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'Contava nos dedos o que ela comia': como evitar paladar seletivo infantil?

estilista Marina Breithaupt, que comanda o perfil Petit Niños, e a filha Amelie - arquivo pessoal
estilista Marina Breithaupt, que comanda o perfil Petit Niños, e a filha Amelie Imagem: arquivo pessoal

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, de São Paulo

31/08/2022 04h00

Desde a introdução alimentar, Amelie, a "Memel", hoje com 6 anos, já apresentava algumas preferências. Eram poucas as frutas que provava, rejeitando-as pela textura. Qualquer outro alimento era motivo para deixá-las de lado. Até que a "seleção" começou a incluir os salgados.

"Foi gradual, mas chegou ao ponto que percebi que cabia nos dedos de uma mão o que ela aceitava comer", conta a mãe, a estilista Marina Breithaupt, que comanda o perfil Petit Niños. No início de 2020, a garotinha sofreu um engasgo. A seletividade ficou ainda maior, ampliada pelo trauma de voltar a engolir sólidos.

Foi nessa época que Marina recorreu à ajuda profissional para que a filha conseguisse superar o choque. Dois anos após o susto e de todo o processo, que segue firme e forte, vieram avanços, obtidos tanto com terapia quanto com os incentivos e desafios lúdicos que Memel recebe a cada consulta com uma endocrino pediatra.

"Envolvê-la nas compras e preparos das refeições era algo que eu sempre tentava. Com a pandemia, começamos a ir muito mais para a cozinha, todos juntos, e isso ajudou bastante. Ela ainda não aceita frutas - só mexerica e abacaxi -, mas come muitas verduras escuras, como agrião, couve e rúcula. Tudo depois de muitas e muitas tentativas", afirma a mãe.

O que há por trás disso

Memel integra um grupo de crianças que enfrenta a chamada seletividade alimentar - ou paladar seletivo. Na prática, trata-se de um grande desafio na hora das refeições, momento em que os pequenos tendem a escolher o que querem comer e recusar aquilo que não lhes agrada.

Segundo a endocrinopediatra Bruna Tincani, médica que acompanha Amelie, esse comportamento pode acontecer em qualquer fase da vida, mas é mais comum após os dois anos, já que os primeiros anos de vida são para conhecer os alimentos, ainda sem selecioná-los. O problema está na persistência desse quadro, capaz de prejudicar a saúde da criança.

"A introdução alimentar bem feita é fundamental para uma criança desenvolver o paladar variado e, desta forma, evitar a seletividade. Mas, assim como nós, adultos, é comum que a criança demonstre maior receptividade para determinados tipos de alimentos e ela tem o direito de não gostar de tudo", observa a especialista.

Como identificar o problema

Para tratar esse hábito alimentar, é necessário, antes de tudo, diagnosticá-lo. E isso inclui saber que não gostar de um alimento não significa, necessariamente, ter seletividade. De acordo com a médica, o paladar seletivo se dá em não comer absolutamente nenhum alimento de determinado grupo, como, por exemplo, tipos de carne - não aceitar a vermelha, nem a branca, nem peixes.

Observado isso, a especialista ressalta a importância de uma investigação mais ampla para entender se há alguma condição por trás dessa atitude com a alimentação - caso do autismo, em que a seletividade é tida como sintoma.

Seletividade alimentar tem solução

De acordo com a endocrinopediatra, ainda que o paladar seletivo não seja completamente resolvido, ele pode ser melhorado. Porém, é preciso agir para isso acontecer. Se nenhuma atitude for tomada, a tendência é uma piora, o que significa que qualquer atitude para evitá-lo já é um ótimo caminho.

E essa tentativa de melhora é primordial, já que o quadro pode causar prejuízos à saúde do paciente mirim. "Uma criança muito seletiva pode ter desnutrição proteico calórica ou, também, apresentar diversas deficiências de vitaminas e minerais. Além disso, pode se tornar um adulto com TARE (Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo)", explica Bruna Tincani.

