Família Klein: Filho de Saul e neto de Samuel já bateu e urinou em mulheres
Cristina Fibe e Pedro Lopes
Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro, e do UOL, em São Paulo
29/08/2022 04h00
O empresário paulistano Philip Klein, de 32 anos, já viu seu avô Samuel, fundador das Casas Bahia, e seu pai, Saul, serem acusados de crimes de violência contra a mulher. E de acordo com processos judiciais a que Universa teve acesso, o próprio Philip já foi réu em ao menos duas denúncias de agressão contra mulheres. Ele não tem relação com a rede de varejo nem é herdeiro das Casas Bahia, mas é dono de quatro empresas: duas em sociedade com o pai (uma holding e outra de gestão de imóveis), um bar e um negócio de organização de eventos.
Saul Klein, seu pai, é acusado por 14 mulheres de estupro e de manter uma rede de aliciamento e exploração sexual. As denúncias foram detalhadas em reportagens de Universa, do UOL Esporte e no documentário "Saul Klein e o Império do Abuso", lançado em março deste ano. Samuel, o avô, foi acusado diversas vezes de explorar sexualmente garotas com idade entre 9 e 17 anos —os relatos foram reunidos pela Agência Pública em abril de 2021.
Em uma das acusações contra Philip, terceira geração da família Klein no Brasil, o Ministério Público de São Paulo traz o relato de uma mulher com quem o empresário se relacionou. Na peça, ela conta que ele mandou que ficasse trancada no quarto enquanto promovia uma "festa da putaria". Ela terá o seu nome preservado nesta reportagem, que também omite as datas das ocorrências para não levar à sua identificação. Na versão dela, registrada pela polícia, Philip, xingando-a, pegou uma tesoura de cozinha e ameaçou atingi-la, mas ela conseguiu afastá-lo.
No documento consta que, depois disso, "não satisfeito, o denunciado puxou a vítima pelos cabelos e arrastou-a pelo corredor, quando bateu a cabeça dela três vezes contra o chão". Ele ainda "danificou o aparelho de telefonia celular da ofendida e impediu-a de solicitar ajuda através do telefone da casa, batendo o aparelho contra a cabeça dela", diz o MP.
Depois de correr para fora do apartamento e pedir ajuda, a mulher foi encaminhada ao hospital, onde disse ter chegado "semi-inconsciente" depois de um ataque de pânico em consequência da briga. Com exame de corpo de delito e fotografias das lesões sofridas, conseguiu medida protetiva de urgência, proibindo-o de se aproximar ou de entrar em contato com ela. Dias depois, Philip contratou uma empresa de detetives para segui-la, também de acordo com o documento do Ministério Público.
A tentativa de verificar se a vítima estava se relacionando com outra pessoa motivou mais uma denúncia, de "perturbação da tranquilidade por motivo reprovável" —essa ação foi suspensa a pedido da defesa.
Procurado por Universa, o advogado de Philip Klein, Santiago Schunck, enviou uma nota à reportagem em nome do empresário afirmando que o "fato narrado sobre uma briga [...] foi superado e resolvido entre as partes". "Faz parte de um passado distante de ambos e completamente distinto da realidade atual", afirma. Diz ainda que Philip "deseja profundamente que seja encerrada toda e qualquer especulação envolvendo fatos já encerrados e superados".
À Justiça, o réu negou o crime. Disse que pegou a tesoura para cortar uma das bolsas da vítima, não para agredi-la. De acordo com Philip, ela "surtou" e "passou a bater nele pelas costas, razão pela qual [ele] se defendeu com o cotovelo".
Em dado momento, Philip teria mandado que ela deixasse a residência, mas a vítima começou, nas palavras do réu, "a se debater inteira, gritar, xingar, espernear, e se jogou no chão". Depois do episódio, ele diz, voltaram a se relacionar normalmente, o que ela confirmou.
A Justiça de São Paulo considerou "inconcebível que a vítima tenha se autolesionado, como pretendeu insinuar o apelante", e o condenou a 3 meses e 15 dias, em regime aberto, por "lesão corporal leve". Ele recorreu da decisão, mas o recurso foi julgado improcedente, ou seja, rejeitado, em 24 de agosto de 2021, e Philip foi condenado em segunda instância. Agora, está recorrendo no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O advogado da vítima nesse processo foi procurado pela reportagem —que pediu uma entrevista também com ela— mas respondeu que não havia interesse em falar sobre o caso.
Prisão por urinar em mulher durante voo
Alguns anos depois dessa experiência como réu, outra denúncia chegou a levar Philip à cadeia.
Era 25 de dezembro de 2020, mesmo dia da publicação da primeira reportagem no UOL Esporte detalhando as acusações contra seu pai, Saul Klein. Philip embarcou em um voo comercial de Guarulhos (SP) para Natal, pois passaria o Réveillon em São Miguel do Gostoso. De acordo com os documentos do processo, um atraso na decolagem levou o herdeiro e seus amigos a ingerirem bebida alcoólica e perturbarem outros passageiros, ainda em solo, com "atitudes grosseiras e descabidas", o que gerou uma discussão entre o jovem Klein e um "pai de família" que pedia silêncio.
