Maioria do eleitorado, mulheres nunca tiveram tanta relevância num debate
Com a presença de duas candidatas à presidência da República e mais mulheres jornalistas fazendo perguntas aos postulantes ao cargo, o primeiro debate presidencial na TV trouxe destaque às questões das mulheres —da ocupação de posições estratégicas no governo à questão da violência.
Mas nem mesmo a importância do tema inibiu o presidente e candidato Jair Bolsonaro (PL), que atacou a jornalista Vera Magalhães. O debate aconteceu na noite deste domingo (28) e faz parte de um consórcio que reuniu UOL, a Folha, a Band e a TV Cultura.
Também debateu-se mais propostas para esse público feminino, que é a maioria do eleitorado - segundo o TSE, o número de eleitoras representa 52,65%, enquanto o de homens equivale a 47,33%.
"É da natureza dele não gostar de ser questionado por mulheres"
Logo no segundo bloco do debate, a jornalista Vera Magalhães escolheu o candidato Ciro Gomes (PDT) para falar sobre a cobertura vacinal no Brasil, com comentários de Jair Bolsonaro (PL). Em seu questionamento, a apresentadora do programa "Roda Vida" fala que a redução na busca por vacinas vem despencando nos últimos anos, entre outros fatores, por desinformação difundida pelo presidente. Neste momento, Bolsonaro se descontrolou e a chamou de "vergonha para o jornalismo".
"Você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim", ele disse. E ainda se adiantou a dizer para ninguém vir com "historinha de atacar mulheres, de se vitimizar."
Logo após esse ataque, Bolsonaro chamou Tebet de "uma vergonha no Senado Federal".
O presidente já foi condenado pelos seus conhecidos ataques a jornalistas. Em 2018, ele ofendeu Patrícia Campos Mello por usar expressão com conotação sexual contra repórter da "Folha", e a Justiça lhe impôs uma multa de R$ 20 mil, elevando depois para R$ 35 mil.
Em resposta, no fim do debate, Vera afirmou ser "da natureza dele não gostar de ser questionado por mulheres."
"No meu estado, tem mulher que vira onça. E eu sou uma delas"
Após esses ataques, a colunista do UOL Thaís Oyama instou Simone Tebet e a senadora Soraya Thronicke (União Brasil) a falar sobre o vitimismo feminino, e as duas defenderam que para elas feminismo é "defender o direito das mulheres", como apontou Simone, e brigar "pela paridade", frase de Tronicke, que tem um candidato a vice homem, o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra.
Tronicke estranhou a pergunta de Oyama. A jornalista lembrou que, em uma entrevista, Soraya afirmou que "diante de uma acusação de estupro, não é porque a acusadora é mulher que ela tem razão".
Soraya, que já apoiou Jair Bolsonaro, explicou que enquanto advogada entende que deve-se analisar fato por fato. "E que sim, por que uma mulher não pode mentir?"
Simone aproveitou para lembrar que uma em cada três mulheres no Brasil sofreu, sofre ou sofrerá algum tipo de violência dentro ou fora de casa. E atacou o presidente ao dizer que Bolsonaro desrespeita as mulheres quando fala das jornalistas "como acabou de fazer".
Tronicke é mais incisiva: "Quando homens são tchutchuca com outros homens, mas vêm para cima da gente sendo tigrão, eu fico extremamente incomodada. Aí eu fico brava, sim. E digo mais para você. Lá no meu estado, tem mulher que vira onça, e eu sou uma delas."
Há algumas semanas, Bolsonaro foi provocado pelo youtuber Wilker Leão, na saída Palácio da Alvorada, enquanto fazia fotos com seguidores. Leão começou a fazer perguntas e provocações e foi empurrado por seguranças. Irritado, o blogueiro chamou Bolsonaro de 'tchutchuca do Centrão'.
"Por que tanta raiva das mulheres?"
Logo na abertura do terceiro bloco, Tebet listou ataques misóginos de Bolsonaro a mulheres como defender um torturador de mulheres, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil. E foi direta: por que tanta raiva das mulheres?
Bolsonaro diz que são acusações sem prova e que foi o governo que mais sancionou leis defendendo mulheres, mas escolheu Ciro Gomes para responder sobre a defesa delas. "Tem um papo sobre mulher aqui, Ciro", começou ele, ao mentir em seguida quando afirmou ser ação do seu governo a Casa da Mulher Brasileira, um projeto do governo Dilma.
E segundo levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos destinou o menor recurso dos últimos quatro anos —e de toda a gestão de Damares Alves— para o combate à violência contra a mulher no Brasil.