O papel dos pais

A função dos adultos para ajudar os filhos com seletividade começa já na percepção desse comportamento. De acordo com a médica, eles devem procurar ajuda tão logo notarem que as crianças estão recusando alimentação, em casa ou na escola, ou deixando de comer um grupo específico de alimento.

"Não espere que o problema seja resolvido de uma hora para outra. É importante ter paciência e não tirar do filho a oportunidade de crescer com saúde e bons hábitos alimentares. Apesar da rotina corrida e da sobrecarga, é preciso se organizar e manter a calma", orienta Bruna.

Entre os erros que os adultos mais cometem, ela cita a prática de deixar o filho sem comer, acreditando que, com fome, vá aceitar a comida oferecida. "Agir no desespero só piora a situação, da mesma forma que se culpar. O recomendado é passar pelo processo de forma leve e descontraída, sem esquecer que alimentação é treino", salienta a especialista.

Uma pitada de criatividade

Talvez uma banana descascada não atraia a criança, mas os pais podem amassar e colocar a fruta no micro-ondas, misturando açúcar e canela. Isso altera o sabor, a textura e, possivelmente, a aceitação. O mesmo vale para a batata: ela pode ser servida frita, como purê, chips, cozida, entre outras formas.

Tais malabarismos são táticas criativas para melhorar a oferta de ingredientes que o filho costuma rejeitar e é uma das orientações que Bruna dá aos responsáveis.

"A alimentação vai além do comer ou cozinhar. Você pode levar o filho ao supermercado para fazer as comprar, arrumarem a mesa juntos, preparar a comida e até usar livros e brinquedos plásticos na hora da brincadeira, que exemplifiquem isso", indica.

Fonoaudiologia também pode ajudar

Fonoaudiólogo é o profissional que avalia funções sensório-motoras orais, ou seja, respiração, mastigação, sucção e deglutição. "Diante da seletividade alimentar apresentada pela criança, é muito importante avaliar se não existe alguma alteração relacionada a essas funções, que possam justificar a dificuldade na alimentação", diz Carla Deliberato, da Clínica Care Materno Infantil.

A especialista aponta um momento conhecido como neofobia alimentar - o medo de alimentos novos -, comum às crianças entre 2 e 5 anos, em que os pequenos começam a rejeitar aquilo que já comiam ou não apresentam vontade de experimentar novas opções.

Isso, assim como os seguintes sinais apontados pela fonoaudióloga, indicam a hora de buscar ajuda especializada:

  • Recusa ou desinteresse nas refeições;
  • Náuseas ou vômitos durante a alimentação;
  • Hábito de cuspir os alimentos;
  • Seletividade na textura das comidas (comendo só purê, por exemplo);
  • Dificuldade para mastigar;
  • Preferência por se alimentar andando ou fora da mesa;
  • Fazer caretas ou sentir nojo nas refeições.

Quando tais comportamentos aparecem, é momento de adotar tratamento, com acompanhamento multidisciplinar, que envolve outros especialistas, além do fonoaudiólogo, como pediatra, nutricionista, endócrino e até terapeuta.

Como fugir da seletividade

Conforme explica a pediatra Daniela Anderson, a seletividade alimentar pode ser evitada, ou melhor, alguns hábitos, quando adotados corretamente, tendem a reduzir a chance desse comportamento acontecer.

Abaixo, a especialista elenca dicas práticas, que devem ser adotadas desde o início da alimentação, para evitar o paladar seletivo:

  • Já na introdução alimentar, oferecer alimentos dos diferentes grupos para o filho conhecer sabores e texturas variados;
  • É importante disponibilizar frutas, verduras, legumes e cereais separadamente. Quando servidos em conjunto, a criança não aprende a testar sabores e texturas;
  • A família toda tem que se alimentar bem. Não adianta esperar que os pequenos comam pratos saudáveis se os pais não o fazem, já que eles aprendem pelo exemplo que têm em casa.