Mas foi com o avião no ar que aconteceu o motivo da prisão do filho de Saul: depois de dizer que iria ao banheiro e se levantar, Philip parou ao lado da poltrona de uma mulher desconhecida, "abriu o zíper da bermuda, retirou o pênis para fora e começou a urinar na autora [da denúncia], fazendo movimentos circulares com o pênis, molhando a demandante do pescoço para baixo".
Ainda segundo a acusação, "mesmo com os gritos de desespero da autora, o requerido somente parou ao acabar de urinar, deixando-a completamente encharcada em sua poltrona. Após o ocorrido, voltou para sua poltrona e começou a dormir como se nada tivesse acontecido".
A vítima afirmou nos autos que os amigos de Philip pediram a ela que não o denunciasse. Atribuíram o comportamento a uma combinação de álcool, remédios e drogas e explicaram: ele "não podia ter processo pelo problema que tinha com o pai". Dois meses antes, em outubro de 2020, Philip havia entrado na Justiça pedindo a interdição de Saul Klein, alegando que o pai estaria dilapidando seu patrimônio de forma "acelerada" e "inconsequente". Meses depois, desistiu da ação.
De acordo com os documentos, um dos amigos que viajavam com Philip era o modelo Bruno Krupp, que em julho de 2022 atropelou e matou um jovem de 16 anos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e também responde a acusações de estupro e estelionato.
Após o pouso em Natal, policiais federais prenderam Philip Klein em flagrante, acusado dos crimes de ato obsceno (sujeito a detenção de três meses a um ano ou multa) e atentado contra a segurança de transporte aéreo (reclusão de dois a cinco anos). No dia seguinte, a Justiça autorizou sua soltura sob pagamento de fiança de R$ 10.450.
O caso motivou dois processos contra ele, ambos concluídos mediante acordos financeiros aos quais Universa teve acesso. No Rio Grande do Norte, Philip aceitou a proposta do Ministério Público Federal de doar R$ 55 mil à superintendência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Em São Paulo, em uma ação de reparação por danos morais movida pela vítima em quem o empresário urinou, ele precisou pagar a ela outros R$ 55 mil.
A vítima desse caso e seu advogado também foram procurados pela reportagem, mas não quiseram se manifestar. A defesa de Philip afirmou, em nota, que "o incidente ocorrido em 2020, no interior de um avião, foi definitivamente solucionado entre as partes, em ambas as esferas, o qual não houve nenhuma condenação".
A nota enviada pelo advogado Santiago Schunck em nome de Philip diz ainda "repudiar a tentativa de vinculá-lo a condutas de seus familiares completamente distintas, cuja eventual ocorrência nos moldes imputados ainda pende de apuração".
"Se ele foi criado em ambiente de violência contra a mulher, vai entender como normal", diz psicóloga
Em que ponto as violências sexuais de que seu pai e seu avô são acusados se encontram com a brutalidade física e o ato obsceno pelos quais Philip Klein foi denunciado?
"Em todos os casos, estamos falando de cultura do estupro e objetificação do corpo da mulher", afirma a psicóloga Daniela Pedroso, que há 25 anos atende mulheres sobreviventes de violência sexual. "Se Philip foi criado dentro de um ambiente como o das histórias que vieram à tona [contra Samuel e Saul Klein], ele pode entender a violência contra a mulher como algo normal. Não vê a gravidade do ato porque aprendeu dessa maneira, cresceu no meio disso."
Nascido em 1954, o pai de Philip, Saul Klein, é investigado por crimes sexuais contra 14 mulheres, que o acusam de aliciamento e estupro em festas que reuniam dezenas de garotas em suas propriedades. Um inquérito policial, iniciado em setembro de 2020, já indiciou Saul pelos crimes de organização criminosa, trabalho análogo à escravidão, tráfico de pessoas, estupro, estupro de vulnerável, casa de prostituição, favorecimento à prostituição e falsificação de documento público. Foi apresentado à Justiça, que devolveu e pediu esclarecimentos e novas investigações, sem prazo de conclusão. A defesa do empresário nega todas as acusações.
Depois que as denúncias contra Saul vieram à tona, Samuel Klein , avô de Philip e fundador das Casas Bahia —morto em 2014, aos 91 anos—, foi acusado de manter durante anos um esquema de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Embora se tratem de acusações de naturezas diversas, avô, pai e neto teriam o desejo de exercer poder como ponto em comum entre os crimes pelos quais foram denunciados, segundo a psicóloga Daniela Pedroso. O abuso sexual, a agressão física e o ato de urinar em uma mulher desconhecida não são violências cometidas por prazer, e sim, justamente, pela sensação de poder que geram. Há, também, a ideia de que não serão punidos por isso: "Ninguém aborda mulheres dessas maneiras se não tiver certeza da impunidade."
*Colaboraram Camila Brandalise e Luís Adorno.
Veja o primeiro episódio do documentário Saul Klein e o Império do Abuso no canal de Universa: