/processos/sindicâncias no Regional", disse o órgão em nota.

O que diz o médico

O advogado Luiz Gustavo Barreira Muglia, que representa o médico Américo, disse que não houve violência obstétrica no parto da paciente em Niquelândia e nem ofensas a ela.

"Para fazer o parto, é necessário que tenha um obstetra e um pediatra, mas no momento em que a gestante chegou ao hospital não tinha. Por isso, o obstetra disse que não poderia fazer o parto. Quando a mulher diz que ele a chamou de obesa, é porque ele disse que se tratava de uma paciente obesa, o que demanda maior atenção e não com o objetivo de ofendê-la", afirma o advogado.

Ainda segundo Muglia, o médico foi afastado de suas atividades profissionais por precaução e não existe nenhum procedimento administrativo instaurado.

"Devido à proporção que o caso ganhou na mídia, a direção do hospital preferiu afastá-lo, apenas isso. Com relação ao CRM não recebemos nenhuma intimação", acrescentou o advogado.

O que fazer se você for vítima de violência obstétrica

Como violência obstétrica não está na constituição, ela pode ser enquadrada criminalmente como lesão corporal, assédio moral e até mesmo, homicídio. "Dependendo do caso, o médico pode responder de lesão corporal até homicídios, que são crimes comuns que temos na lei. O que determina é o que aconteceu", diz Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista.

"O ideal é que ela procure um advogado para ser melhor assessorada na hora de prestar queixa. Mas na impossibilidade, a vítima também pode buscar a defensoria, Ministério Público ou autoridades policiais, fazendo um BO na própria delegacia", diz Fabricio Reis Costa, advogado criminalista do escritório Alamiro Velludo Salvador Netto Advogados Associados.

O processo da violência obstétrica funciona como o de qualquer outro crime. "Primeiro se registra o boletim de ocorrência na delegacia ou, por meio de um advogado, se faz o pedido da instauração de inquérito. A partir disso, a polícia vai investigar e, ao final de todo o levantamento dos fatos, o delegado manda um relatório final para o Ministério Público condensando as informações. O MP vai analisar e formalizar, ou não, a acusação", diz Fabrício.

A partir disso, se o médico de fato cometeu a violência vai precisar depor na frente do juiz. E se ele não tiver provas suficientes para se defender, pode ser condenado criminalmente. Mesmo assim, no meio desse processo, a vítima ainda pode entrar com um processo de indenização civil, para receber compensação financeira por danos morais e materiais, por exemplo.

Uma das partes mais difíceis dessa coleta de provas é fazer o exame de corpo de delito, que é indispensável nesse tipo de caso. "Se for algo que feriu a parte íntima, é preciso fazê-lo, sim. E isso pode ser feito de imediato, até dentro do hospital, com o auxílio de um médico legal", diz Adib.

Já a Comissão de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo dá outra orientação. "Caso a gestante ou parturiente perceba que está recebendo um tratamento inadequado, que está sendo desrespeitada, ela deve registrar o ocorrido junto ao Conselho Regional de Medicina do estado onde foi atendida. O órgão é o responsável pela vigilância e apuração acerca de inadequações de condutas. Caso as queixas se confirmem, o profissional receberá as devidas sanções".