Ciro e Bolsonaro, entretanto, trocaram farpas sobre suas falas machistas. Ciro lembrou que Bolsonaro já disse que a filha dele foi uma fraquejada após 4 filhos homens, e na tréplica o presidente apontou que seu adversário político já afirmou que a missão mais importante da sua esposa era dormir com ele. Na época da fala, há 20 anos, ele estava casado com a atriz Patrícia Pilar.
Lula não assumiu compromisso de paridade de gênero no ministério
Perto do final do debate, a editora da Folha de São Paulo Ana Estela de Sousa Pinto questionou os candidatos Lula e Simone Tebet se eles se comprometeriam a preencher seus ministérios com ao menos metade de mulheres.
Lula respondeu que não iria assumir compromisso, porque se não for possível, passaria por mentiroso, enquanto Tebet defendeu que seu ministério será paritário entre homens e mulheres.
Durante seu governo, Bolsonaro teve três ministras mulheres, entre 18 homens: Flávia Arruda (Secretaria de Governo), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Tereza Cristina (Agricultura), e hoje tem uma, Cristiane Britto, que entrou no lugar de Damares.
Já nos dois governos Lula passaram apenas 9 mulheres por ministérios.
Tebet lembrou ainda, nas suas considerações finais, que sua candidata a vice-presidente é a senadora Mara Gabrilli (PSDB). "Eu e Mara, juntas, com alma de uma mulher e coração de uma mãe, nós vamos resolver definitivamente os problemas das pessoas."
Já Lula aproveitou a deixa para afirmar que teve o prazer de indicar a primeira mulher candidata à Presidência da República, no caso Dilma Rousseff (PT).
Candidato erra nome de lei que protege mulheres
A apresentadora do UOL Fabíola Cidral escolheu Felipe D'Ávila (Novo) e Jair Bolsonaro para responder como irão reduzir os dados de estupro e feminicídio no país. Ela lembrou que que a cada dez minutos, no Brasil, uma mulher é estuprada. E que a cada sete minutos, uma mulher é vítima de feminicídio.
D'Ávila cometeu uma gafe ao dizer que o Brasil precisa cumprir a lei Maria da Paz, sendo que o nome é Maria da Penha. Enquanto Bolsonaro afirmou que no seu governo o número de mulheres mortas e violentadas têm diminuído.
Em outros debates presidenciais, questões como feminicídio, lei de 2015, sequer foram debatidas. Mas sobraram ataques e provocações machistas.
Em 2018, por exemplo, Marina Silva (Rede) destacou nas redes sociais ser a única candidata mulher presente no debate da Band, em meio a Alvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriota), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB) e Jair Bolsonato (PL).
Mas no lugar de se pronunciar ao seu favor, seu vice, Eduardo Jorge (PV), disse que ela estava "se maquiando" para o debate e que "a candidata vai aparecer intacta e totalmente bonita às 22h na Bandeirantes".
Em outro debate, promovido na época pela RedeTV!, Marina afirmou que Bolsonaro acredita poder resolver os problemas do Brasil, como a desigualdade salarial entre gêneros e a segurança pública, "no grito e na violência".
Na ocasião, quando Marina disse ser contra porte de arma, Bolsonaro respondeu: "Temos aqui uma evangélica que defende o plebiscito para aborto e maconha e quer agora defender a mulher. Você não sabe o que é uma mulher, Marina, que tem um filho jogado no mundo das drogas. Você não sabe o que é isso para defender um plebiscito nesse sentido. Eu defendo a mulher e defendo inclusive a castração química para estupradores".
Quatro anos antes, em 2014, houve maior a participação de mulheres nos debates, com Dilma Rousseff (PT), Luciana Genro (PSOL) e Marina Silva (PSB), mas apesar disso nada foi falado sobre direitos das mulheres. Durante um debate da Globo, inclusive, Levy Fidelix (PRTB) chamou Luciana Genro para uma pergunta da seguinte forma: "Venha aqui que vou te enquadrar". Já em outro debate, também da Band, ele se virou para Marina e disse: "Me restou bombardear a dona Marina. Eu digo, politicamente."
Aécio Neves (PSDB) e Luciana Genro (Psol) também protagonizaram momento de tensão no último debate entre os presidenciáveis antes do primeiro turno da eleição, promovido pela TV Globo. Chamado de "fanático das privatizações e da corrupção" pela candidata do Psol, o tucano levantou o dedo e chamou a adversária de "leviana" e despreparada para disputar a Presidência. Ao que Genro chama sua atenção:
"Você não levanta o dedo pra mim".
Nessas eleições de 2022, além dos candidatos que participaram do debate de ontem, Leonardo Péricles (UP), Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB), Eymael (DC), Pablo Marçal (Pros), Roberto Jefferson (PTB).
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